A primeira versão do livro foi escrita na década de 1990. Eram poucas as obras que, então, abordavam a “experiência interior da parentalidade”, pelo que o termo “parentalidade consciente” surgiu, pela primeira vez, impresso nas suas páginas. Quase 20 anos depois, a dupla de autores Myla e Jon Kabat-Zinn publicou, em 2014, uma versão atualizada de Pais Conscientes, Filhos Felizes (editora Lua de Papel), que só agora chega traduzida ao mercado português.

De uma forma resumida, este pode ser encarado como um guia de inteligência emocional para pais e, sobretudo, um livro de mindfulness, que deixa a descoberto a forma de educar os filhos na perspetiva do presente. Educá-los em tempo real, digamos assim, é uma ferramenta essencial para que pais e mães vejam os filhos pelo que realmente são e não pelo que gostariam que fossem.

Em jeito de compilação, reunimos algumas das ideias fundamentais apresentadas no livro.

Mindfulness quer dizer consciência. (…) Quando trazemos consciência para a forma de criarmos os filhos, mediante o recurso à atenção plena enquanto prática, isso pode levar a um conhecimento e entendimento mais profundos tanto dos nossos filhos como de nós mesmos. “Pais Conscientes, Filhos Felizes”, pág. 42

Recordemos: o que é o mindfulness?

A obra em causa discursa ao longo de 400 páginas sobre a “parentalidade em atenção plena”. Mas antes de mergulharmos de cabeça no conceito que defende que os pais, à semelhança dos filhos, devem entregar-se à sabedoria do mindfulness, vale a pena recordar o que significa o conceito.

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Em abril de 2016, Vasco Gaspar, autor do livro Aqui e Agora, explicava ao Observador que mindfulness era tão simplesmente a “capacidade de estar presente”, o “estar consciente do que se passa à nossa volta”, das emoções que vamos sentindo ao longo do dia e do nosso próprio corpo. O livro Pais Conscientes, Filhos Felizes não foge à lógica e os seus autores garantem que o mindfulness “é a consciência que surge ao prestarmos atenção de propósito, no momento presente, sem juízos de valor”. A sua prática é tida como uma ferramenta que visa contrariar vidas em piloto automático, circunstância da qual muitas vezes somos vítimas, prestando atenção “apenas seletiva e aleatória”, tomando coisas importantes por garantidas e formando opiniões rápidas e muitas vezes irrefletidas.

O que precisa de saber sobre o tão falado “mindfulness”

Mindfulness para pais. Como funciona?

O mindfulness, enquanto disciplina meditativa, tem vindo a marcar presença na nossa sociedade nos últimos 35 anos em diferentes áreas, educação incluída. A dita “parentalidade consciente”, associada ao mindfulness, “envolve manter presente o que é verdadeiramente importante à medida que tratamos das atividades do quotidiano com os nossos filhos”. É esta uma forma que nos incita a reconhecer mais facilmente os desafios enfrentados diariamente, uma vez que “a consciência tem de ser inclusiva”.

Isto é, “tem de incluir reconhecer as nossas próprias frustrações, inseguranças e defeitos, os nossos limites e limitações”. Cada momento é visto como uma nova oportunidade para pôr estas ferramentas em prática, uma vez que a “parentalidade consciente” é um processo contínuo e não tem em vista objetivos fixos.

O mindfulness não implica, porém, concentrar-nos em excesso num filho. A ideia é, ao invés, ajudar-nos a “desenvolver e sustentar uma autoconsciência incorporada”, que pode ser posta em prática por via formal ou informal — a primeira diz respeito à meditação, ainda que não seja preciso cruzar pernas, e a última é conhecida como “mindfulness no quotidiano”, sendo a principal prática recomendada aos pais. De referir que das dezenas de milhares de pessoas que já completaram, nos EUA, o Programa de Redução de Stress Através da Atenção Plena (MBSR, iniciais em inglês), a grande maioria são pais.

