As gerações mais novas podem não reconhecer de imediato a palavra Ambar. Mas aqueles que têm mais de 30 anos de idade provavelmente escreveram as primeiras letras num caderno da marca portuguesa. Ou pintaram um livro com os lápis de cor saídos da sua fábrica. Para que as crianças de hoje em dia saibam de cor aquelas cinco letras, a marca vai lançar a Ambarscience, uma nova área de negócio dedicada a brinquedos científicos e pedagógicos para crianças e jovens com idades entre os três e os 14 anos. Experiências como pesar o ar que respirámos com a ajuda de balões, ou até montar robôs que depois andam sozinhos ao bater das palmas, foram apresentadas esta sexta-feira no Porto de Leixões.

Uma menina põe uns óculos de proteção para finalizar uma experiência: fazer um vulcão entrar em erupção. E ele lá começa a jorrar um líquido vermelho. Quem diria que o vinagre podia ajudar a libertar lava. Outra criança faz construções de areia. Mas a areia é colorida e não suja nada à volta. A mãe olha, curiosa, para aquilo a que se chama areia cinética, talvez a imaginar brincadeiras em casa que não deixem o quarto e a sala em estado de sítio.

O primeiro catálogo da nova Ambarscience tem 50 brinquedos educativos e a ideia é “não parar”, diz ao Observador Rui Baptista, o professor que propôs a ideia à marca. “O mercado tem oferta de brinquedos científicos, mas apercebi-me de que não passam de brinquedos. O resultado final depois da brincadeira não é uma experiência de aprendizagem.”

Com vinagre também se acorda um vulcão. © Sara Otto Coelho / Observador

Mestre em Física para o Ensino, pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Rui Baptista é professor há mais de 20 anos. E já tinha por hábito ir a lojas de brinquedos comprar acessórios que o ajudassem a ensinar a física e a química, “que é um pesadelo dos miúdos”, admite. Reparou que esses objetos ajudavam a desmistificar a ciência e a captar a atenção dos alunos. Daí, lembrou-se de reunir com a Ambar e propor a criação de uma linha de brinquedos pedagógicos.

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Dedicada à produção de material escolar e material de escritório, a empresa que, em 2013, passou por dificuldades, abraçou de imediato a ideia de se lançar na área dos brinquedos. Passado pouco mais de um ano, já vão começar a chegar a algumas livrarias e locais selecionados puzzles 3D, kits de estudos de insetos ou de reciclagem de papel, e até a famosa areia sintética, para construir cilindros e paralelepípedos. Os preços começam nos 9,90€ e vão até aos 59,90€.

O projeto foi realizado em parceria com a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), responsável por validar a pertinência, precisão e adequação dos kits científicos. “É preciso ter muito cuidado para não transmitir ideias erradas. As crianças são como esponjas, não podemos ter coisas cientificamente incorretas, porque senão depois temos o dobro do trabalho para desmistificar isso”, explica Rui Baptista, distinguido em junho com o prémio European STEM Teacher Award, atribuído pela organização internacional Science on Stage.

Os brinquedos também puxam pela criatividade artística e permitem pintar alguns objetos, depois de construídos. © Sara Otto Coelho / Observador

Os vários brinquedos gravitam à volta das áreas CTEM – Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, para as quais é preciso captar futuro profissionais, diz o professor. “Há muitos miúdos que evitam essas áreas por terem conteúdos mais difíceis. E na origem está, muitas vezes, uma falta de contacto.” Para lhes despertar o gosto, nada melhor do que fazê-lo de forma divertida. Alguns kits envolvem mecanismos e montagens, para que as crianças desenvolvam a motricidade e a imaginação. “São características que eles têm de desenvolver nestas idades para depois entrarem para as áreas CTEM.” Todas as embalagens têm, por isso, o selo da FCUP.

Os brinquedos estão divididos em seis categorias: Science, Lab, Eco, Nature e Tech e Creative. Na Creative estão inseridos os tais desafios com areia cinética, reutilizável e fácil de moldar. “Não suja nada, as mães vão adorar!”, promete Rui Baptista. Destinada para as crianças mais pequenas, serve para ensinar os sólidos, do cilindro ao cubo, mas também para construir um castelo de areia.

