“Sim, gostaria que os meus vestidos e desenhos fossem estudados durante 100 anos”. Foi o próprio Yves Saint Laurent que o disse em 1992 e, 25 anos depois, Paris recebe o primeiro grande museu exclusivamente dedicado a um designer de moda do século XX. O Museu Yves Saint Laurent inaugurou nesta terça-feira, dia 3 de outubro, com uma exposição retrospetiva que leva os visitantes a mergulhar naquela que foi a face mais privada do trabalho do criador: a alta costura.

Longe do mediatismo dos seus desfiles de prêt-à-porter, a experiência começa logo no próprio edifício. Ali, no número 5 da Avenue Marceau, Saint Laurent trabalhou durante 28 anos. Começou por criar em nome próprio, há já 13 anos. Depois, em 1974, montou atelier num hôtel particulier, um autêntico paraíso à porta fechada que o designer partilhava com seis colaboradores diretos e cerca de 200 alfaiates e costureiras. Se no seu estúdio (que pode agora ser visitado) permanecia recolhido, nos salões recebia as clientes mais exclusivas. Agora, é aí que os visitantes se preparam para percorrer o museu. Através de fotografias e vídeo, é contada a história do rapaz que nasceu e cresceu em Orã, na Argélia, que aos 21 anos substituiu Christian Dior na direção artística da maison homónima, que ficou para sempre marcado pelo serviço militar e que, em 1962, lançou a sua própria marca.

Yves Saint Laurent, em 1986, no estúdio que hoje permanece quase intacto, incluindo a secretária © DR

As silhuetas mais emblemáticas espreitam na sala que se segue. Como todos os grandes génios da moda, Saint Laurent acrescentou novas dimensões ao vestuário. E se o senhor Dior foi essencial no regresso da mulher à sua natureza mais feminina, a jovem promessa da moda parisiense caminhou no sentido inverso. Saint Laurent trouxe muitos dos códigos do vestuário masculino e usou-os para dar às mulheres confiança, ousadia e poder. O guarda-roupa feminino nunca mais foi o mesmo. Rapidamente, peças como o smoking, o casaco de safari, o macacão e o trench coat, todas elas expostas no museu, assumiram dimensões sociais e políticas, numa altura em que os movimentos feministas saíam à rua pela igualdade de direitos.

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Os ateliers de Yves Saint Laurent ficaram na Avenue Marceau até 2002, altura em que o criador se retirou do mundo da moda, encerrando assim a casa de alta-costura. Hoje, além do novo museu, que ocupa uma área de 450 metros quadrados, o edifício é também a sede da Fundação Pierre Bergé – Yves Saint Laurent. Criada em 2004, é a responsável pelos arquivos da maison, um espólio com 5.000 peças de vestuário, 15 mil acessórios e dezenas de milhares de desenhos e fotografias. A primeira retrospetiva pode ser visitada durante um ano, embora as exigências de conservação de muitas peças exijam que fiquem expostas apenas durante seis meses.

A designer Nathalie Crinière e o decorador Jacques Grange trabalharam para recriar o ambiente dos antigos ateliers de Saint Laurent. Numa das salas, a fundação propõe-se a expor uma coleção completa por ano. Para a abertura, foi escolhida a primeira coleção da Yves Saint Laurent, primavera-verão de 1962. Além dos coordenados dispostos num pódio, a galeria tem ainda lugar para desenhos, mood boards, fotografias, fichas de atelier e revistas.

Um dos tesouros mais raros do novo museu: a paleta de cores da primeira coleção da Yves Saint Laurent, em 1962 © Jean-François Chavanne

A exposição continua. As artes dos bordados e de trabalhar peles e plumas sempre foram imprescindíveis à alta costura, por isso uma das salas é dedicada às técnicas mais específicas e aos seus artesãos. Numa outra galeria, percorre-se o exotismo que sempre pairou sobre as coleções de Saint Laurent, ele próprio um ávido colecionador de objetos vindos de longe. África, Rússia, Espanha, China e Índia foram algumas das paragens ao longo de 40 anos de criação e chegam ao museu na forma de silhuetas influenciadas por diferentes culturas.

The Eagle With Two Heads é o nome da sala dedicada à relação de Saint Laurent e Pierre Bergé. Através do vídeo, é contada a história de amor, a parceria nos negócios e o gosto em comum pela arte. Os dois conheceram-se em 1958 e, apesar da relação conturbada, permaneceram juntos até à morte do designer, em 2008. Pierre Bergé morreu no dia 8 de setembro de 2017, aos 86 anos.

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As referências históricas do criador e os depoimentos de quem trabalhou na maison têm lugar na exposição, que também leva os visitantes a entrar no estúdio do próprio Saint Laurent. O espaço contrasta com todas as outras salas de ar luxuoso. É luminoso, sossegado e neutro, com uma parede espelhada para que o designer pudesse olhar para as modelos durante as provas. Sobre a secretária, que manteve desde 1962, são visíveis objetos pessoais, desenhos, amostras de tecidos e de bordados e fotografias, um cenário que remete para o processo de desenhar uma coleção.

Dezenas de esquiços e joias foram reunidos numa outra sala, em jeito de gabinete de curiosidades, enquanto o vestido de noiva ocupa um lugar de destaque como um dos núcleos da exposição. Durante décadas, foi com ele que se fecharam os desfiles de alta-costura. Ao mesmo tempo que respeitou a tradição, Saint Laurent sempre soube reinventar esta peça. O percurso expositivo termina no The Mental Studio, com as influências que Saint Laurent sofreu durante toda a carreira na literatura, na arte e na filosofia. Nietzsche, Proust, Jean Cocteau, Wagner e Henri Matisse fazem parte da amostra. Durante o primeiro ano do museu, esta sala também vai explorar o diálogo do designer com as obras de Mondrian, Picasso e Van Gogh.

