O grupo parlamentar do PS quer ouvir o Conselho Superior da Magistratura no Parlamento, depois de aquele organismo dos juízes ter feito dois comunicados relativamente contraditórios sobre a posição a tomar face ao polémico acórdão do Tribunal da Relação do Porto sobre um caso de violência doméstica. Num nota enviada às redações, o PS justifica o requerimento para a audição “com vista ao aprofundamento das posições tornadas públicas por este órgão sobre o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto conhecido esta semana, redigido em termos que provocaram viva indignação na opinião pública e junto da comunidade jurídica”.

Na primeira reação ao caso, o Conselho Superior da Magistratura começou por dizer que “não intervém nem pode intervir em questões jurisdicionais”, depois notou que “nem todas as proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes constantes de sentenças assumem relevância disciplinar, cabendo ao Conselho Plenário pronunciar-se sobre tal matéria”. E, depois, acrescentou que “nos termos legais, os juízes em funções nos tribunais superiores não se encontram sujeitos a inspeções classificativas ordinárias”.

Mas, para o PS, não é “imediatamente percetível” o que quis o Conselho Superior da Magistratura dizer com a referência que fez ao respeito da lei (“nos termos legais”). “Não é percetível se quis apenas expressar a concordância do órgão de gestão da magistratura com o regime em vigor ou se, pelo contrário, ela pode ser interpretada como pretendendo significar que o regime que se encontra estatuído para as inspeções a juízes, nomeadamente aos que exercem funções nos tribunais superiores, é merecedor de reparos e, como tal, carecido de revisão”, explica. Ou seja, não é claro se o órgão que tutela os juízes está ou não contra o atual modelo de inspeção aos juízes, ou falta dele. E é também sobre isso que quer que incida a audição.

Depois do primeiro comunicado, contudo, o Conselho Superior da Magistratura emitiu um outro onde dizia que “foi determinada a instauração de inquérito” aos juízes desembargadores responsáveis por aquele acórdão polémico, onde são usados argumentos bíblicos sobre o adultério para justificar a manutenção da pena suspensa a um caso de agressão de uma mulher pelo ex-marido e o ex-amante.

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Os socialistas sublinham que o pedido de audição parlamentar está dentro do “respeito do princípio da separação de poderes”. E que se justifica pelo “princípio complementar da interdependência, que pressupõe a capacidade de reflexão partilhada sobre o essencial dos valores e princípios da nossa ordem constitucional e democrática”. A audição, contudo, ainda não tem data marcada.

Presidente do Supremo contra “manifestação de crenças pessoais”

O caso de agressão em Felgueiras que motivou o acórdão polémico também chegou ao Supremo Tribunal de Justiça. Esta quinta-feira, durante a tomada de posse do novo presidente do Tribunal da Relação do Porto, Nuno Ataíde das Neves, o presidente do Supremo, Henrique Gaspar, falou abertamente sobre o caso que está a abalar a classe profissional dos juízes.

“A manifestação de crenças pessoais e de estados de alma, ou as formulações de linguagem de subjetividade excessiva, não são, com certeza, prestáveis como argumentação e não contribuem para a qualidade da jurisprudência”, afirmou Henriques Gaspar, citado pelo jornal Público, não referindo concretamente o caso, mas falando abertamente sobre o assunto. Na plateia estavam vários juízes da Relação do Porto, mas não os dois juízes envolvidos no polémico acórdão: Neto de Moura e Maria Luísa Arantes.