A polícia queniana matou entre 33 e 50 pessoas e feriu outras centenas nalgumas partes de Nairobi, em resposta aos protestos ocorridos após as eleições de agosto, revela um relatório conjunto da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch.

O relatório “‘Matem esses criminosos’: Violações das Forças de Segurança nas eleições de agosto de 2017 no Quénia”, hoje divulgado, documenta o uso excessivo de força pela polícia e, em alguns casos, por outros agentes de segurança, contra manifestantes e moradores de alguns bastiões da oposição.

Os investigadores descobriram que, embora a polícia se comportasse adequadamente em alguns casos, em muitos outros matou ou espancou manifestantes até à morte.

Outras vítimas morreram por asfixia devido à inalação de gás lacrimogéneo e gás pimenta, ao serem atingidas por lâmpadas de gás disparadas de perto, ou esmagadas por multidões em fuga.

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Num clima político tenso, a oposição tem organizado manifestações sobretudo nas três principais cidades do Quénia – Nairobi, Mombaça e Kisumu – para protestar contra a Comissão Eleitoral (IEBC), encarregada de organizar a repetição das eleições, a 26 de outubro, após a anulação pelo Supremo Tribunal da reeleição do Presidente Uhuru Kenyatta, no passado dia 08 de agosto.

De acordo com o relatório hoje divulgado, a polícia esteve diretamente envolvida nas mortes de pelo menos 33 pessoas. Outras 17 foram presas e mortas, a maioria delas em Kawangware, mas os investigadores não conseguiram confirmar os casos.

“As autoridades quenianas devem assegurar urgentemente que todos os responsáveis pelo uso ilegal da força sejam responsabilizados e que a polícia cumpra as leis e normas internacionais sobre o uso da força durante o próximo período de repetição de eleições”, defende o documento.

Os investigadores da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch entrevistaram 151 vítimas, testemunhas, ativistas de direitos humanos, trabalhadores humanitários e policiais nas áreas de rendas reduzidas de Nairobi, conhecidas como fortalezas dos apoiantes da oposição.

Antes do voto, a polícia tinha designado muitas dessas áreas como “pontos quentes” para a violência potencial e promovido uma grande mobilização de forças, aumentando a tensão.

A investigação anterior da Human Rights Watch tinha documentado 12 assassinatos da polícia durante os protestos no oeste do Quénia. A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quénia, por seu lado, documentou 38 mortes, cinco das quais são complementares às 33 referidas no relatório de hoje.

Se a estes casos forem somados os das 17 pessoas alegadamente mortas pela polícia, o número de vítimas mortais em todo o país poderá chegar aos 67.

De acordo com o relatório, nos dias que se seguiram à votação, partidários da oposição saíram para as ruas em algumas zonas da capital para protestar contra irregularidades no escrutínio, em que o presidente em exercício, Uhuru Kenyatta, foi declarado vencedor.

Depois desta reeleição e dos protestos, o Supremo Tribunal anulou os resultados e ordenou uma nova eleição no prazo de 60 dias.

A votação está agora prevista para 26 de outubro, mas a retirada do candidato da oposição Raila Odinga, no passado em 10 de outubro, criou algumas incertezas.

Odinga retirou a sua candidatura justificando a decisão com a ausência de reformas na comissão eleitoral, mas aparentemente não formalizou essa retirada.

Segundo os autores do relatório, a polícia armada – a maioria da Unidade de Serviços Gerais (GSU) e da Polícia de Administração (AP) – realizou operações de intervenção nos bairros Mathare, Kibera, Babadogo, Dandora, Korogocho, Kariobangi e Kawangware, em Nairobi, entre 09 e 13 de agosto.

Defendem os investigadores que os agentes dispararam contra alguns manifestantes e também abriram fogo, aparentemente aleatoriamente, em direção à multidão.

Vítimas e testemunhas disseram aos peritos que, quando os manifestantes fugiram, a polícia os perseguiu, disparando e espancando muitos deles até à morte.

Num dos casos, uma menina de nove anos, Stephanie Moraa Nyarangi, foi morta a tiro quando estava de pé na varanda do apartamento da família. Noutra circunstância, Jeremiah Maranga, um segurança de 50 anos, foi brutalmente espancado pela polícia, que lhe deixou o corpo coberto de sangue. A vítima acabou por morrer.

Num outro incidente, Lilian Khavere, uma governanta que estava grávida de oito meses, foi atropelada por uma multidão que fugia e acabou por desmaiar devido à inalação de gás lacrimogéneo.

A polícia nesses bairros também tentou impedir que jornalistas e ativistas de direitos humanos denunciassem as violações, segundo descobriram as duas organizações.

Num dos casos, em Kibera, um agente esmagou a câmara de um jornalista estrangeiro quando este tentava fotografar a polícia a espancar um líder juvenil. A polícia também atacou um ativista local e esmagou-lhe a câmara quando este tentou filmar as autoridades em Mathare.

As duas organizações escreveram ao inspetor-geral da polícia detalhando o que descobriram e solicitaram uma reunião, mas não receberam resposta. Fizeram igualmente vários pedidos para entrevistar o porta-voz da polícia, mas todos foram recusados.

“As autoridades quenianas devem reconhecer publicamente as violações, conduzir investigações rápidas, imparciais, completas e transparentes e tomar as medidas necessárias para que os responsáveis sejam responsabilizados, num passo fundamental de justiça para com as vítimas”, afirmou Otsieno Namwaya, investigador da Africa Human Rights Watch.

“A polícia atacou partidários da oposição e tentou encobrir os ataques. As autoridades devem garantir que este tipo de uso arbitrário e abusivo da força pela polícia não se repita na repetição das eleições “, acrescentou.