Antes do encontro, Jorge Jesus assegurava que o Sporting teria de mostrar os seus argumentos para provar o porquê de querer estar no topo e Abel Ferreira quase que se colocava como um ator secundário ao afirmar de forma convicta que o Sp. Braga iria defrontar um adversário com o melhor plantel e treinador dos últimos 15 anos (não foi uma mera coincidência, o técnico queria mesmo recuar até à derradeira época em que os leões tinham sido campeões com um conjunto de luxo onde andavam Jardel, João Pinto, André Cruz, Quaresma, Hugo Viana e tantos outros).

Depois do encontro, o filme que se viu foi outro. E serviu para quebrar uma série de mitos.

Mito 1, a questão do tempo de recuperação. O Sporting teve um jogo de grande intensidade com a Juventus na terça-feira, onde os jogadores acabaram de rastos, mas o Sp. Braga foi disputar uma partida importante para a Liga Europa à Bulgária na quinta-feira à noite, quase não tendo tempo para recuperar. O que se viu? Uma equipa bracarense muito mais solta e disponível contra um adversário que perdeu dois titulares com problemas musculares.

Mito 2, a questão de haver Jorge Jesus e os outros. Durante muito tempo, ganhando ou não o título pelo Benfica, o atual treinador do Sporting era tido como uma espécie de eminência a nível de estratégia de jogo, que surgia no desenvolvimento do que fazia em treino ao longo da semana. O que se viu? Depois da predominância tática do Rio Ave de Miguel Cardoso na jornada anterior, o Sp. Braga de outro técnico da nova geração, Abel Ferreira, voltou a ganhar em termos de preparação e reação ao longo de todo o encontro, empatado ou em desvantagem.

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Mito 3, a questão do vídeo-árbitro acabar de vez com o erro. A introdução das novas tecnologias auxiliou, e muito, a uma certa pacificação no futebol português e à clara diminuição dos erros grosseiros que existiam; no entanto, é apenas uma ferramenta que ajuda os árbitros, esse ser humano que, como qualquer um, também erra e tem esse direito. E que hoje voltou a errar demasiadas vezes (em termos técnicos e disciplinares), num dos casos até por culpa própria (e não falamos do facto de se ter esquecido do apito no balneário ao intervalo, que aconteceu).

Posto isto, vamos ao jogo. Esse momento que, por si só, valeu por um filme. E muito por culpa de um realizador improvável que parece apostado em construir carreira neste nosso futebol com filmes todas as semanas.

Ficha de jogo

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Sporting-Sp. Braga, 2-2

11.ª jornada da Primeira Liga

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Carlos Xistra (AF Castelo Branco)

Sporting: Rui Patrício; Ristovski, Coates, André Pinto, Jonathan Silva; Battaglia, Bruno César (Alan Ruíz, 87′); Gelson Martins, Bruno Fernandes, Acuña (Podence, 44′) e Bas Dost (Doumbia, 80′)

Suplentes não utilizados: Salin, Tobias Figueiredo, Petrovic e Mattheus Oliveira

Treinador: Jorge Jesus

Sp. Braga: Matheus; Ricardo Esgaio, Ricardo Ferreira, Raúl Silva, Marcelo Goiano (Fábio Martins, 74′); Fransérgio, Vukcevic, Danilo; Xadas (João Carlos Teixeira, 65′), Ricardo Horta e Paulinho (Dyego Sousa, 81′)

Suplentes não utilizados: André Moreira, Bruno Viana, André Horta e Hassan

Treinador: Abel Ferreira

Golos: Bas Dost (66′), Dyego Sousa (85′, g.p.), Danilo (89′) e Bruno Fernandes (90+4′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Raúl Silva (34′), Ricardo Esgaio (45′), Vukcevic (68′) e André Pinto (82′)

Havia uma ideia (mais ou menos justa, agora não interessará muito) muitas vezes repetida em Alvalade: Abel era um voluntarioso, empenhado, dava tudo a defender, mas cruzava constantemente para a baliza. A sua camisola 78 não era por certo das mais vendidas, mas a verdade é que as duas Taças de Portugal e outras tantas Supertaças só chegaram ao museu de Alvalade por jogadores como ele. Não era um Liedson, não era um Nani, não era um João Moutinho, mas era daqueles elementos sem os quais não se conseguem construir verdadeiras equipas.

Nesses seis anos em Alvalade, Abel era um jogador diferente: mais do que fazer o que lhe diziam no treino, queria perceber o porquê de se fazer aquilo no treino. Tinha livros como o de José Mourinho na mesa de cabeceira. E ideias que às vezes nos passam um pouco ao lado, como explicou que, em média, um jogador tem apenas dois minutos a bola nos pés por jogo, o que obriga a que saiba o que fazer e como fazer de forma célere.

Foi também apoiado nesta ideia que Abel preparou esta deslocação a Alvalade, para defrontar aquele que era o melhor plantel com o melhor treinador do Sporting desde 2002 (último ano em que os leões conseguiram ganhar o Campeonato): povoou mais o meio-campo juntando Vukcevic, Danilo e Fransérgio, deixou Paulinho sozinho na frente e colocou Xadas e Ricardo Horta na dupla missão de apoiarem os laterais e arriscarem na meia-distância.

