A guerra com drones, Donald Trump, a Guerra Colonial, mas também críticas à justiça que “estes dias anda pelas ruas da amargura”. E avisos aos amigos socialistas que, este sábado, mostraram “publicamente a amizade” que têm por si. De tudo isto falou José Sócrates este sábado, no Porto, na apresentação do seu terceiro livro. “Não tenho a certeza se não entraste agora numa lista muito seleta daqueles que são suspeitos de terem escrito o livro de Sócrates“, disse ao deputado Pedro Bacelar Vasconcelos, que aceitou apresentar a obra.

“Porque, para muitos, se há um livro de Sócrates alguém escreveu por ele”, disse o ex-primeiro-ministro, que soube esta semana que é acusado de 31 crimes na Operação Marquês. Na sala do Hotel Crowne Plaza, com capacidade para cerca de 400 pessoas, estavam poucos rostos conhecidos do Partido Socialista. Na fila da frente sentaram-se Fernando Gomes, ex-ministro e ex-presidente da Câmara do Porto, António Campos, um dos fundadores do PS, e os deputados Renato Sampaio e Isabel Santos.

Mais discreto, na última fila estava Nuno Barreto, que foi exonerado do cargo de adjunto do secretário de Estado das Comunidades, após a notícia do Observador sobre a viagem paga à China pela Huawei. “Sei porque estão aqui e quero que saibam que é importante para mim“, disse Sócrates, com a voz embargada.

Depois, deixou um aviso a todos: “Devem preparar-se para responderem a jornalistas sobre o vosso nível de vida“, numa referência à penúltima questão que teve de responder na sexta-feira, na RTP, na única entrevista que concedeu desde que o Ministério Público proferiu a acusação. A frase valeu-lhe o aplauso mais ruidoso da audiência. Na entrevista a Vítor Gonçalves, Sócrates respondeu a várias das suspeitas que constam das mais de quatro mil páginas da acusação como sendo “falsidades”. O antigo líder socialista insurgiu-se quando foi questionado sobre os seus meios de subsistência atuais, e se ainda vive com empréstimos do amigo Carlos Santos Silva, que a Justiça alega ser o seu testa de ferro.

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Foram pouco os rostos conhecidos do PS na apresentação do novo livro de Sócrates. Ricardo Castelo / Observador

O ex-primeiro-ministro voltou a escolher o mês de outubro, próximo do Natal, para apresentar o seu terceiro livro, O Mal que Deploramos (Sextante) — que publica após A Confiança no Mundo (Verbo, outubro de 2013) e O Dom Profano (Sextante, outubro de 2016). Pela primeira vez, fá-lo no Porto. O evento foi agendado antes de a acusação do Ministério Público ter sido deduzida, no mesmo hotel que serviu, há duas semanas, de sede eleitoral para Álvaro Almeida, candidato do PSD à Câmara do Porto. À entrada na sala, Sócrates foi recebido com aplausos, depois cânticos de “Sócrates, Sócrates”, que evoluíram, quando entrou na Sala Guimarães do hotel para “Sócrates, amigo, o povo está contigo“.

Não falou aos jornalistas antes da apresentação, respondendo apenas afirmativamente sobre se estava à espera de ser recebido por socialistas. No final, diria que tem pela frente “uma batalha” para defender o Governo que liderou e as suas políticas, como o TGV ou a não venda da Portugal Telecom. Um ataque político “da direita”, afirmou. O PS, no entanto, não parece ver o processo dessa maneira, tendo em conta a ausência de figuras de peso esta tarde, no Porto.

No fim da apresentação voltou a atacar o Ministério Público, em declarações aos jornalistas, classificando as acusações como “um lamaçal de vitupérios”, mostrando-se convencido de que essa “coletânea de insultos” não vai perdurar: “Como se pode classificar uma coletânea de insultos daquela? Talvez desta forma como já alguém dizer, como um lamaçal de vitupérios, mas ao MP não compete insultar as pessoas, compete, isso sim, apontar o dedo, mas fundamentar aquilo que tem para dizer, e infelizmente o MP não o faz”, afirmou Sócrates citado pela Lusa. Para o ex-primeiro-ministro, “se o MP pensa que esses insultos perduram, está enganado, está equivocado”, porque “a mentira não pode durar pela simples razão de que houve muita gente que assistiu a tudo, que participou e que sabe que as coisas não se passaram assim”.

Numa intervenção que durou uma hora, José Sócrates falou sobre política internacional, desde a luta pelos direitos civis na América dos anos 60 à queda das Torres Gémeas, que originou a Guerra ao Terror. A certa altura, falou dos suspeitos de terrorismo, alguns deles “só porque têm amigos errados… O que faz lembrar outros procedimentos“, ironizou. Mais tarde, diria que “a justiça estes dias anda pelas ruas da amargura“.

A sala encheu para assistir à apresentação e foram muitos os que, no final, fizeram fila para um autógrafo. © Ricardo Castelo / Observador

Foram poucas as oportunidades que aproveitou para mandar recados sobre a situação que enfrenta na Justiça. Sobre as escutas abusivas feitas pela NSA, a Agência de Segurança Nacional norte-americana, sob a proteção da Guerra ao Terror, o ex-primeiro-ministro fez uma comparação às secretas portuguesas. “Agora também o SIS tem autorização para escutar as pessoas”, começou por dizer. “Foi com esta paranoia que se deu poder à NSA para escutar toda a gente no mundo. Isso foi denunciado por um herói chamado Snowden. Eles ouviram conversas de cidadãos e de líderes políticos de todo o mundo! E é tão fácil meter alguém sob escuta“, criticou. São várias as escutas a José Sócrates e a pessoas do seu círculo próximo que integram a acusação do Ministério Público.

Se o editor da Sextante, João Rodrigues, agradeceu “a confiança” que Sócrates depositou na chancela do grupo Porto Editora, para a publicação de um “livro importante”, já Pedro Bacelar Vasconcelos começou por dizer que apresentava o livro “com muito gosto”. Depois de se ter alongado sobre o tema da obra, que toca no problema da tortura como forma de conseguir informação, lamentou presos que não têm “oportunidades de defesa” nem conhecimento “das razões que motivaram uma tal decisão” de detenção, referiu o deputado, sem nunca se referir claramente ao caso de Sócrates.