Patinho feio da pop. John Maus foi um resistente durante mais de uma década, aguentou as duras críticas à sua música até que finalmente o mundo acordou para o que tinha andado a fazer após o lançamento do brilhante We Must Become The Pitiless Censors Of Ourselves em 2011 na Upset! The Rhythm!. Aí o seu trabalho foi revisto, principalmente os anteriores Songs (Upset The Rhythm!, 2006) e Love Is Real (Upset the Rhythm!, 2007), o que antes era ignorado ou vaiado e que vivia numa bolha de fenómeno de culto, passou a ser glorificado.

Nada de novo aqui. O próprio sabia que estava a fazer tudo certo: “Nunca fiquei destroçado. Até me sentia orgulhoso, as canções tinham péssimas críticas. Nessa altura, sentia-me audaz, percebia que o que estava a fazer estava certo. Mas era impossível a minha música conciliar-se com todo o mecanismo de distribuição e imprensa que te oferece visibilidade. Mas isso tudo acabou por ser uma coisa boa”, diz-nos John Maus ao telefone, no aeroporto de São Francisco, minutos antes de embarcar num voo para Londres e dar início à digressão que inclui o Maus Hábitos no Porto (31 de Outubro) e pela Galeria Zé dos Bois em Lisboa (1 de Novembro)

Mas quem é John Maus? E porquê seis anos de intervalo entre o anterior trabalho e este Screen Memories, que foi editado na semana passada pela Ribbon Music (uma subsidiária da Domino). O próprio responde:

“Durante dois anos estive a acabar o meu doutoramento. Durante um tempo estive a construir um instrumento e a investigar algumas técnicas de composição que iria usar no álbum. E nos últimos dois anos estive a trabalhar nas canções, no álbum. Pareceram cinco minutos.”

Uma pausa na carreira em ascensão para terminar um doutoramento. Anteriormente já tinha estudado música, há uns anos terminou a sua dissertação em Filosofia Política, foi levado para aí por causa da sua música. “Quando estás em qualquer vanguarda artística, principalmente na música, ela torna-se a dado momento uma questão filosófica. Principalmente com a música, poesia, a estética transforma-se numa questão filosófica, uma questão política. Fui encaminhado naturalmente para essa direção.”

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Não há arrogância em afirmar-se na “vanguarda”. E parolice é não entender de onde isto vem. A música de John Maus é acarinhada com muita análise, há um ótimo ensaio de Adam Harper, editado posteriormente em livro com o título Heaven Is Real: John Maus And The Truth Of Pop que explica o lugar de Maus ao lado de Ariel Pink (com quem colaborou no início da carreira) e R Stevie Moore. Todos eles fazem pop sobre pop. Não é a pop a alimentar-se dela mesma, é a pop a construir o seu lugar com autoconsciência, a procurar o espaço e o vazio e preenchê-lo com a simplicidade da melhor das melodias.

Resumindo, não existe propriamente nostalgia na música de John Maus. Existe uma compreensão do que é a pop e do seu lugar. A sua música não passa pela memória, pelo tributo, pela bolha dos 1980s, mas pela compreensão da sua mecânica e de como se pode reduzir tudo ao essencial: é ouvir “Do Your Best” com atenção e perceber como todo o Disintegration dos The Cure cabe naqueles 2 minutos e 47 segundos.

Ao telefone fala de Alberto Caeiro: “Costumo dizer que o Alberto Caeiro é o mais próximo que existe de explicar o Cristianismo. Esquece o Nietzsche, o Caeiro é o único que consegue aguentar-se todos os rounds num ringue com o Francisco de Assis. É o meu heterónimo preferido do Fernando Pessoa. Está noutro nível.” Faz sentido, se há um heterónimo de Pessoa que explica a clareza das letras e da mensagem de John Maus é Alberto Caeiro: é ouvir “Don’t Be A Body” ou “Hey Moon”.

Screen Memories é o seu álbum menos romântico até à data. O baixo está muito presente, é um disco frio, fora do autoritarismo-disciplinar-lírico do passado. John Maus sente que o mundo está a ser empurrado para o fim das coisas. É uma questão filosófica, algo que se pode ler nas entrelinhas do marketing à Silicon Valley: a necessidade programática de tornar o mundo num “sítio melhor”.

E é aí que surge Screen Memories, o título e a capa do disco e, porque não, o vídeo do primeiro single “The Combine”: “É uma das daquelas coisas que surgem na minha cabeça. Antigamente o ecrã era a televisão, que eram diferentes entre si, e em diferentes partes do mundo. Agora acontece o oposto com os telemóveis, os tablets, são os mesmos em todo o lado, tanto em Portugal como em São Francisco. E estão presentes em todo o lado, de repente o teu coração, os teus sentimentos, a tua memória, estão ligados a um ecrã. Irás associar os teus traumas a um ecrã. E estamos a viver isso mais e mais. Estamos rodeados por ecrãs e tudo é mediado por eles. Acho que este álbum é mais temático do que qualquer um dos anteriores”.

Em 2009 e 2011 John Maus atuou na Galeria Zé dos Bois. Em ambos os concertos a sua atuação era o melhor espectáculo de karaoke de John Maus na terra interpretado por John Maus. Era o suficiente para a mensagem passar, intenso, fortíssimo, completava o romanticismo da música: “Sentia que tinha de dar mais. Sinto essa pressão, é a forma que tenho para libertar a ansiedade de estar em palco. Não toda, mas alguma. Pelo menos algumas camadas são aliviadas”, diz, entre risos.

Nesta visita de dois dias a Portugal já não acontecerá o melhor espectáculo de karaoke de John Maus na terra interpretado por John Maus; a digressão de Screen Memories acontece com uma banda (baterista, teclista e baixista):

“Tinha alguma resistência à ideia mas está a funcionar bem. Mudou por completo a minha performance e é uma forma interessante de apresentar a minha música ao vivo. Tira alguma pressão de mim, já não preciso de estar em todo o lado, sozinho. É bom ter algo, alguém em quem me apoiar”.

Com mais ou menos pressão, John Maus continua a mudar a pop como poucos, ou a pop sobre pop, talvez os detalhes de Screen Memories já o coloquem no campeonato da pop sobre pop sobre pop. É difícil de ver o presente em alta definição: R Stevie Moore esperou décadas para que o presente o alcançasse. Com John Maus o atraso não é tão grande. E ainda vamos a tempo.