O fim da isenção do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) para o carvão usado na produção de eletricidade é uma das medidas previstas na proposta de Orçamento do Estado para 2018 que pode afetar a competitividade da indústria portuguesa, sem trazer os benefícios ambientais pretendidos. O aviso foi deixado pelo fiscalista Manuel Teixeira Fernandes num debate sobre a proposta orçamental para o próximo ano, promovido pelo escritório Rogério Fernandes Ferreira e Associados esta quarta-feira.

Teixeira Fernandes começou por qualificar o alargamento do ISP a combustíveis usados na geração de energia como um “imposto politicamente correto”, mas que pode vir a revelar-se um “tiro no pé”.

Isto porque se pretende penalizar a geração elétrica que vem de combustíveis fósseis, em particular do carvão cujas centrais são, em termos unitários, as maiores emissoras de dióxido de carbono, CO2. No entanto, acrescenta, Espanha não parece ter a menor intenção de avançar com uma iniciativa semelhante pelo que a produção a carvão portuguesa perderá competitividade face à espanhola que até pode aumentar. Como não podemos fechar à chave a fronteira, o “ar conspurcado” resultante das emissões das centrais espanholas vai chegar a Portugal. “Ficamos com os prejuízos (ambientais) e retira-se competitividade à nossa indústria”.

Para além da questão da competitividade, este imposto surge em contramão face a medidas políticas para cortar os custos do sistema elétrico. Num ano de seca, em que a produção de eletricidade a partir do carvão representa cerca de um terço do consumo nacional, a medida do Governo pode ter um impacto negativo nos preços, ainda que metade da receita seja canalizada para abater ao défice tarifário.

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Reforma do imposto petrolífero “não nos deixa otimistas”

O fim gradual da isenção do ISP no carvão e cogeração para grandes produtores de eletricidade — até 2022 — pode ser primeiro passo numa reforma da fiscalidade sobre os combustíveis que António Costa sinalizou que pretende promover este ano. A proposta de Orçamento do Estado não apresenta mais pistas, não é referida a atualização do imposto sobre o gasóleo e a gasolina, mas isso não quer dizer que não venham a verificar-se novos agravamentos, sobretudo no diesel, um combustível que está a ser perseguido em vários países e cidades europeias.

Manuel Teixeira Fernandes recorda que a atualização deste imposto é fixada por portaria, mas considera que o aviso deixado pelo primeiro-ministro “não nos deixa muito otimistas”. Portugal, sublinha, uma das fiscalidades mais pesadas sobre os combustíveis, enquanto Espanha, aqui ao lado, tem uma das mais baixas, uma assimetria que já hoje incentiva o “turismo para ir abastecer a Espanha”. Um novo aumento de impostos só irá acentuar esse movimento e provocar perda de receita, avisa.

Em 2016, o imposto petrolífero teve um aumento extraordinário de cinco cêntimos por litro para combater o défice do Estado. E em 2017, o ISP sobre o gasóleo, o combustível mais usado em Portugal, foi agravado em dois cêntimos, em nome de uma melhor equidade fiscal com a gasolina. Para 2018, ainda não são conhecidos aumentos de imposto, mas a proposta de Orçamento prevê uma aceleração na cobrança deste imposto de 6%.

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Numa sessão dedicada a debater as alterações fiscais propostas para o próximo ano, ficou ainda a nota crítica face à opção do “legislador” português, o Governo, por lançar impostos através do Orçamento do Estado sem normas de enquadramento, nem estudos que os sustentem os “impulsos” dos sucessivos governos. Para 2018, o “impulso” fiscal traduziu-se no novo imposto sobre os produtos com sal.