Na área de Science, a física e a química ganham vida através de experiências didáticas. Como provar que o ar tem peso. “Funciona com balões e uma balança, e a criança coloca num dos lados da balança o balão cheio e no outro o balão vazio. Isto parece elementar, mas a criança nunca mais vai esquecer que o ar tem peso”, conta o professor.

A categoria Tech não podia faltar no século XXI. Rui Baptista dá como exemplo os robôs que são autênticos puzzles 3D para as crianças montarem, sozinhas ou com a ajuda de um adulto. “Tem um mecanismo interno que faz com que, quando a criança bate palmas, o robô caminha. Como é a própria criança que monta, ela vai perceber o mecanismo de funcionamento das pernas e do sensor”, diz o docente, entusiasmado.

A sensibilizar os mais novos para a sustentabilidade do planeta surge a área ECO, onde se insere, por exemplo, o kit de reciclagem de papel. “Explicamos os passos da reciclagem e, ao mesmo tempo, apelamos à reutilização e ao uso racional dos recursos do planeta.” As propostas da área Lab vão permitir o primeiro contacto com o método científico, colocando em prática os conhecimentos adquiridos na escola.

Finalmente, os brinquedos Nature vão desvendar tudo sobre os seres vivos, formas e habitats. Um dos kits convida a criança a sair de casa para ir recolher insetos e estudar o meio onde eles vivem. O kit inclui uma lupa e uma rede para os apanhar. Calma: “No final da atividade dizemos à criança para libertar o inseto depois de o estudarem”, afiança o docente.

Com ou sem a ajuda dos pais, crianças e jovens dos três aos 14 anos vão descobrir como construir um robô que se mexe ao bater das palmas ou como reciclar papel em casa. © Sara Otto Coelho / Observador

É para o menino e para a menina por igual

A divisão que não existe é entre sexos. Na Ambarscience, não há kits de beleza com letras a cor de rosa e caixas de astronomia a azul. “Não estamos a fazer brinquedos para meninas e para meninos. A nível comercial nem faz sentido fazer coisas só para uns e para ouros”, sublinha Rui Baptista, que acrescenta que os kits terão um código “Color Ad” para daltónicos. “Temos atividades de pintura e montagem de puzzles 3D com tintas, nós vamos colocar nos nossos kits essa codificação.”

Os brinquedos estão ligados aos conteúdos programáticos que se ensinam nas escolas e Rui Baptista aconselha o seu uso nas aulas. E, apesar de se focarem nas áreas de ciência e tecnologia, garante que também apelam às artes e à criatividade. “Porque um bom cientista tem de ser criativo”, defende. “Temos casinhas de montar que ajudam a aprender as letras e onde contamos uma história, onde também pomos a criança a pintar a casa. Se um professor tem meninos na sala e os convida a levar o brinquedo, ele pode fazer um teatro, pode trabalhar as artes.”

A Ambar passou momentos difíceis em 2013 mas, graças a um investimento do grupo têxtil Valerius, a empresa de 78 anos tem agora nova vida. É a continuidade dessa vida que também motiva o presidente do conselho de administração, José Vilas Boas, a olhar com entusiasmo para o novo negócio dos brinquedos científicos. “Perguntámos a pessoas de 40 anos o que é a Ambar e conhecem, mas as de 15 anos já não sabem. Percebemos que precisamos de servir estas crianças que serão os futuros compradores para a continuidade da marca”, admite ao Observador.

Sem medo da concorrência, destaca a estreita ligação aos conteúdos programáticos das escolas e à validação por parte da FCUP e adianta: “Temos um plano estratégico para que a Ambarscience ocupe 20% a 25% no nosso volume de negócios.” Por agora, os brinquedos vão estar disponíveis em todo o país. Uma vez consolidado o mercado interno, é hora de aproveitar as linhas de distribuição que já têm para levar a marca portuguesa a cientistas de palmo e meio de outras nacionalidades.