Aos 29 anos, Juan Mata já ganhou quase tudo no futebol: Ligas dos Campeões, Taças de Espanha e de Inglaterra, Europeus e Mundiais de seleções (falta um Campeonato, vá). E desde cedo que se assumiu como um dos maiores símbolos de uma nova geração de futebolistas espanhóis que arriscam ir para o estrangeiro. No entanto, o primeiro autógrafo que deu foi por ser bom em concursos de trivial: quando tinha 13 anos, foi um dos escolhidos para uma prova regional com 200/300 perguntas, ganhou e tornou-se um pequeno herói na sua escola. Em paralelo, esse triunfo fez com que viajasse por Áustria, Alemanha, Liechtenstein e Suíça. Ficou fascinado com o “mundo lá fora”.

Quando há uns anos passou por Portugal, Alejandro Blanco, presidente do Comité Olímpico de Espanha, explicou todo o caminho que o país tinha feito, tendo em vista os Jogos de Barcelona em 1992, para se superar na maior prova desportiva do mundo. Ao mesmo tempo, e entre os muitos temas abordados no encontro que teve na sede do Comité Olímpico de Portugal, falou também na possibilidade que os atletas tinham de prosseguir os seus estudos, tirarem as suas licenciaturas e fazerem as suas pós-graduações online. Juan Mata foi um dos muitos exemplos apresentados. E assim se mantém, agora a outra dimensão através do projeto Common Goal.

Através de um texto publicado em agosto no The Player’s Tribune, o médio ofensivo do Manchester United quis apresentar ao mundo a sua ideia no intuito de encontrar seguidores: depois de uma visita a Bombaim, quis juntar-se ao projeto gerido pela Streetfootballworld, empresa com base em Berlim que apoia o sonho de 120 miúdos de 80 países, e passou a dar 1% do seu ordenado mensal para essa causa. Sendo pouco, como o próprio admite, é um princípio e não um fim: a ideia passa por juntar 1% do dinheiro da indústria do futebol para o Common Goal.

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“Hoje estou a lançar algo que espero que ajude a mudar o mundo, mesmo que seja de uma forma pequena. E espero que outros futebolistas em todo o mundo me ajudem nesse objetivo. Mas antes de falar nisso, deixem-me contar o que o futebol é para mim”, disse, antes de recordar episódios da vitória da Champions em 2012.

“Pensei em tudo aquilo que o futebol me deu e na forma como queria que fosse o meu legado. Sei que sou um sortudo por todas as oportunidades que tive e que nem toda a gente tem uma família como a minha. Apesar de estar já antes envolvido com iniciativas de caridade, sabia que queria fazer mais. Quero garantir que outros miúdos conseguem ter as oportunidades que tive. A partir de agora, vou doar 1% do meu salário para o Common Goal, que ajuda instituições de caridade pelo mundo. É um pequeno gesto que, se conseguir partilhar, pode mudar o mundo”, anunciou o internacional espanhol.

O exemplo desse triunfo do Chelsea, em plena Allianz Arena na final da Liga dos Campeões, foi utilizado por Mata para dar ideia da globalização do futebol com o tempo. “Quando estávamos a celebrar, olhei à volta os meus companheiros e vi a beleza do futebol. Um guarda-redes da Rep. Checa, um defesa da Sérvia e outro do Brasil, médios do Gana, da Nigéria, de Portugal, de Espanha, de Inglaterra e, claro, um fantástico avançado da Costa do Marfim. Viemos um pouco de todo o mundo, em circunstâncias diferentes, a falar muitas línguas distintas. Alguns cresceram durante períodos de guerra. Alguns cresceram com pobreza. Mas ali estávamos nós, juntos na Alemanha, campeões da Europa”, contou o espanhol, prosseguindo: “Quando as pessoas falam de futebol, é normal associarem a dinheiro e troféus. Mas o futebol também dá algo mais aos jovens, real experiência de vida. Que às vezes é difícil”.

