Entrar no mundo do Bayern é qualquer coisa que nos remete para um outro nível: a forma como são preparados os treinos, a calendarização que permite que exista sempre alguém a falar à comunicação social, a organização do recinto e da própria zona da comunicação social. Quando idealizamos um clube profissional, aquele é um modelo a seguir. Mas há sempre pequenos pedaços de barro nos pés de um gigante. Como havia há dez anos: na altura, as dúvidas entroncavam na forma como Felix Magath, um técnico conhecido pela educação militar, juntava egos como Makaay, Kahn, Salihamidzic ou Pizarro em torno do bem comum. Que não juntou: saiu mesmo em fevereiro, sendo substituído por Ottmar Hitzfeld.

De 2007 para cá, apenas por duas vezes os bávaros trocaram de treinador a meio da temporada. Ou, para sermos mais precisos, quase no fim: a um mês do epílogo da época, Jupp Heynckes entrou para o lugar de Jürgen Klinsmann em 2009 e Andries Jonker ficou como interino após a saída de Louis van Gaal, em 2011. Agora, o caso é diferente: Carlo Ancelotti acaba de ser despedido em setembro. E porque nos lembrámos de 2007? Porque no plantel estava Mats Hummels.

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Com Boateng de fora, o alemão ficou de fora das opções iniciais em Paris, onde o Bayern foi atropelado pelo PSG por 3-0 (golos de Dani Alves, Cavani e Neymar). Jogaram Süle e Javi Martínez. E a coisa correu muito mal. Também por isso, não foi surpreendente que Hummels surgisse na lista de cinco jogadores que “empurraram” o técnico italiano para fora do clube, a par de Ribery, Robben, Müller e Boateng. Ao Bild, o mesmo jornal que tornou pública a lista, o central desmentiu. “Nunca tive nenhuma conversa com ninguém nem disse que estava insatisfeito por não ter jogado em Paris. Não sei de onde veio essa informação. E a despedida de Ancelotti no balneário foi muito emocionada”, assegurou. Questão: Uli Hoeness, o presidente, assumiu que cinco jogadores tinham “feito a cama” ao treinador. E apontam-se baterias para outros dois elementos: Lewandowski e Coman.

Agora que se zangaram as comadres, sabem-se as verdades. E as verdades apontam para um cenário de completa guerra interna não só entre jogadores e treinador mas também entre alguns atletas, de forma indireta.

De acordo com a Kicker, muitos jogadores decidiram ir treinar às escondidas por estarem descontentes com os métodos do transalpino e do seu preparador físico, Giovanni Mauri. O tema já tinha sido levantado na temporada transata – e o Bayern ganhou o Campeonato e a Supertaça, ficando pelas meias-finais da Taça e pelos quartos da Liga dos Campeões – até pelos entretanto reformados Lahm e Xabi Alonso, e motivou uma conversa entre Neuer, Boateng e Müller com o diretor geral dos bávaros, Karl-Heinz Rummenigge.

A questão terá sido exposta a Carlo Ancelotti, de forma “diplomática”, mas o italiano, conhecido também por ser um “diplomata” nos balneários onde passou (e estamos a falar de alguém que ganhou tudo o que havia para ganhar em passagens por clubes como AC Milan, Chelsea, PSG, Real Madrid ou Bayern nos últimos 15 anos), recusou por completo alterar os métodos que utilizava, considerando serem os mais adequados para alcançar os objetivos propostos. E o que aconteceu? Às escondidas de todos, um grupo de jogadores passou a trabalhar sozinho após o treino, algo que tinha sido proibido expressamente pelo italiano.

Arjen Robben, conhecido como “jogador de cristal” por ser tão propício a jogadas de génio como a lesões, terá dito mesmo, segundo a mesma publicação, que os treinos do seu filho, Luka, de apenas nove anos, eram mais intensos dos que tinha com Ancelotti, naquela que foi a rajada mais forte das críticas. Mas houve mais: o facto de estar muitas vezes a fumar e as conversas que ia mantendo de forma privada com Thiago Alcântara e James Rodríguez, que chegou este Verão por cedência do Real Madrid, foram outros pontos que causaram desagrado aos “senadores” do plantel.

“Agora não ajuda nada dizer que Ancelotti fez as coisas mal, a responsabilidade é nossa”, salientou Thomas Müller no final de mais um empate dos bávaros, desta feita diante o Hertha Berlim. No segundo lugar do grupo da Liga dos Campeões com os mesmos pontos do Celtic e atrás do PSG, e com cinco pontos de atraso em relação ao B. Dortmund no Campeonato, algo vai mal no reino do Bayern. E como uma desgraça nunca vem só, Franck Ribery, uma das unidades mais importantes do plantel agora dirigido por Willy Sagnol, contraiu uma lesão nos ligamentos do joelho que irá afastá-lo durante alguns meses.

“Já não somos a equipa mais forte da Alemanha”, resumiu Hasan Salihamidzic, o ex-jogador que integrou aquele plantel de 2007 com que começámos o texto e que ocupa hoje o cargo de diretor desportivo do clube. E é por isso que a escolha do novo treinador (os nomes mais falados são Julian Nagelsmann, do Hoffenheim; Jürgen Klopp, do Liverpool; e Thomas Tuchel, ex-B. Dortmund agora sem clube) está a ser tão ponderada. Porque quando idealizamos um clube profissional, o Bayern pode ser um exemplo a seguir mas é sempre preciso haver alguém capaz de juntar todos os pequenos pedaços deste gigante cheio de egos para evitar que tenha pés de barro.