Os ficheiros, até agora confidenciais, sobre o presidente John F. Kennedy revelam vários episódios de espionagem, conspirações, sabotagens e até manobras que, a serem bem sucedidas, levariam ao assassinato do então presidente de Cuba, Fidel Castro. São algumas das primeiras revelações encontradas entre os mais de 2.800 ficheiros (envolvendo 69 mil documentos, num universo total de 87 mil) libertados na noite desta quinta-feira pelos Arquivos Nacionais, que estavam a ser organizados há 25 anos (o deadline para a sua publicação tinha sido definido por uma lei de 1992, o JFK Assassination Records Collection Act), e agora que passaram 54 anos sobre a morte do 35º presidente dos Estados Unidos da América.

O assassinato de Kennedy é, aliás, um dos mistérios que poderá encontrar resposta – ou, pelo menos, novas pistas nestes ficheiros. De acordo com o Washington Post — que, à semelhança de muitos outros órgãos de comunicação, teve dezenas de editores e repórteres a ler exaustivamente vários documentos durante a madrugada –, há um que regista o depoimento feito em 1975 por Richard Helms, na altura diretor da CIA, numa comissão de inquérito.

A certa altura do interrogatório, e após uma breve troca de impressões sobre a guerra do Vietname, um dos procuradores nessa mesma comissão, David Belin, confronta-o com um eventual envolvimento da agência numa conspiração para matar o presidente. E começa a perguntar a Helms: “Há alguma informação relacionada com o assassinato do Presidente Kennedy que, de alguma maneira, revele que Harvey Lee Oswald seria de alguma forma um agente da CIA ou um agente…” E é precisamente aqui que o documento é cortado, como verificou o repórter do Washington Post no documento aqui replicado.

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John F. Kennedy, recorde-se, foi assassinado em Dallas a 22 de Novembro de 1963, ao fim de quase três anos na Casa Branca. Tinha então 46 anos e Harvey Lee Oswald tem sido desde então apontado com o principal responsável pela morte do presidente norte-americano.

A CNN também dá especial atenção às referências encontradas sobre Oswald. Num dos documentos, com data de 24 de novembro de 1963, o diretor do FBI, Edgar J. Hoover, surge a falar da morte do suposto assassino de Kennedy. “Não há nada mais para saber neste caso de Oswald, a não ser que ele está morto”, começa por dizer. E, a seguir, recorda que a delegação do FBI em Dallas recebeu a chamada de “um homem que falava numa voz muito calma” a informar que fazia parte de um grupo montado para matar Oswald.

Hoover lembra que ainda pediu ao chefe da polícia da cidade para proteger Oswald, mas este acabaria morto por Jack Ruby um dia depois. Os mesmos ficheiros registam ainda declarações de Hoover, segundo o qual existiam provas de comunicações intercetadas entre Oswald, Cuba e a União Soviética.

Fidel e Che Guevara, alvos de uma conspiração

Estes são apenas alguns dos registos já encontrados entre os milhares de ficheiros. Também um memorando do FBI, com data de 1964, deixa provas de que houve uma operação montada com o propósito de eliminar o então presidente de Cuba, Fidel Castro. De acordo com esses ficheiros, houve reuniões com exilados cubanos que tentaram fixar um preço “pelas cabeças” de Fidel, do seu irmão Raul e ainda de Che Guevara. O valor: 150 mil dólares, mais cinco mil para despesas, número que os agentes norte-americanos consideraram “muito alto”, lê-se no mesmo documento. Revistas as contas, chegaram a novos valores: 100 mil por Fidel, mais 20 mil por Raul e outros 20 mil por ‘Che’.

Cuba, aliás, é visada inúmeras vezes nos ficheiros já conhecidos. Um outro ficheiro descreve a operação Bounty, que pretendia derrubar o governo cubano da altura, lançar um sistema de recompensas financeiras para cubanos que eliminassem ou denunciassem comunistas. Neste esquema, os valores também variavam entre 57 mil e 100 mil dólares, sendo que Castro, “talvez por razões simbólicas”, poderia ser eliminado a troco de apenas dois cêntimos.

Também a CNN relata, entre vários ficheiros, os detalhes de um documento da Comissão Rockefeller, de 1975, sobre o papel da CIA num plano para eliminar Fidel nos primeiros dias da administração Kennedy.

Na altura, o seu irmão Robert Kennedy, que era Procurador-Geral, terá contado ao FBI de que a CIA estava a contactar um intermediário com o propósito de contratar um atirador para matar o ditador cubano por 150 mil dólares.

Também há documentos que descrevem planos para matar Fidel através de meios mais subtis, como envenenamento por comprimidos com botulismo (causa intoxicação grave), conta a mesma CNN.

Documento partilhado pela CNN descreve parte de um plano para eliminar Fidel Castro (fonte CNN).

Sexo, comunistas e uma stripper chamada Kitty

Entre histórias de espionagem, política e diplomacia, também começam a ser expostas histórias mais embaraçosas para algumas figuras bem conhecidas. É o que revela, por exemplo, um outro memorando do FBI, de 1960, de acordo com o qual uma acompanhante de luxo de Hollywood, “bem cara”, terá sido abordada por um detetive privado sobre festas de sexo em que teriam participado John Kennedy, mas também o seu cunhado, Peter Lawford, e os cantores Frank Sinatra ou Sammy Davis Jr. Na altura, a mulher terá negado qualquer uma das “indiscrições” com que foi confrontada.

Pelo meio dos ficheiros, surgem ainda histórias envolvendo uma stripper chamado Kitty, que seria sócia de Jack Ruby, o dono de um clube noturno que matou Harvey Lee Oswald em 1963. Ou a suspeita, descrita num memorando do FBI de 1964, de que o presidente Lyndon B. Johnson teria sido membro do Klu Klux Klan no Texas nos primeiros anos da sua carreira política.

A “ameaça comunista” nos EUA é outro tema frequente nos ficheiros já conhecidos. Além da existência de uma “lista negra de Hollywood”, que incluía nomes de suspeitos de pertencerem clandestinamente ao Partido Comunista, há ainda registo de vários tipos de vigilância que passavam, por exemplo, pela instalação de escutas em escritórios e zonas de trabalho. E há ainda episódios mais caricatos, como os que envolviam agentes infiltrados para vigiar atividades comunistas em Dallas – “um grupo tão pequeno, mas tão pequeno, que podiam reunir-se dentro de um carro.”

Já foram divulgados na íntegra 69 mil documentos sobre assassínio de Kennedy

Os ficheiros agora revelados são apenas uma parte dos documentos guardados nos Arquivos Nacionais, em Washington, e agora divulgados online. Donald Trump aceitou a sua abertura ao público, mas bloqueou uma outra parte dos ficheiros que se manterá confidencial, pelo menos temporariamente, por questões de segurança nacional. O facto de se manter sob sigilo uma parte desses ficheiros está a ser contestada, por receio de que Trump possa adiar para lá dos 180 dias previstos o prazo para abrir os ficheiros que restam. Mas o que está a ser ainda mais criticado é o facto de muitos documentos já libertados terem ainda partes cortadas, censuradas ou simplesmente rasuradas, evitando que se perceba o conteúdo integral desses documentos e o seu devido contexto.

As redes sociais estão a multiplicar esses mesmos comentários e a partilha de alguns documentos, como se pode ver nestes exemplos:

https://twitter.com/youbyou_illbme/status/923619531926528000