Não é de hoje que tem milhares de seguidores nas redes sociais, onde em múltiplos perfis vão sendo publicadas fotografias suas, invariavelmente de biquíni ou com roupas coleantes, sempre de óculos escuros — “gata”, “linda”, “deusa”, “maravilhosa”, “ámen”, dizem os fãs. Ainda assim, Danúbia de Souza Rangel só saltou para as primeiras páginas dos jornais brasileiros muito recentemente, depois de em meados de setembro ter estalado um dos piores confrontos de que a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, tem memória.

De um lado estava o grupo de Rogério Avelino da Silva, “Rogério 157”, o atual chefe do tráfico na favela. Do outro, os homens leais a Antônio Francisco Bonfim Lopes, o “Nem da Rocinha”, preso desde 2011, antigo homem forte do crime no morro e então comandante da fação Amigos dos Amigos (A.D.A.). Danúbia Rangel, autoproclamada “Xerifa da Rocinha”, a “Dona do Bairro” para outros, estava no meio.

#paznaRocinha

Posted by Dada Rangel on Friday, September 22, 2017

Com a detenção do marido, Nem, com quem casou em 2006 e teve uma filha, hoje com 7 anos, Danúbia ficou encarregada de manter a ordem e o crime no morro. Problema: Rogério 157, outrora amigo de Nem e que tinha até sido em tempos guarda-costas da primeira-dama da Rocinha, achou que tinha chegado o seu momento. E em 2016 expulsou-a da favela.

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A investida dos homens leais a Nem, comandada por Danúbia, na tentativa de recuperar o poder, provocou pelo menos 4 mortos e deixou a favela em literal estado de sítio, com os homens do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) a ocuparem todo o morro. E levou à detenção da Xerifa, que está desde terça-feira numa cela do Complexo Penitenciário de Bangu a comer uns muito pouco glamorosos “arroz, macarrão, feijão, farinha, salada, carne vermelha ou carne branca”, apressaram-se a noticiar os jornais brasileiros.

“Quem nasceu pra rainha nunca perde a majestade”

Não é a primeira vez que Danúbia, de apenas 33 anos, é presa. Em 2011, na estreia, foi detida por “associação para o tráfico de drogas” — mas libertada logo a seguir. A segunda foi já depois de Nem, que lhe proporcionava uma vida de luxo com direito a joias, roupas de marca e passeios de helicóptero, ser também ele encarcerado, numa prisão em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Posted by Marly Schall Amorim on Tuesday, October 10, 2017

Para não ficar longe do marido, a quem fazia juras de amor no Facebook — “Pensando em VC!” postou em 2013, a legendar uma foto de costas, na discoteca onde estava “curtindo a night” — mudou-se também para Campo Grande, onde abriu um salão de beleza — mas não consta que lá tenha trabalhado.

Foi nessa cidade que, em março de 2014, foi detida: tinha na sua posse 10 telemóveis e três tablets, através dos quais, garantiu a acusação, tratava de receber e distribuir as ordens ditadas por Nem desde a cadeia.

Apesar da gravidade dos crimes, conseguiu ficar em prisão domiciliária: tinha uma filha pequena cujo pai estava também na cadeia, explicaram os seus advogados. Terão sido tantas as fotografias que postou nas redes sociais, em festas na favela ou a “malhar” no ginásio”, que 20 dias depois estava a cumprir pena efetiva. Esteve presa 1 ano e 4 meses, saiu no início de 2016, logo a seguir foi condenada a 28 anos de prisão por tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção — andava a monte desde então.

Apesar do mandato de captura, a “Xerifa da Rocinha”, que em 2012 viu morrer a primeira filha, Beatriz, então com 13 anos, com tuberculose, nem por isso andava escondida. Ou deprimida. Nas redes sociais, pelo menos, publicava frequentemente fotografias, em festas ou praias. Dois exemplos de legendas associadas: “Quem nasceu pra rainha nunca perde a majestade” e “Foragida sim, de boa também”.

Posted by Dada Rangel on Tuesday, June 21, 2016

Beatriz era filha de Danúbia Rangel com o primeiro marido, Luiz Fernando da Silva, nome de guerra “Mandioca”, chefe do tráfico de droga do Complexo da Maré, outra favela do Rio de Janeiro.

Danúbia tinha apenas 16 anos quando foi mãe — e 19 quando ficou viúva. Pela primeira vez: depois de Mandioca morrer, às mãos da polícia, a loura casou com Marcélio de Souza Andrade, o homem que lhe sucedeu no controlo do crime na favela. Lamentavelmente, Marcélio não tinha alcunha conhecida — nem viveu tempo suficiente para a arranjar. Em 2005 morreu também e garantiu um petit nom pelo menos para a mulher, de apenas 21 anos: “Viúva Negra” foi como Danúbia foi conhecida até casar com o líder da Rocinha.

Quando foi detida, na passada terça-feira na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, a Xerifa não estava de saltos nem com sofisticadas roupas justas, mas de chinelos e calções de trazer por casa. O cabelo também não estava louro, como de costume, mas castanho, à laia de camuflagem. Em vez de olhar de forma sobranceira para as câmaras, como sempre fez, Danúbia de Souza Rangel manteve-se cabisbaixa. E chorou.