Clint Eastwood, Audrey Hepburn, Freddy Mercury, Richard Gere e Claudia Schiffer — a quatro dias de mais um desfile, Felipe Oliveira Baptista começou a partilhar imagens destas e de outras #lacoste_legends na sua conta de Instagram. Em sete anos de direção artística na marca francesa, o designer português nunca tirou os olhos do passado, reiventando-o a cada estação. Na verdade, são poucas as marcas que se podem orgulhar disso. Depois de já ter dado provas de genialidade a reconverter os clássicos desportivos em peças de moda pura, no desfile desta quarta-feira, Oliveira Baptista reconciliou décadas, contextos sociais e modalidades numa única coleção. Os 85 anos batem à porta na próxima primavera e a Lacoste está melhor do que nunca.

“Uma coleção de aniversário é sempre uma desculpa para fazer uma coisa ainda mais identitária. Com o desfile em Paris, ainda levou mais uma ‘camada de tinta’. It’s all about Lacoste“, afirma Felipe Oliveira Baptista, em entrevista ao Observador, minutos após o fim do desfile. O designer fala do coleção, mas o desejo de imprimir a identidade da marca foi muito além do prêt-à-porter. Esteve por todo o lado, a começar pelo regresso à Semana de Moda de Paris. Depois de 14 anos a apresentar as coleções em Nova Iorque, o famoso crocodilo regressou a casa, uma decisão estratégica para as comemorações do 85º aniversário.

No final do desfile, os modelos percorreram o campo (passerelle) fora do alinhamento tradicional © Getty Images

Para o desfile, que aconteceu esta quarta-feira de manhã, foi montado um pequeno estádio no Jardin des Tuileries. A estrutura branca encheu num ápice e substituiu a tradicional passerelle por um campo onde se cruzavam as linhas de várias modalidades desportivas. No centro, três músicos garantiram que o compasso para o desfile era marcado ao vivo. A esta altura, já a arena prometia e Oliveira Baptista não desiludiu.

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“Foi esta a ideia para o aniversário: ter os 85 anos da marca num condensado. Ir do início, com o ténis, um desporto quase aristocrático na altura, e com o René Lacoste no seu blazer de botões dourados, muito chique, muito francês, até aos anos 80 e 90, quando a marca chega à rua com os tracksuits e os miúdos dos subúrbios começam a usar Lacoste.”

Percorrer 85 anos numa única coleção parece uma proeza inatingível, mas não foi. Felipe, um pesquisador nato, revisitou cada década. O resultado só podia ser um verão em que o grande tema do guarda-roupa é a própria Lacoste. “Esse exercício é que é interessante. Cada vez que se olha para o arquivo, olha-se de maneira diferente, vê-se uma coisa que não se tinha visto há quatro anos”, conta.

Felipe Oliveira Baptista no final do desfile © Getty Images

Os botões dourados do monsieur Lacoste apareceram em casacos, saias e vestidos. Os tracksuits, ora em materiais que lhes conferem estrutura, ora a tirarem partido da suavidade da caxemira, bateram recordes de sofisticação. Os polos, grandes históricos da marca, foram mais uma vez rearranjados para tomarem a forma de vestidos assimétricos ou, bem mais semelhantes aos originais, com os botões sobre o ombro. Os coordenados disparam para épocas e contextos diferentes. Tão depressa uma modelo parecia pronta para esquiar nos Alpes, como o modelo seguinte podia perfeitamente ser o Will Smith… nos anos 90. No final, tudo é uma viagem só.

Mathias Augustyniak e Michael Amzalag apanharam boleia. Os artistas e designers foram convidados por Felipe para criar um padrão para a coleção. Mais uma vez, o universo autoreferencial veio ao de cimo, num caos de bolas de ténis, óculos e crocodilos.

Dos anos 80, chegaram os tons pastel, numa paleta onde predominam o azul-marinho, o vermelho, o verde e o branco. Dos anos 90, os dois filmes que inspiraram Felipe Oliveira Baptista: La Haine, de Mathieu Kassovitz, e Conte d’été, de Eric Rohmer. De um lado um retrato social pesado, do outro uma comédia romântica. Postos lado a lado, remetem para a dicotomia formal e informal, também ela explorada na era #lacoste_fob. “Hoje, as pessoas vestem-se de uma maneira muito mais livre”, completa Felipe.

O designer vê no polo criado por René Lacoste a primeira pedra para o que hoje chamamos athleisure e isso faz com que a marca parta em vantagem. Num momento em que as calças de fato de treino são um statement e ninguém pensa duas vezes antes de vestir um quispo extravagante sobre um vestido, continuar a explorar o diálogo entre moda e desporto é o exercício que Oliveira Baptista domina com mestria.

“Na coleção, quis passar estar ideia de passado, presente e futuro. O sportwear evolutivo, as peças que podem ser usadas de mais do que uma maneira, que se decompõem, que se reajustam. Para mim, isso é que é moderno e interessante. A roupa não é só uma coisa que dá status, é algo que facilita a vida.”

O designer já não vê na herança Lacoste algo intocável. Transforma as peças, combina materiais da maneira menos convencional, faz a diferença nos detalhes, abusa dos tecidos técnicos. A marca está com os olhos postos na moda, que por sua vez está com os olhos postos no desporto. E isso viu-se no desfile, onde Oliveira Baptista mostrou como se divertiu com vestidos que também são corta-ventos, polos de ombros imponentes e sapatos de vela com salto alto. Na passerelle, tal como nas ruas, misturar é a palavra de ordem.

O Observador viajou para Paris a convite da Lacoste.