Já se sabia que a conferência de imprensa antes do FC Porto-P. Ferreira teria um grande assunto: Iker Casillas. E que seria o tipo de conferência “diferente”, porque a vontade de saber (perguntas dos jornalistas) iria chocar de forma inevitável com a vontade de dizer (respostas de Sérgio Conceição). O treinador prepara-se bem para as aparições públicas e tem aquela personalidade forte de quem nunca deixa nada a meio. Por isso, foi interessante.

E houve três formas utilizadas para abordar a condição de suplente do espanhol (que se manteria esta noite).

Por um lado, a valorização da parte interna para quebrar com qualquer ideia de estatutos. “Quando me sento à frente do nosso presidente no estágio e vejo uma pessoa que tem 58 títulos, quase não tenho capacidade para olhar olhos nos olhos porque é o presidente mais titulado do mundo. A única grande referência que temos no nosso clube é o nosso presidente (…) Não podemos ver as coisas por aí [estatuto], se não chamo o Vítor Baía, que tem muitos mais títulos, para defender”, disse. Objetivo: mostrar a tudo e todos que, à exceção de Pinto da Costa, não há intocáveis no FC Porto e todos têm de trabalhar no máximo para poderem representar em campo a equipa.

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Por outro, as ‘farpas’ externas numa perspetiva de comparação com o rival Benfica. “Em termos daquilo que são os jogadores, o Júlio César tem 26 títulos (28), está no banco e ninguém puxou por isso. Estou a falar do Júlio César porque se está a falar do estatuto do Iker [Casillas]. O Iker tem trabalhado. Naquilo que é como pessoa no dia a dia não há nada a dizer. Tem um comportamento fantástico, dentro daquilo que quero (…) O José Sá tem a barba um bocadinho maior do que deveria ter, porque um guarda-redes sem barba normalmente é perdoado pelo erro que fez. O José Sá levou um frango, enquanto outro guarda-redes que não tem barba e tem umas borbulhas, coitadinho, é menino e tem 18 anos. É mais perdoado do que um guarda-redes que é português”. Objetivo: valorizar José Sá e”queixar-se” do tratamento distinto que haverá em relação a azuis e brancos e encarnados.

Por fim, o reforço do que é o trabalho, o compromisso e a dedicação à equipa. “A competitividade tem de estar numa primeira linha, pelo menos para mim enquanto líder. Se calhar outros levam em consideração o estatuto, os olhos, a cor, a pele, a altura, eu não. Problemas disciplinares? Se fosse isso, nem estava nos convocados. Não entendo o porquê deste alarido todo, não sei que máquina anda aqui a funcionar só por eu ter uma decisão sobre o dono da baliza do FC Porto (…) O FC Porto não é gerido de fora para dentro, é gerido aqui dentro e por mim. Para mim, pode chamar-se Manel, Zé ou António, o estatuto é igual a rendimento”. Objetivo: mostrar que, por mais que possam existir opiniões contrárias, é ele que manda. E vai continuar a mandar. Porque acredita no que faz.

Ficha de jogo

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FC Porto-P. Ferreira, 6-1

9.ª jornada da Primeira Liga

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Manuel Oliveira (AF Porto)

FC Porto: José Sá; Ricardo, Felipe, Marcano, Alex Telles; Danilo Pereira (André André, 70′), Herrera; Corona (Hernâni, 75′), Brahimi, Marega (Galeno, 80′) e Aboubakar

Suplentes não utilizados: Casillas, Maxi Pereira, Diego Reyes e Óliver Torres

Treinador: Sérgio Conceição

P. Ferreira: Mário Felgueiras; Chico, Rui Correia (Ricardo, 31′), Marco Baixinho, Miguel Vieira; André Leão, Vasco Rocha (Bruno Moreira, 54′), Pedrinho, Mateus (Hendrio, 69′); Welthon e Xavier

Suplentes não utilizados: Defendi, Mabil, Luiz Phellype e Gian

Treinador: Vasco Seabra

Golos: Ricardo (4′), Welthon (8′), Felipe (18′), Marega (25′ e 33′), Corona (65′) e Aboubakar (72′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Rui Correia (27′), Marco Baixinho (51′), Ricardo (56′), Felipe (62′) e Herrera (64′)