Nascido em Burgos, filho de um antigo futebolista (esquerdino, com características ofensivas, mas mais rápido do que o filho… segundo o próprio), Juan Mata começou a jogar no Oviedo antes de rumar, com 15 anos, ao Real Madrid. O mais próximo que esteve da equipa A foi a temporada que fez no Castilla (Real B), em 2006/07, em que foi o segundo melhor marcador apenas atrás de Álvaro Negredo. A seguir, mudou-se para o Valencia.

Aproveitando as frequentes lesões de Vicente e o eclipse de Angulo (que viria terminar a carreira no Sporting, sem sucesso), o canhoto foi ganhando o seu espaço e venceu uma Taça de Espanha, em 2008, antes de transferir-se para o Chelsea em 2011 a troco de quase 27 milhões de euros. Para se ter noção do impacto, Benayoun, israelita que estava no plantel dos blues, prescindiu da camisola número 10 por saber que era a preferida do espanhol.

As coisas começaram bem, ganhou mesmo uma Champions, mas a chegada de Mourinho acabou por “tapar-lhe” o lugar, com o técnico a preferir jogar com Óscar como “maestro” do jogo ofensivo do conjunto de Stamford Bridge. Sairia para o Manchester United no início de 2014, por um valor a rondar os 45 milhões de euros. No ano passado, em agosto, reencontrou o Special One. “Então, tudo bem? Aqui o tempo é diferente de Londres…”, atirou o português na primeira vez que se cruzaram em Old Trafford. Mata não é um indiscutível nos red devils, mas Mourinho sabe bem que tem ali um jogador com capacidade técnica e inteligência tática fora do normal.

No meio destas andanças pela Premier League, o espanhol que foi campeão europeu de seleções de Sub-19, Sub-21 (com os agora companheiros De Gea e Herrera) e AA (com o principal ídolo da atualidade, Iniesta) tem como principais hobbies viajar e tirar fotografias (Nova Iorque e Bombaim foram as cidades mais marcantes) e está a tirar dois cursos online ao mesmo tempo na Universidade Técnica de Madrid: um de Marketing, outro de Ciências do Desporto (se não fosse futebolista, garante que estaria ligado ao mundo da publicidade). Em paralelo, é acionista do “seu ” clube, o Oviedo, atualmente num lugar modesto da Segunda Liga.

Fã de Woody Allen (o “Midnight in Paris” é o seu filme preferido) e de Haruki Murakami (a partir do “Tokio Blues”), Juan Mata é uma das figuras mais respeitadas da Premier League, como se viu pelo convite para dar uma palestra que recebeu da Soccerex Global Convention, em Manchester. E é também por esse estatuto, além da causa em si, que Mats Hummels (Bayern), Chiellini (Juventus), Kagawa (B. Dortmund) e Gnabry (Hoffenheim) foram os primeiros a juntarem-se ao Common Goal. Entre os golos que marcou ao longo da carreira, nenhum se compara a este.

“Para mim, bom futebol não tem a ver com as qualidades técnicas que se mostra ou quantos jogadores se fintam, tem a ver com tomar as decisões certas sempre que se tem a bola”, comentou Mata numa entrevista recente ao The Guardian. Mesmo sem bola, o espanhol também acerta. Mas recusa ser o único rosto do Common Goal, uma causa que pretende tornar o mais global possível.

“Isto não é sobre mim, alguém tinha de começar e fui eu. Mas espero que muitos de nós se possam comprometer com este projeto. O grande objetivo é que toda a gente ligada ao futebol, dos media aos fãs, possam ajudar em áreas distintas, mas a melhor maneira de começar é com os jogadores por trazerem maior atenção. E falamos de 1%, porque é necessária uma estrutura realística que encoraje todos os outros a aderirem. O meu 1% não significa muito mas, um dia, se chegarmos ao 1% de todas as receitas do futebol profissional, será fantástico. E até as pessoas que não estejam em boa situação financeira se podem juntar espalhando a palavra”, salientou.