Sem surpresas, Pedro Passos Coelho anunciou no encerramento das jornadas parlamentares do PSD que o partido vai votar contra a proposta de Orçamento do Estado para 2018, que vai começar a ser discutida e votada na generalidade esta quinta e sexta-feira. O voto é contra porque, explicou, orçamento “não está orientado para o futuro” nem serve “o interesse coletivo”, mas apenas os “interesses particulares” da “geringonça”.

“É um Orçamento do Estado que merece o nosso voto contra, não há nenhuma dúvida sobre isso, porque não serve do ponto de vista estratégico o interesse coletivo, não está orientado para o futuro”, criticou o presidente do PSD no discurso de mais de meia hora que fez perante os deputados, em Braga. Em vez de servir o interesse coletivo, Passos afirmou que o Orçamento para o próximo ano, à semelhança dos dois anteriores, serve apenas os “interesses da maioria que sustenta o Governo”, tratando-se de uma “soma de interesses particulares que não estão enquadrados numa visão de interesse coletivo”.

Para Passos, tudo se resume ao facto de o Governo não ter “sentido estratégico” e só estar “preocupado com o presente”. “A grande ambição desta maioria é uma recuperação de rendimentos mais rápida do que a que estava prevista quando nos vimos livres do programa de ajustamento e programámos o futuro”, disse o líder do PSD, defendendo que não basta uma política de devolução de rendimentos, ainda por cima feita à boleia de uma conjuntura económica favorável. É preciso enquadrá-la numa estratégia de correção dos desequilíbrios que conduziram à crise, em primeiro lugar, sob pena de essa mesma crise regressar.

O Diabo chama-se “ciclos da economia”. “Como vamos resistir à próxima fase se só pensamos no presente?”

Não falou no Diabo, não. Mas, numa intervenção detalhada de mais de 30 minutos, Passos Coelho lembrou os perigos da economia e, sobretudo, os perigos de ser a política a comandar o governo, e não a economia a dar as diretrizes da governação. É que a economia tem ciclos, de crescimento e de recessão, que são mais ou menos previsíveis, e é certo que “já lá vão três crises desde a história democrática”.

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Ou seja, podemos estar agora numa conjuntura favorável, num ciclo positivo, com “soluções de crescimento alimentadas pelo Banco Central Europeu”, mas essas soluções do BCE, e a conjuntura europeia, “não duram para sempre”. Por isso, defendeu, é preciso preparar o futuro e não fazer o que o Governo faz, que se “limita a pensar no presente”, confiando cegamente que o país vai “resistir à próxima fase do ciclo económico que for menos favorável”. Mas sem preparar respostas para o fazer.

“É difícil preparar o futuro quando ele por definição é incerto, e se soubéssemos o que o futuro nos reserva não seríamos humanos, mas também é verdade que há muitas escolhas que podemos antecipar”, disse. E explicou o que é que no seu entender pode ser antecipado: “Sabemos que a economia tem ciclos, embora não saibamos a sua duração e a intensidade da recuperação e da recessão, mas sabemos que dentro desses ciclos há anos melhores e piores. Também sabemos que as sociedades que são prudentes se preparam para os anos melhores e para os piores”.

Acontece que não é isso que o atual Governo, apoiado pelos parceiros da esquerda está a fazer “há dois anos”. Antes pelo contrário: “O Governo tem tomado os riscos todos achando que o futuro há de ser sempre melhor”, mas “o futuro torna-se mais incerto se só investimos no presente”. Para Passos, na verdade, tudo o que o Governo previa que viessem a ser os motores de crescimento da economia, que seria assente no consumo interno, não se verificou, verificando-se antes que o que está a sustentar o crescimento são as exportações e o investimento, embora não estejam a ser tomadas medidas políticas nesse sentido — no sentido de proteger as empresas e aumentar a competitividade económica.

