“Reviver o Passado em Montauk”

No meio de tanto robô, de tanto andróide, de tanto super-herói, de tantas criaturas sobrenaturais, de tantos efeitos digitais, de tanto computador dentro e fora da imagem, é bom descobrir um filme sobre gente de carne e osso, seres humanos cheios de sentimentos conflituosos, defeitos, dúvidas e desejos. Em “Reviver o Passado em Montauk”, a melhor realização do alemão Volker Schlöndorff em muitos anos, Stellan Skarsgard interpreta Max Zorn, um romancista alemão algo presunçoso que vai promover o seu novo livro a Nova Iorque, e aí volta a cruzar-se com Rebecca (Nina Hoss), com a qual teve um intenso romance há quase 20 anos e é agora uma importante advogada. Apesar de estar acompanhado pelo mulher, que vive e trabalha na cidade, Zorn vai tentar recuperar esse amor há muito evaporado, supostamente o da sua vida.

Baseando-se em “Montauk”, um livro de 1975 abertamente autobiográfico do suíço Max Frisch, e que por isso mesmo deu controvérsia à altura, Schlöndorff escreveu o argumento a meias com o romancista irlandês Colm Tóibín, e acrescentaram-lhe também ambos dados das suas vidas pessoais. Apesar de ser um filme sobre um escritor, que parte de um livro e tem outro escritor a co-assinar o guião, “Reviver o Passado em Montauk” nada tem de “literário” no sentido mais maçudo e pesado da palavra. É uma fita de escrita fina dramática e cinematográfica, que encena um melodrama de desilusão romântica, conta uma história de fantasmas de amor, faz um lamento outonal por um amor irrecuperável. Skarsgard e Hoss fazem uma inteligente e comedida gestão emocional das suas personagens, ele convencido que pode levar a sua avante em duas frentes e corrigir o passado, ela sem a menor ilusão sobre o reacendimento de paixões extintas.

“Detroit”

Custa vermos Kathryn Bigelow e o argumentista Mark Boal, que anteriormente nos deram filmes tão tensos, densos, bem urdidos e empolgantes como “Estado de Guerra” e “00.30-A Hora Negra”, a chover no molhado, a rodar no vazio e a bater no peito neste “Detroit”, um exemplo chapado de cinema de má consciência e de contrição liberal hollywoodesca com retroactivos. O filme reconstitui um incidente chocante ocorrido há meio século, em 1967, durante os motins de Detroit, quando três jovens negros foram mortos por polícias racistas, e vários outros, mais duas raparigas brancas, foram intimidados e maltratados, num motel da cidade.

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Bigelow pretende com “Detroit” traçar paralelos entre esses agitados anos 60 e os EUA de hoje, embora não haja comparação entre as duas épocas no que respeita à situação social, económica e dos direitos cívicos dos negros, sendo que à altura havia também a guerra do Vietname, outro factor de profunda divisão e instabilidade na sociedade americana. Como se isto não bastasse, “Detroit” é também um filme penosamente ilustrativo, cheio de ganga, que se recusa a acabar (dura quase duas horas e meia) e de alto índice de indignação fácil. Nem uma cineasta como Kathryn Bigelow está imune às boas intenções e aos impulsos edificantes que costumam redundar em cinema medíocre.

“It”

O palhaço mais assustador do cinema e da televisão é sem a menor dúvida o de “It”, primeiro de dois filmes baseados no livro de Stephen King, e que antes de ser interpretado por Bill Skarsgard nesta fita de Andy Muschietti, foi-o por Tim Curry na minissérie de televisão “It — O Palhaço Assassino”, que Tommy Lee Wallace realizou em 1990, quatro anos depois da publicação da obra. King estava a atravessar um período difícil da sua vida quando escreveu “It”, consumindo bebidas alcoólicas, cocaína e fármacos em doses muito pouco recomendáveis. O escritor meteu tudo neste livro gordo de 1300 páginas, entre recordações de juventude e o seu próprio mal-estar existencial, criando uma monstruosidade cósmica que, na história, toma a forma de um palhaço chamado Pennywise.

Há vários séculos, de 27 em 27 anos, que Pennywise atormenta uma cidadezinha do Maine, Derry, provocando catástrofes inexplicadas, raptando e matando crianças e alimentando-se do seu medo. Regressado da sua hibernação, o diabólico Pennywise persegue os sete jovens heróis de “It”, que se classificam como O Clube dos Falhados, assombrando-os com vários horrores, mais principalmente com os seus medos e pesadelos mais íntimos. Muschietti actualizou a acção dos anos 50 e 80 (como sucede no livro e na minissérie de 1990), para a década de 80 e os nossos dias. “It” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.