O mindfulness não nos diz o que fazer, mas oferece-nos, isso sim, uma forma de escutar, uma forma de prestarmos muita atenção àquilo que cremos ser importante e de expandirmos a visão do que isso pode ser em qualquer situação, sob quaisquer circunstâncias.” Pág. 57

Soberania, empatia e aceitação

Os autores defendem que os pais devem respeitar a soberania dos filhos, isto é, confiar naquilo que eles são, genuinamente — soberania no sentido da natureza verdadeira de cada um. “A soberania é muito diferente de prerrogativas sem limites. Não significa que se deva dar às crianças tudo o que querem, nem que outros devam fazer o trabalho delas.”

A isto acrescenta-se a questão da empatia e da aceitação: “Mais do que qualquer outra coisa, uma preparação cuidadosa da soberania de um filho e o ato de a honrar através da empatia e aceitação são a essência da parentalidade com atenção plena”, lê-se na obra. A empatia em causa serve para que os pais vejam as coisas a partir da perspetiva dos filhos — é o exercício de tentar perceber o que eles estão a sentir ou a viver em determinado momento. “Esforçamo-nos por transpor uma consciência compassiva para o que está a acontecer em cada momento. Isto inclui uma noção dos nossos próprios sentimentos, também.”

A soberania e a empatia são ampliadas pela aceitação, explicam os autores, que a definem como um terceiro elemento fundamental da “parentalidade com atenção plena”. A aceitação é, então, tida como uma orientação interior que reconhece que as coisas são como são, uma ideia nem sempre fácil de aceitar no dia a dia.

“A prática do mindfulness consiste em desenvolver consciência da nossa relação com o momento presente e em reparar quando nos debatemos contra a forma como as coisas são.” A aceitação não pode, no entanto, ser equiparada a resignação passiva ou a derrotismo, da mesma forma que o respeito pela soberania dos filhos não deve ser confundido com deixá-los fazer tudo o que querem. O que está aqui em causa é a não tão aparente dificuldade em aceitar os filhos tal qual eles são: “Aceitar os nossos filhos tal como são. Parece tão simples. Mas com que frequência damos por nós a querer que ajam, pareçam ou sejam diferentes do que realmente são naquele momento?”.

Respirar, respirar e respirar

Num capítulo dedicado à respiração, os autores começam por explicar que uma forma de dar início à já tão falada “parentalidade com atenção plena” é através do cultivo de uma certa “intimidade com a nossa própria respiração” ao longo do dia. É fácil perceber o motivo: ao estarmos conscientes da nossa respiração, trazemos a mente e o corpo para o momento presente. Esta prática continuada ajuda a preservar o momento presente com maior calma e clareza. Não é por acaso que muito da meditação anda em torno de exercícios de respiração que promovem a calma e ajudam até a reduzir o stress.

Mudar fraldas, limpar a bagunça, interromper discussões, correr para aqui e para ali, preocupar-nos e sentirmo-nos ansiosos, trabalhar ou brincar, tempo “ativo” ou “inativo” — todas estas são ocasiões apropriadas para usarmos a nossa própria respiração, para estarmos mais presentes.” Pág. 132

Discernimentos vs. julgamento

Se por um lado podemos não ter consciência da forma como respiramos, por outro, é provável que tenhamos apenas a vaga ideia de que passamos o tempo todo a pensar. O exercício de prestar atenção à respiração permite, pois, observar, sem criticar, o que nos vai passando pela mente — pensamentos quase sempre “opinativos e ou parcial e totalmente inexatos” — e deixa-nos perceber como é difícil, na maior parte dos casos, estabilizar a atenção. É a partir dessa torrente de pensamentos que criamos modelos de realidade, “sob a forma de ideias e opiniões acerca de nós, dos outros e do mundo” que acreditamos como verdadeiros. Escrevem os autores que quanto mais nos apegamos a essas ideias mais diminuídos ficamos e as nossas possibilidades de crescimento estreitam-se.

“O que é requerido para cultivar o mindfulness e a parentalidade com atenção plena, em vez de julgamento, é discernimento, a capacidade de observar algo em profundidade e detetar distinções relevantes e com clareza. O discernimento é a capacidade de ver isto e aquilo, por oposição a isto ou aquilo. É sinal interno de respeito pela realidade.”