O antigo ministro António Bagão Félix considera que a redução do IVA na restauração foi um “disparate”, sem vantagens para os consumidores, e defende que a descida do imposto deveria ter-se aplicado à eletricidade e ao gás.

Em entrevista à Lusa em antecipação do Orçamento do Estado para 2018 (OE2018), que será apresentado pelo Governo na Assembleia da República na sexta-feira, o antigo governante começou por dizer que, em seu entender, não há condições para diminuir a taxa do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) dos atuais 23% (taxa normal), tendo depois avançado a sua posição sobre a redução do imposto aplicada ao setor da restauração em 2016.

“Acho que foi um disparate ter diminuído o IVA sobre a restauração de 23% para 13%. Os consumidores não ganharam nada com isso. O preço dos restaurantes não diminuiu, da restauração não diminuiu, às vezes até aumentou”, afirmou Bagão Félix.

O antigo titular das pastas das Finanças e do Trabalho refutou o argumento avançado pelos empresários da restauração de aumento do emprego no setor devido a esta alteração: “Dir-me-á: ‘mas também aumentou o emprego na área da restauração’. É verdade, mas não aumentou por isso. Aumentou porque há mais turismo, porque há mais rendimento disponível nas famílias, não necessariamente pela diminuição do IVA”, e propôs “uma troca”.

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“Em vez de diminuir o IVA sobre a restauração, que é um bem de consumo que não completamente obrigatório, o que deveria ter diminuído era o IVA sobre a eletricidade e o gás, de 23% para 13%”, sustentou o economista, referindo que a eletricidade é um “bem obrigatório” e que a descida beneficiaria “alargadamente a população portuguesa e a indústria”.

“O Estado está outra vez a inchar”, avisa Bagão Félix

O antigo ministro Bagão Félix afirmou, a propósito do descongelamento das progressões na carreira dos funcionários públicos e da integração de precários no Estado, que “no meio de muita competência que é premiada, há muita incompetência que apanha boleia”.

Em entrevista à Lusa antes da entrega no parlamento, na sexta-feira, da proposta de Orçamento do Estado para 2018 (OE2018), Bagão Félix disse que “o Estado está novamente a inchar”, a “ganhar volume”, apesar de estar “descapitalizado” em termos de qualificações.

O responsável pela pasta da Segurança Social e do Trabalho no governo de Durão Barroso considerou que a “verdadeira revolução” que deve ser feita na Administração Pública é “investir, dar condições de carreira a pessoas que tenham formação, aumentar a qualificação, aumentar descongelamento de carreiras não tanto para favorecer antiguidades, mas para favorecer capacidades”.

O economista afirmou que “no meio de muita competência que é premiada, há muita incompetência que apanha a boleia” e admitiu que tal possa acontecer no descongelamento das progressões na carreira dos funcionários públicos e na integração de trabalhadores precários do Estado.

Apesar de reconhecer que o processo de integração de trabalhadores precários “tem o seu lado certo de justiça”, Bagão Félix afirma que o mesmo tem de ser visto com “muito cuidado”, pois não é o principal problema.

“O Estado precisa, de facto, de reforçar o seu quadro de pessoal, mas sobretudo a nível técnico e a nível dirigente, mas com pessoas não de carreira oportunística ou arrivista”, disse.

Bagão Félix, que também foi ministro das Finanças de um governo PSD/CDS-PP entre 2004 e 2005, afirmou que as saídas de funcionários do Estado serviram para construir “satélites”: “Há autoridades para tudo e mais alguma coisa. Essas autoridades são uma maneira de fugir ao estatuto a que os funcionários públicos da Administração Central e autárquica estão sujeitos. Isso é batota, na minha opinião”, declarou.

Sobre o regresso às 35 horas de trabalho, o economista considera que o Governo “cometeu um erro” ao reduzir o horário dos funcionários com contrato de trabalho em funções públicas e apontou três razões.

“Primeiro, porque a medida mais difícil já tinha sido tomada e por outros [a redução das 40 para as 35 horas de trabalho]. Segundo, porque algumas destas pessoas, não todas, que vão entrar ou que entraram na administração do Estado resultam de cada uma pessoa trabalhar menos; para ter a mesma produtividade do trabalho, terá que haver um aumento do volume da Administração Pública, ou seja, mais despesa pública. Em terceiro lugar, porque gerou essa desigualdade entre funcionários do Estado e privados ou fora do Estado”, sustentou.

O antigo governante defendeu também que, a prazo, o Governo deve aumentar as verbas destinadas à saúde e reduzir as da educação, porque em Portugal é cada vez menor o número de nascimentos e maior a esperança média de vida.