A “morte lenta” da geringonça que terá “custos para o país”

E para quem achava que, nas primeiras intervenções de Passos Coelho pós-geringonça, entre 2015 e 2016, o líder do PSD antecipava curta vida ao Governo de António Costa apoiado pelos partidos da esquerda, Passos desfaz o equívoco. Agora que o Governo se prepara para aprovar o terceiro Orçamento do Estado de mãos dadas com o PCP e o Bloco de Esquerda, Passos explica que “quando disse que a atual solução política estava esgotada, não quis dizer que não iria sobreviver ao tempo”. A questão é outra. “É que a morte lenta é penosa e tem custos muito elevados para o país”, disse, acusando a atual maioria parlamentar de não ter “o mínimo de cimento e coesão”.

Passos lembra que a maioria não se entende em questões “fundamentais” como a inserção europeia ou a forma de olhar para o mundo, então de que serve a “geringonça”? Serve apenas para se agarrar ao poder, sintetizou. “Se o PS não conta com a geringonça para o que é importante, porque é que a geringonça é importante para o PS? Porque é a única maneira de fazer que governa”, perguntou e respondeu.

Por isso, Passos garantiu que o PS nunca poderá contar com o PSD para governar quando algum parafuso dessa maioria falhar. Pelo menos não enquanto for ele o líder do PSD, e muito menos enquanto o PSD está num processo de substituição do líder. “Até eu ceder o meu lugar àquele que vier a seguir a mim, não é o PSD que vai suportar este governo nem os seus orçamentos”, disse, para a seguir defender a convicção de que o mesmo não acontecerá com nenhum dos futuros líderes do partido. Ou seja, nem com Passos nem com Rio ou Santana haverá esse estender de mão ao PS.

“Não esperem da nossa parte que mudemos de posição. Não pensem que é pelo PSD estar a preparar as eleições internas e o congresso que poderão pôr o PSD na posição embaraçosa de ter de suportar um Governo que não tem maioria parlamentar”, disse ainda, referindo-se especificamente ao que o PCP “tem vindo a dizer”.

O que o PSD fará na discussão orçamental vai ser apresentar propostas de alteração, ao contrário do que aconteceu no primeiro Orçamento do Estado do atual Governo. As propostas, antecipou Passos, vão ser no sentido de “olhar para o tecido económico e perceber o que queremos fazer para crescer mais sem agravar as injustiças fiscais”. A prioridade vão ser as empresas, disse, criticando a medida de aumento da derrama do IRC para as empresas com lucros elevados que está a ser negociado pelos partidos da esquerda.

O adeus ao “melhor primeiro-ministro da história”

Foi a última intervenção de Passos Coelho enquanto líder do partido. E isso não foi esquecido. Hugo Soares, na qualidade de líder parlamentar do PSD, fez rasgados elogios ao presidente do partido, que foi “um dos melhores, se não o melhor, primeiro-ministro da história de Portugal”.

Segundo Hugo Soares, Passos Coelho colocou “os interesses de Portugal sempre à frente dos seus interesses e dos do partido”, razão pela qual “merece todo o nosso respeito, gratidão e consideração”. “Um dia vamos poder dizer que o país não esquecerá o que fez por cada um dos portugueses”, disse ainda, sugerindo que, agora que Passos está de saída, até os portugueses já reconhecem mais isso.

O aplauso foi prolongado, com todos os deputados de pé, mas nas últimas palavras da despedida, Passos foi parcimonioso. Agradeceu as “palavras amigas” e retribuiu aos “colegas”, agradecendo por “todo o tempo que partilhámos no exercício da atividade política a um nível que considero bastante elevado”. Hugo Soares já tinha avisado que sabia que ele, Passos, “não gostava muito destas coisas” dos elogios.

O congresso do PSD que vai marcar a entronização do novo líder do partido será em fevereiro, mas ainda não é certo que Passos Coelho faça alguma intervenção. Esta poderá, por isso, ter sido uma das sua últimas intervenções de fundo enquanto líder do partido.