A goleada do FC Porto teve muito de inspiração individual. De Ricardo, de Brahimi, de Marega. Mas foi sobretudo a interpretação mais inspirada da ideia coletiva de jogo que Sérgio Conceição colocou na equipa. Recorrendo às palavras do técnico, não foi o Manel, o Zé ou o António. Mas podiam ter sido. Porque essa é a grande virtude deste novo conjunto azul e branco: independentemente de quem jogue, do estatuto que tenha ou das características que apresente, é uma peça que se junta a outras dez para fazer uma máquina funcionar. Hoje, no rescaldo da derrota em Leipzig com demasiado erros, funcionou de forma quase perfeita.

Houve um lapso, é certo. Ricardo, numa jogada pela direita com Brahimi onde ficou bem demonstrado a capacidade ofensiva dos dragões, inaugurou o marcador logo aos 4′, Marega por pouco não aumentou no seguimento de um lançamento lateral pouco depois (7′, defesa de Mário Felgueiras para canto). Mas, aos 8′, Welthon, um avançado com demasiada qualidade para o P. Ferreira e a merecer há muito tempo o salto para outro patamar, puxou o pé esquerdo atrás e enviou um míssil teleguiado sem hipóteses para o estreante no Dragão, José Sá.

E dizemos que merece outro patamar não por ser o P. Ferreira, mas por ser sobretudo este P. Ferreira: uma equipa que tem princípios do meio-campo para a frente (embora muitas vezes tenham ficado pela teoria, mas eles estão lá) mas que teve uma noite desastrosa na defesa e nas transições, abrindo buracos por tudo o que era sítio. O FC Porto fez uma exibição empolgante para golear, mas os pacenses colocaram-se muito a jeito para isso.

Exemplo paradigmático disso mesmo foi o segundo golo: na sequência de um canto cortado pela defesa do P. Ferreira, a bola sobrou para Ricardo que conseguiu colocar em profundidade para o central Felipe no corredor central, quando toda a linha estava a subir mas deixou o central em linha para o golo aos 18′ (mais tarde, após outro canto, dez jogadores na área além do guarda-redes permitiu que Marcano cabeceasse sozinho…).

Estava ainda para chegar o espetáculo Marega, aquele avançado por quem ninguém dava muito no início da época e que estava ali apenas para ser suplente de Aboubakar e Soares mas que já leva sete golos na Liga (tantos como o camaronês): primeiro finalizou da melhor forma uma jogada pelo corredor central com Brahimi e Aboubakar onde surgiu isolado na cara de Mário Felgueiras (25′); depois, respondeu da melhor forma a um cruzamento de Ricardo da direita ao segundo poste, encostando para o 4-1 com que se atingiria o intervalo (33′).

Não se esperava muito mais do jogo, mas quando Xavier tentava seguir isolado para a área do FC Porto e foi Marega a fazer um pique para cortar a bola, estava tudo dito. Parecia mesmo que os dragões jogavam com mais do que 11 e os pacenses com (bem) menos do que 11. E entre muitas oportunidades que ficaram por concretizar, ainda houve um golo anulado (a Felipe, aos 55′, por fora-de-jogo posicional de Aboubakar) e dois validados, de Corona (65′, após nova jogada iniciada por Brahimi e com assistência de Aboubakar) e de Aboubakar (72′, num lance onde a defesa pacense não conseguiu aliviar a bola e Corona cruzou rasteiro para o toque final ao segundo poste).

André André e Hernâni tiveram minutos de jogo, Galeno fez a estreia no Dragão e para a Liga, mas o encontro que nunca teve muita história tinha mesmo registado o último capítulo. A verdade é que se passaram quatro dias a falar sobre quem seria o titular na baliza dos azuis e brancos quando a partida seria praticamente toda jogada no meio-campo contrário. Aliás, além do golo sofrido, houve uma defesa complicada aos 37′ e uma fácil quase no final para José Sá. Que podia ser Casillas. Ou Vaná. Sérgio Conceição consegue, sobretudo nas provas internas, colocar uma equipa que potencia a individualidade tendo como base um coletivo forte. Hoje, essa ideia de jogo teve o seu expoente máximo, com um resultado volumoso na Liga. Mais um, o quinto no Dragão.