Funcionou. E o Sp. Braga teve um ligeiro ascendente nos 25 minutos iniciais. Porquê? 1) soube explorar a profundidade sabendo que os leões atuam em casa com a defesa muito subida sem estarem propriamente com centrais rápidos; 2) conseguiram condicionar, e muito, a primeira e segunda fases de construção verde e brancas, refém de um ‘6’ com as características de William Carvalho; 3) foram secando os alas dos visitados.

Paulinho, num chapéu demasiado torto para ser verdade após um erro de Coates na saída de bola (4′), Ricardo Horta, num remate enquadrado bem travado por Rui Patrício (13′), e Xadas, num disparo forte mas que saiu por cima (26′), materializaram essa boa entrada dos arsenalistas, entre dois lances tendo Bruno Fernandes como protagonista (5′ e 19′) onde o médio podia ter feito mais (como já fez, durante este Campeonato). Até nas bolas paradas se percebia o trabalho de casa dos visitantes, embora sem criar muito perigo.

Falamos de bolas paradas, falamos de lances de estratégia e chegamos aos 20 minutos mais conseguidos do Sporting antes do intervalo, que tiveram como primeira grande oportunidade um cabeceamento de Coates após canto da direita que só não inaugurou o marcador porque Matheus fez uma defesa fantástica (29′). Mais tarde, foi Bruno Fernandes de livre direto a dar a clara sensação de golo, mas o brasileiro sacou outra grande parada (38′). Pelo meio e depois, os leões conseguiram travar de melhor forma as saídas adversárias, o que lhe dava mais posse e capacidade de ir explorando a velocidade nos corredores laterais ou as combinações com Dost pelo corredor central.

Mesmo antes do intervalo, primeira baixa por lesão. E na equipa que tinha mais 48 horas de descanso: Acuña sentiu uma picada na coxa, caiu no relvado e foi substituído por Podence. Bas Dost, aos 80′, sofreria do mesmo.

O segundo tempo começou como a primeira parte, mas com uma dose de polémica. O que quer isto dizer? O Sp. Braga nem sempre jogou mais, mas jogou quase sempre melhor. E começou praticamente a marcar, por Fransérgio, num lance mal avaliado mas fácil de explicar: o brasileiro estava em linha quando fez o movimento de rutura para ir receber a bola na área (como provavelmente deve ter sido confirmado pelo vídeo-árbitro), mas rematou para a baliza (e para golo) quando o lance já não contava porque o assistente, mal, levantou a bandeira e o árbitro Carlos Xistra seguiu a indicação quando se devia ter “protegido” e deixar seguir para questionar depois.

A qualidade caiu, o número de faltas aumentou, o Sporting voltou a criar perigo na sequência de uma bola parada (desvio de Podence ao segundo poste após canto, 53′). Mas estava para chegar o melhor momento dos leões. Que se resumiu a quatro minutos: primeiro, após um cruzamento da esquerda, Dost desviou ao lado aparecendo ao segundo poste (63′); depois, no seguimento de uma fantástica desmarcação de Bruno Fernandes da direita, o holandês surgiu ao primeiro poste e não perdoou, inaugurando o marcador em Alvalade (66′).

Ainda houve um cruzamento perigoso de Jonathan Silva, mas o Sp. Braga estava mesmo apostado em deixar marca e, com mais risco (Fábio Martins e Dyego Sousa nos lugares de Marcelo Goiano e Paulinho), instalou-se no último terço ofensivo com bola. Houve remates ao lado, cantos perigosos, cortes decisivos das figuras mais improváveis (como aquele em que Gelson Martins foi à área tirar um golo a Ricardo Esgaio) e, nos últimos cinco minutos regulamentares, dois golos: Dyego Sousa empatou num penálti desnecessário de Coates aos 85′, Danilo conseguiu a reviravolta com um fantástico pontapé de fora da área ao ângulo aos 89′.

Parecia que tudo estava decidido mas, nos descontos, em mais um lance polémico não pela falta de Ricardo Horta mas por uma eventual infracção de Doumbia sobre Ricardo Ferreira nessa jogada, Bruno Fernandes fez o 2-2 final também de penálti. A bola voltou ao meio, o jogo acabou; caso contrário, a probabilidade de continuar a haver uma avalanche de golos em qualquer uma das balizas era grande…

No final do encontro, Abel Ferreira falou e muito da arbitragem, ao passo que Jorge Jesus lamentou não ter conseguido ir a tempo de lançar Petrovic em campo (estava preparado quando surgiu a grande penalidade do Sp. Braga que Dyego Sousa converteu). Mas ninguém falou do mito com que abrimos o texto: o plantel do Sporting tem de facto muita qualidade, mas continuam a não existir (ou a não serem potenciadas) segundas linhas à altura. Sem Piccini, Mathieu, Fábio Coentrão e William Carvalho, o caso muda logo de figura. O jogo com a Juventus, em tudo aquilo que representou, ainda foi uma exceção e nunca uma regra.