“Há um setor em que, em meu entender, devia haver poupança e que tem a ver com a demografia, nascermos menos e vivermos mais tempo. O curioso é que o Estado e os seus representantes só nos falam da demografia por causa das pensões”, afirmou, questionando: então e o outro lado?

“Nasce-se muito menos. Agora estão a nascer 80 mil bebés por ano, quando eu era criança nasciam 220 mil bebés por ano, há 30 anos nasciam 160 mil bebés por ano e depois eles vão ser futuros estudantes nas escolas. Então e as escolas cada vez têm mais professores e pessoal?”, questionou.

Para o antigo ministro, o setor da saúde vai ter mais despesas, enquanto a educação, “por razões infelizes, que é nascerem menos pessoas em Portugal, vai ter menos despesas”, acrescentando que “no ensino básico e secundário há cada vez menos alunos e isso tem que ter alguma consequência”.

“Nós não podemos dizer ‘mais pensionistas porque se vive mais tempo, não há dinheiro; menos estudantes porque se nasce menos, precisamos de mais dinheiro’. Há aqui um contrassenso”, declarou, considerando que “o problema da educação é um problema de defesa de interesses corporativos”.

Bagão Félix defende reforma fiscal por sistema estar “cheio de incoerências”

O antigo ministro das Finanças António Bagão Félix afirmou, em entrevista à Lusa, que o sistema fiscal português “está cheio de incoerências e buracos” e defendeu a necessidade de concretizar uma reforma fiscal.

“O sistema fiscal português está cheio de incoerências, está cheio de buracos, é uma espécie de pedra pomes, pouca densidade e muitos buracos, e exige uma espécie de armistício fiscal”, disse o antigo governante à Lusa, a menos de uma semana da entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) no parlamento.

Bagão Félix, que defende a necessidade de serem feitas “reformas de fundo”, afirmou que o OE2018 “será, aparentemente, um orçamento sem qualquer expressão mais forte, mais impressiva, de verdadeiras reformas de fundo”, o que disse ser uma preocupação.

“As reformas de fundo podem ser feitas em qualquer altura, mas devem sobretudo ser feitas em momentos de bonomia, de bonança conjuntural que permita alguma folga, alguma almofada” para concretizá-las, argumentou o economista, que defende a concretização de uma reforma fiscal, ainda que esta “demore uns anos”.

No que respeita ao IRC (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), Bagão Félix afirmou que deve ser dada “estabilidade e previsibilidade” aos agentes económicos que querem investir.

“O pior que se pode fazer no sistema fiscal é reduzir a sua previsibilidade, […] o sistema fiscal tem que ser previsível a prazo, para as pessoas e as empresas planearem, não pode estar todos os anos a mudar. Este ziguezague fiscal […] é bastante perigoso a prazo”, afirmou.

Quanto ao IRS (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), o antigo ministro das Finanças de um governo PSD/CDS-PP entre 2004 e 2005 considerou que a alteração de escalões “será bem-vinda”, mas deixou um alerta: estar a “fazer uma manobra de diversão – entre aspas -, populista, demagógica, só para dizer que se ajuda os que têm menos rendimentos e não se beneficia os que têm mais rendimentos, é errática, é errada”.

A este propósito, criticou a forma como o Governo anunciou alterações no IRS, considerando ter sido “pouco sério do ponto de vista político”.

“O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares veio dizer isso alcançaria cerca de 3,5 ou 3,6 milhões de pessoas, de agregados. Bem, eram muito mais do que aquelas que pagam IRS. Depois retificou-se para um milhão e seiscentas mil. Não deixa de ser curioso: é o ovo antes da galinha, ou seja, […] na altura, quando isto foi anunciado, ainda não se sabia que medidas, em que termos, com que velocidade elas seriam tomadas, mas já se sabia o resultado das famílias que seriam beneficiadas. Como é que isso é possível?”, afirmou.

“Isto é pouco sério do ponto de vista político. É pouco sério e, de facto, dá a ideia — e esse é o meu medo — que o Orçamento para 2018, espero que não, possa ter uma componente muito simpática, muito popular. Se fosse feita à direita, seria populista, mas como é feita à esquerda é progressista e eu isso não concordo”, acrescentou o economista.

Já quanto aos outros impostos, Bagão Félix disse esperar “que não aconteça aquilo que é muito habitual, que é [o Governo] reduzir uma coisa e depois vai buscar a outro sítio”.

Em 2017, “foi buscar à gasolina e ao imposto sobre o combustível e a taxas”, exemplificou, acrescentando que o conjunto de taxas previstas no Orçamento do Estado em 2017 é de cerca de 2.400 milhões de euros. “No fundo, estamos a falar do quarto maior imposto, a par do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos. Isto é: IVA, IRS, ICR e depois taxas e Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos”, detalhou.