Um ícone intemporal: um vestido da coleção Mondrian (1965), exemplo da afinidade do criador com as artes plásticas © Divulgação

A primeira exposição temporária temática inaugura só em outubro do próximo ano. “L’Asie rêvée d’Yves Saint Laurent” vai explorar a relação do criador com o continente asiático e mostrar os momentos da sua carreira em que esse fascínio chegou à passerelle. Muito antes disso, a abertura do Museu Yves Saint Laurent Marrakech está anunciada ainda para este mês. A obra do Studio KO destaca-se na paisagem, na cidade que se tornou a segunda casa do designer. O museu estende-se por 4000 metros quadrados e, além das áreas dedicadas a exposições, permanente e temporárias, terá auditório, loja, restaurante e biblioteca. Em Paris, o museu abre de terça a domingo, das 11h às 18h, com um horário prolongado até às 21h, todas as sextas. A entrada custa 7 euros.

Até 7 de janeiro, “Christian Dior, couturier du rêve”, em Paris

Sem sair de Paris, a exposição de moda do ano. Para celebrar os 70 anos da Dior, o Museu das Artes Decorativas esmiuçou a história da maison e do seu fundador e o resultado é uma retrospetiva que ocupa quase 3000 m2, ao longo dos quais a moda é uma espécie de sonho que se sobrepõe à própria realidade.

O circuito expositivo é um crescendo. Começa com uma pesquisa biográfica exaustiva de Christian Dior, da infância em Granville, no norte de França, ao fascínio e, ao mesmo tempo, à polémica que a sua visão da silhueta feminina despertou, passando pelo esoterismo. Não tardam as peças de vestuário e os acessórios que saíram do arquivo às centenas. Do princípio ao fim, a exposição combina a informação rigorosa com a beleza da cenografia e do design expositivo. De sala para a sala, “Christian Dior, couturier du rêve” intercala momentos de penumbra quase total com banhos de luz branca.

Tailleur Bar, o “new look” de Christian Dior, apresentado ao mundo em 1947, marcou o século XX © Divulgação

Como não podia deixar de ser, os sucessores de Christian Dior têm um papel de peso na exposição. Uma viagem ilustrada com dezenas de coordenados e que começa com Yves Saint Laurent, passa por Marc Bohan, Gianfranco Ferré, John Galliano e Raf Simons, até chegar a Maria Grazia Chiuri, a atual diretora criativa da marca. Sessenta anos, seis designers, cada um deles um pequeno mundo à parte dentro da história da Dior. Sem nunca ter saído de Paris, a maison de alta-costura correu os quatro cantos do mundo. Um dos núcleos deixa isso bem claro, a começar pela primavera egípcia de Galliano, 2004, alvo de todas as atenções. O diálogo com as artes também merece um núcleo próprio, onde saltam à vista dois vestidos de Raf Simons, estampados à imagem e semelhança das telas de Sterling Ruby.

A exposição, que inaugurou em julho, percorre os bastidores da casa, como se os visitantes pudessem ver um bocadinho do que se esconde atrás das paredes da Avenue Montaigne. Não termina sem uma dose de passadeira vermelha. Da Duquesa de Windsor à Charlize Theron, a relação da Dior com as celebridades continua, pretexto para terminar a exposição em grande, numa galeria colossal onde as luzes diminuem e tudo se cobre de estrelas.

Até 18 de fevereiro, “Balenciaga: Shaping Fashion”, em Londres

No Victoria and Albert Museum, em Londres, o nome em destaque é outro. Cristóbal Balenciaga, o basco que fundou a sua maison em Paris, é consensualmente chamado de mestre dos volumes, um pressuposto que atravessa toda a exposição. Bem mais pequeno do que os casos anteriores, o percurso expositivo concentra no primeiro piso a evolução do trabalho de Balenciaga. As cores fortes, as silhuetas arquiteturais, entre elas a famosa “ânfora”, as influências de trajes espanhóis e eclesiásticos, a utilização de rendas e o corte de quimono.

Paris, 1954. Uma modelo exibe um casaco Balenciaga, numa apresentação exclusiva para clientes © Mark Shaw

Mas Balenciaga também deixou as suas peças icónicas: o vestido baby doll, apresentado pela primeira vez em 1958, o sack dress, polémico deste o primeiro dia em que foi apresentado, no fim dos anos 50, e o célebre one-seam coat. “Uma mulher não tem de ser perfeita nem bonita para usar os meus vestidos. O vestido é que faz tudo isso por ela.” A frase de Balenciaga marcou uma posição no mundo da moda. Enquanto uns não compreendiam (o Daily Mirror escreveu, em 1857, “é difícil estar sexy num saco”), outros acompanharam o trabalho do costureiro a par e passo. A casa viveu o seu auge durante os anos 50 e 60, altura em que, após os desfiles, os moldes eram vendidos a peso de ouro para que as peças pudessem ser replicadas em locais como o Harrods e o Bloomingdale’s.

O andar de cima é dedicado ao legado de Balenciaga, não na forma das peças que deixou, mas na influência que teve e tem na criação de dezenas de designers de moda. Gareth Pugh, Molly Goddard e Josep Font, diretor criativo da Delpozo, protagonizam três vídeos em torno das formas e volumes. De Céline a Comme des Garçons, os códigos de Balenciaga permanecem até hoje.