Graça Mira Gomes, futura secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, vai ser ouvida no Parlamento a 18 de setembro, no final da primeira reunião plenária dos deputados depois da pausa de verão. Com essa audição conjunta da primeira e terceira comissões (Assuntos Constitucionais e Defesa Nacional) ficam cumpridos os passos formais para que a embaixadora possa substituir Júlio Pereira e assumir o comando da estrutura que coordena o Serviço de Informações de Segurança (SIS) e o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED).

A reunião deverá acontecer à porta aberta. No final, não haverá nenhum parecer vinculativo dos deputados que possa impedir a nomeação de Mira Gomes, mas há um relatório dos deputados em que se faz uma “avaliação substancial” da prestação da segunda escolha do primeiro-ministro para o cargo, depois de o também embaixador José Pereira Gomes se ter manifestado “indisponível” para as funções. “Não há qualquer votação da comissão ou da assembleia, mas a audição não serve apenas para os deputados cumprirem calendário“, sublinha fonte da primeira comissão ao Observador.

A data ainda não consta do calendário oficial da Assembleia, mas o Observador sabe que foi essa a alternativa apresentada à atual Representante Permanente de Portugal junto da Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE) depois de ter falhado a primeira opção, na próxima terça-feira, 12 de setembro. Só numa “situação muito excecional” seria preciso encontrar uma terceira data para a audição.

A Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa estabelece que a nomeação do secretário-geral dos serviços “é antecedida de audição conjunta do indigitado em sede de comissão parlamentar competente para os Assuntos Constitucionais, direitos, liberdades e garantias e de comissão parlamentar competente para a Defesa Nacional”. Pereira Gomes não chegou a cumprir esse passo.

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Indicado por António Costa para chefiar as secretas no início de maio, Pereira Gomes acabou por recuar perante a pressão pública contra a sua indigitação. A eurodeputada Ana Gomes foi a primeira voz a mostrar “apreensão” relativamente à escolha.

Tenho dúvidas de que o embaixador Pereira Gomes tenha capacidade para aguentar situações de grande pressão. Não inspira confiança e autoridade junto dos seus subordinados nos serviços de informações”, disse Ana Gomes ao Diário de Notícias, cerca de três semanas depois de o nome ser conhecido.

António Costa manteve a escolha — “da minha parte, a confiança que tenho no embaixador José Júlio Pereira Gomes para o desempenho das funções foi o que me levou a convidá-lo” –, mesmo depois de os jornalistas Luciano Alvarez e José Vegar terem criticado publicamente a prestação do embaixador no referendo pela independência de Timor Leste. Em causa estava a pressão que o então líder da missão portuguesa em Timor terá feito junto do Governo português para que o grupo abandonasse o país na sequência do resultado que ditou a independência em relação à Indonésia.

“Na notícia, escrita por mim ainda em Timor na madrugada do dia da evacuação [9 de setembro de 1999], relato os muitos esforços feitos pelo Governo português junto de Pereira Gomes, nomeadamente de António Guterres, nas 48 horas anteriores, para que a missão ficasse pelo menos até à chegada dos homens do Conselho de Segurança da ONU. Relato ainda discussões entre Pereira Gomes e António Gamito e Francisco Alegre, o diplomata júnior da missão, que sempre insistiu e tudo fez para que a missão não abandonasse Timor”, recordou Luciano Alvarez no artigo que escreveu para o Público.

Pereira Gomes: “Depois do referendo senti algum desespero”

Pereira Gomes, atual embaixador português na Suécia, contesta essa versão. “Como chefe de missão, tinha o dever e a responsabilidade de informar e fazer recomendações ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) sobre toda a atividade da missão incluindo, naturalmente, as condições de segurança”. Mas a decisão final caberia, assegura, a Lisboa. “Não tinha o poder de decidir sobre o se, o quando e o como da eventual evacuação. Isso era responsabilidade do Governo. Que a assumiu no momento julgou adequado”, diz o Pereira Gomes.

PSD foi ouvido, mas não dá “respaldo”

A história mostra que a escolha do chefe das secretas (Mira Gomes será a primeira mulher no cargo) resulta de um consenso entre os dois principais partidos na Assembleia da República, PS e PSD. Até agora.

O comunicado do Governo dizia que o líder do principal partido da oposição tinha sido “informado” da indigitação. Informado não é consultado e muito menos significa um acordo de cavalheiros entre os responsáveis do dois partidos. Passos Coelho veio explicar por que razão os sociais-democratas se limitaram a registar o nome proposta por António Costa.

Não faria sentido o PS chumbar no parlamento a proposta que fizemos em relação à pessoa que presidiria ao Conselho de Fiscalização [a vice-presidente do PSD Teresa Morais] do SIRP e depois dar apoio ao Governo para a escolha da personalidade que viria a chefiar o SIRP. Espero que seja possível o parlamento encontrar uma forma de fazer a eleição do presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP”, disse o presidente do PSD.

De qualquer forma, já nada apaga o caminho percorrido até aqui, sem consensos na escolha do chefe das secretas. “É a primeira vez que isso sucede, é mais uma tradição que se quebra. É lamentável que seja assim, mas é a escolha que o Governo fez”, sublinhou Pedro Passos Coelho, sem se comprometer com a aprovação (ou o parecer favorável, ainda que meramente consultivo) do PSD ao nome de Graça Mira Gomes.