Theo Deutinger é arquiteto e designer de mapas socioculturais, publicados habitualmente em jornais e revistas de todo o mundo. Em 2014, este designer holandês produziu um mapa que este mês, à boleia da crise na Catalunha, se tornou viral na Internet: como seria a Europa se todos os movimentos independentistas — dos maiores e mais implantados, aos mais pequenos e fantasiosos — tivessem sucesso? O mapa mostra centenas de novos países no continente europeu e provocou a discussão.

Em entrevista ao Observador, Theo Deutinger, que passou a última década a estudar movimentos regionais e a enquadrá-los em mapas, explica que quer “ilustrar sonhos e emoções, mas com informação baseada em dados concretos”, e sublinha que o mapa Independence Day tem como objetivo “registar todos os sonhos independentistas” no continente europeu. Por isso, explica, foram consideradas todas as manifestações de independentismo: desde os grandes movimentos como a Catalunha ou a Escócia aos grupos mais pequenos, que muitas vezes se ficam por “fantasias”.

O arquiteto e designer defende os vários movimentos pró-independência, considerando que todas as nações deviam poder seguir “pelo seu próprio caminho”. Sobre a Catalunha, lamenta que não haja “nenhum estado-nação que apoie a Catalunha” e defende a sua autodeterminação, apesar de criticar o facto de os catalães acharem “que são melhores que as pessoas de Andaluzia”.

Para Deutinger, que defende que quantos mais pequenos estados houver no mundo, melhor, a separação de estados não tem de ser necessariamente igual a fechamento de fronteiras. É, sobretudo, uma questão de “identidade”, e o arquiteto não vê problemas em haver 100 pessoas sentadas na Comissão Europeia, em vez de 27. “O mundo é muito grande para apenas 203 países. Podíamos ter 500 ou mil nações”, garante.

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Assim seria a Europa se todos os independentismos ganhassem

Como foi feito este mapa?
No nosso trabalho de ilustração, que já fazemos há 12, 15 anos, o que tentamos sempre fazer é mostrar coisas que acontecem a nível regional, como agora na Catalunha, mas num contexto maior. Além disso, queremos mostrar em mapas coisas que habitualmente não são vistas dessa forma. Por isso, com este mapa, o Independence Day, quisemos mostrar que há muitos movimentos independentes na Europa. A questão é: e se todos eles conseguissem fazer valer os seus objetivos e tivessem sucesso, como seria a Europa? Fizemos um mapa semelhante para todo o mundo, penso que em 2008, e aqui fizemo-lo na Europa.

Na verdade, é um mapa do sonho da independência, de toda a gente que sonha com a independência. Se todos os sonhos se concretizassem, seria assim a Europa. A diversidade, que regiões se podem desmoronar, quais ficariam como estão… Estamos muito interessados em ilustrar sonhos e emoções, mas com informação baseada em dados concretos.

Por exemplo, quais foram os nossos parâmetros para realizar este mapa? Basicamente, o que precisámos de identificar numa região para considerar que existe um sonho pela independência foi um grupo de pessoas, independentemente do tamanho do grupo, que quer ter a independência, e uma iconografia própria. Era importante para nós que houvesse uma bandeira. Uma bandeira ou um símbolo, porque achamos que a partir do momento em que há um símbolo, há um esforço para representar aquele grupo para o grande público. Não fazemos bandeiras para nós próprios. Fazemos bandeiras para nos distinguir dos outros.

Não houve mais critérios? É que no mapa estão representados ao mesmo nível situações como a Catalunha ou a Escócia, em que os movimentos independentistas têm uma forte representatividade nos governos locais, e outras pequenas regiões em que o desejo independentista é apenas um sonho de pequenas minorias, a que não é dada muita importância.
Não houve outros critérios. Tratámos todos os movimentos independentistas — ou sonhos, se quisermos — da mesma maneira. Não distinguimos entre movimentos muito ativos e movimentos mais sonhadores, ou de fantasia. Todos estão classificados de forma igual. Claro que se pode discutir se é correto fazer isto desta forma. Mas tentámos encontrar todos. Está correto no sentido em que tentámos encontrar todos os movimentos independentistas na Europa, dos mais pequenos aos mais significativos.

Para nós, a partir do momento em que têm uma iconografia, uma bandeira, e a partir do momento em que há um território que é assumido como um possível novo país que podemos mostrar geograficamente, então para nós não era importante o número de pessoas. Queríamos registar que existem vários sonhos de independência. Tanto que o mapa está rodeado pelas bandeiras de todos os países e movimentos de independência.

É muito diferente dos mapas coloniais, em que havia uma série de países e terras que eram conquistados e era lá colocada a bandeira do colonizador. Aqui, vemos cada território representado por uma bandeira.

Se falássemos apenas de movimentos independentistas com reais possibilidades de avançar, estaríamos a falar de um mapa muito diferente.
Sim. Seria naturalmente um número muito menor de países, claro.

Como foi o processo de identificação dos movimentos independentistas nos vários países? Quanto tempo demoraram a fazer este trabalho?
Não há assim tantos países na Europa, são cerca de 50. O que fizemos foi ir país a país pesquisar que movimentos independentistas há. Inicialmente foi uma coisa até muito simples, através do Google, pesquisando por movimentos pró-independência nas respetivas línguas. Quando encontrámos grupos credíveis, como disse, com um território e uma iconografia, considerámo-los. Considerámos que, tendo um território e uma bandeira é suficientemente sério para ser mencionado como desejo de independência. Demorou cerca de quatro ou cinco semanas até termos tudo em cima da mesa.

