Numa altura em que os carros que se conduzem sozinhos parecem, cada vez mais, estar já ao virar da esquina, as reticências ainda manifestadas por muitos potenciais clientes prendem-se, desde logo, com a questão da segurança. Resultado em grande parte de notícias, segundo as quais as soluções tecnológicas que estão na base dos automóveis 100% autónomos são demasiado permeáveis a influências externas e, nomeadamente, a hackers. Estes, de uma forma remota, podem assumir o controlo da viatura, sem que as pessoas que seguem no seu interior possam fazer o que quer que seja. No entanto e segundo contrapõe um especialista nesta matéria, ele próprio hacker, a situação, hoje em dia, pode já não ser bem assim.

Investigador em segurança automóvel, enquanto máximo responsável pelo departamento de investigação no domínio dos transportes, na tecnológica norte-americana Rapid7, Craig Smith (ele próprio um hacker assumido de viaturas), garante, em declarações ao britânico The Guardian, que os receios do público, quanto a situações como a ocorrida em 2015, em que hackers conseguiram assumir o controlo de uma viatura Jeep, já não são tão fáceis de acontecer como anteriormente.

Uma coisa interessante relativamente aos carros autónomos é que têm vindo a tornar-se, ainda que de forma não intencional, cada vez mais seguros”, garante Smith, que é também o principal responsável pela Car Hacking Village, na Defcon, a maior convenção de hackers, que tem lugar em Las Vegas.

Hackers: de criminosos a parceiros

Para o investigador, a explicar tal situação está, desde logo, o facto de os construtores automóveis terem começado a ver de outra forma os hackers. Deixando de os encarar como criminosos, focados apenas em atacar os seus produtos, para passar a vê-los antes como aliados potenciais ou, pelo menos, parceiros menos prováveis, no seu esforço contra o cibercrime. Até porque, recorda Craig Smith, se as falhas no sistema existem, o melhor mesmo é que seja alguém do lado das marcas a detectá-las antecipadamente!

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Fiat Chrysler Automobiles paga a “hackers”

Aliás, sobre esta mudança de atitude da parte dos fabricantes, basta recordar o caso da japonesa Mazda, que decidiu colocar um Mazda 2 à disposição dos participantes na Defcon, para que o tentassem piratear, colocando à mostra as falhas do modelo. Atitude que Smith elogia, considerando mesmo que os Mazda são bons carros para aprender, uma vez que têm a particularidade de todos os seus sistemas electrónicos utilizarem um único módulo de alta velocidade para envio da informação recolhida. E que, na maioria dos automóveis, é utilizado apenas para enviar os dados relativos aos componentes mais críticos do sistema, como a direcção ou os travões. Sendo que, através do acesso ao sistema do Mazda, torna-se possível perceber como tudo funciona.

Analisar, compreender e melhorar

Mas se a postura de segredo adoptada pela grande maioria dos construtores, relativamente aos seus produtos, poderá parecer a melhor atitude a tomar, o investigador garante que tal postura dificilmente trará bons resultados a prazo. Não só porque a segurança daí resultante será apenas temporária, como também os custos, financeiros e em termos de tempo, serão maiores para continuar a fazer evoluir os níveis de segurança.

O máximo responsável pelo departamento de investigação no domínio dos transportes da empresa Rapid7 volta a recordar o caso dos dois investigadores da empresa de investigação em segurança informática IOActive, que conseguiram, em 2015 e 2016, piratear, em duas ocasiões distintas, um veículo Jeep. Passando a controlar tanto o travão, como o acelerador, graças a uma brecha no sistema de entretenimento do veículo e utilizando a respectiva ligação wireless à Internet. Situação que, no entanto, permitiu ao fabricante automóvel norte-americano tomar consciência do problema e, prontamente, promover uma chamada às oficinas desse modelo, para reparação da falha e reforço da segurança.

Mais sistemas, melhor defesa

A situação atrás descrita, embora na altura complicada, é também um dos motivos que faz com que Craig Smith se mostre optimista relativamente à tendência que se assiste no meio automóvel. Em que a responsabilidade da condução vai sendo transferida, pouco a pouco, do homem para o computador.

“Os carros, hoje em dia, funcionam recorrendo a alguns sensores”, recorda o investigador, os quais lhes permitem, por exemplo, “ao ver uma criança na estrada, imobilizarem-se automaticamente e sem necessidade de intervenção do condutor. Ainda que tenha pela frente um sinal a dizer que pode avançar, ou até mesmo que o condutor decida acelerar, ao invés de travar. Ainda assim, o carro optará por parar”.

Quanto à possibilidade de interferência externa naquela que será a resposta do sistema, Smith defende que o problema estará mais nos carros tradicionais, em que um único componente é responsável por obter a informação, do que propriamente nos veículos autónomos. Os quais são, de longe, bem mais inteligentes, desde logo, pelo simples facto de contarem com muito mais sensores. O que permite o cruzamento dos vários inputs recebidos.

“Nos carros autónomos, cada conjunto de sensores tem a responsabilidade de resolver apenas um determinado aspecto da totalidade do desafio que surge pela frente”, explica o responsável máximo pela empresa de testes com veículos autónomos Cognata, Danny Atsmon. Recordando, por exemplo, que “o sistema LIDAR não consegue detectar vidro, os radares estão mais vocacionados para detectar o metal e as câmaras podem ser enganadas por imagens erradas. Pelo que a indústria foi obrigada a apostar numa redundância de sensores, numa abordagem de fusão de sensores, como forma de contornar o problema. Sendo que cada um destes casos-limite acaba por ajudar elevar ainda mais fasquia [em termos de segurança]”.

Desconfiar, para não falhar

De resto e segundo também refere Craig Smith, a fusão, ou redundância, garantida com a utilização de vários tipos de sensores, não só assegura aos carros autónomos uma imagem mais precisa da realidade, como também e de forma algo acidental, acaba por resolver parte do problema da segurança.

O aspecto mais interessante em toda esta redundância é que nenhum dos sensores confia no outro”, afirma. O que, segundo o mesmo investigador, acaba obrigando a que, para conseguir assumir o controlo da viatura, o hacker tenha de enganar, de forma convincente, não um, mas todos os sensores. Algo só possível, criando todo um mundo inteiramente ficcional em redor do automóvel!

“No fundo, é algo próximo daquilo que permite aos humanos perceberem se se trata de algo real, ou ilusório. E isso é algo com que um hacker tem dificuldade em lidar. Até mesmo a mais segura rede empresarial dificilmente consegue esse tipo de abordagem – uma vez entrados na zona segura, o sistema assume que fazemos parte dos bons”, comenta o hacker ao serviço da Rapid7.

Assim, embora reconhecendo que o futuro do automóvel autónomo não será, certamente, livre de hackers, até porque os sistemas que comandam estes carros são complexos, erros acontecem e existem outras formas de conseguir os códigos que permitem o acesso livre a este tipo de viaturas – por exemplo, através dos próprios sistemas electrónicos de gestão das redes viárias! -, a verdade é que, tomando em linha de conta aquilo que são os automóveis tradicionais, e observando as medidas que têm vindo a ser aplicadas nos veículos que dispensam condutor, o mais certo, segundo estes responsáveis, é que estejamos mais seguros no interior de um carro autónomo, do que ao volante de um qualquer automóvel dito tradicional. É que, pelo menos nos primeiros, as medidas de segurança e a forma como o próprio veículo encara a condução deverá permitir-nos, na pior das hipóteses, reduzir a imprevisibilidade.