Porque é que não incluiu os arquipélagos dos Açores e Madeira, de Portugal, e das Canárias, de Espanha, no mapa?
Foi sobretudo por uma questão gráfica. De facto, quando enquadrámos a Europa no mapa, acabámos por deixar essas ilhas de fora. Mas gostamos de ouvir este tipo de feedback e contamos inclui-las numa próxima versão do mapa.

O Theo é, além de arquiteto, um designer de mapas socioculturais. O que é que o atrai neste tipo de trabalho?
A minha formação é em arquitetura, e nós, enquanto arquitetos, uma das coisas que fazemos nos estudos urbanos é investigar as cidades num contexto mais abrangente, para saber em que contexto é que estamos a construir alguma coisa, de que forma é que estamos a mudar algo. Já não desenhamos casas num campo verde, desenhamos sobretudo no meio de cidades, onde as pessoas vivem e onde há hábitos culturais e formas de utilizar os espaços. Primeiro, temos de investigar o espaço e depois começamos a desenhar.

O que fiz foi expandir isto para uma escala europeia ou mundial. O que me fascina é conhecer o mundo e partilhar esse conhecimento com outras pessoas. O que é interessante, por exemplo, no Independence Day é que, apesar de aquilo estar em inglês, não interesse a língua. É uma língua internacional. Em toda a Europa toda a gente percebe este mapa e discute-o. Ajuda a entender o contexto em que vivemos, ajuda a entender melhor a Europa, e é disso que eu gosto aqui. Criar uma base para a discussão a uma escala muito grande.

Clique na imagem para ver o mapa em tamanho maior:

Quantos mapas já desenhou?
Diria que cerca uma centena. Já faço isto há 12 anos e por ano faço à volta de oito trabalhos destes. Fazemo-lo paralelamente ao trabalho de arquitetura. Todas as coisas que fazemos são as nossas próprias ideias, ilustramos aquilo que pensamos que deve ser ilustrado, aquilo que é importante para os europeus, para o mundo. Depois publicamos os nossos trabalhos em vários jornais e revistas de todo o mundo, lembro-me da Geomagazine ou a Wired, por exemplo, que nos pedem permissão para publicar os trabalhos.

Enquanto estudioso interessado nesta questão dos desejos independentistas, como olha para a situação que se vive hoje na Catalunha?
Diria que gosto do mapa que fizemos. Gosto da diversidade, da existência de vários países. É bonito e penso que se toda a gente pudesse ir pelo seu próprio caminho como a Checoslováquia fez com a Eslováquia e a República Checa seria muito bom. Porque é que devemos lutar por causa de fronteiras? Se somos mais felizes num território mais pequeno, tudo bem.

Contudo, isto não deve acabar numa deriva nacionalista. Aquilo de que eu não gosto na situação da Catalunha é que os catalães acham que são melhores que as pessoas de Andaluzia, por exemplo, e eu acho que isso é ridículo. No mundo há hoje 203 países ou estados-nação soberanos e eu acho que o mundo é muito grande para apenas 203 países. Podíamos ter 500 nações, ou mil nações. Porque não?

Gostava de ver uma Europa como a representada no seu mapa?
Não veria isso como um problema. Se temos uma União Europeia, que os junta todos, é a mesa das negociações… Agora há 27 pessoas sentadas à mesa das negociações. Mas se houver 100 pessoas não haveria problema nenhum. Sim, gostaria de ver a Europa assim.

A situação que se vive agora na Catalunha pode gerar uma onda de independentismo no resto da Europa, dando gás a outros movimentos pró-independência?
Não há atualmente nenhum país que apoie a Catalunha. A Rússia tem medo de perder território e há lá vários movimentos independentistas. A Bélgica pode desmoronar-se. O Reino Unido a mesma coisa. Não há nenhum estado-nação que apoie a Catalunha, todos apoiam a Espanha, porque todos os estados pensam que perdem se perderem território. Vemos uma espécie de tirania do poder do estado-nação. Estabelecemos um sistema muito estável que torna muito difícil o sucesso de um estado como a Catalunha. É quase explosivo, porque tivemos um tempo tão estável nos últimos 70 anos. Se alguma coisa mudar, há um grande potencial para criar tensão quando não há um acordo mútuo. Os outros países estão a passar a mensagem a Espanha para não deixar a Catalunha sair.

Depois de analisar tantos e tão diferentes movimentos independentistas por toda a Europa, de várias ordens de grandeza e implantação, que motivos encontra para justificar a emergência destes movimentos?
Penso que há dois motivos. O primeiro é o mais egoísta. O argumento do “nós somos mais ricos do que o resto do país e temos de lhes pagar muito dinheiro, por isso queremos ser independentes para não pagar”. Esse eu acho que é um mau motivo, porque é muito egoísta e demonstra falta de visão. O outro motivo é o facto de haver regiões que se sentem subjugadas pelo estado-nação e não se sentem parte daquele país. Uma questão de identidade. Penso que, por exemplo, na Bélgica, seria muito melhor que a Valónia e a Flandres se separassem. Estão fechados num estado que não ajuda as duas regiões. Estas são as duas principais razões, a meu ver.