A Comissão Europeia considera que o Orçamento não tem qualquer esforço orçamental estrutural, o que configura o incumprimento dos compromissos assumidos pelo Governo português para com a União Europeia, e deixa Portugal exposto à abertura de um Procedimento por Desvio Significativo na primavera. O défice orçamental no próximo deve ficar igual ao deste ano, antecipam os técnicos. O crescimento económico foi revisto em alta, mas no próximo ano ainda deve ficar uma décima aquém do previsto.

O Conselho das Finanças Públicas já tinha avisado esta semana que a redução do défice prevista no Orçamento para 2018 é conseguida maioritariamente à custa do crescimento económico e da redução de juros, ou seja da conjuntura, e sem contributo de medidas de política.

Agora é a vez da Comissão Europeia fazer a sua própria avaliação. Nas previsões de económicas divulgadas hoje para a União Europeia, Bruxelas estima que a o défice orçamental no próximo ano não diminua, mantendo-se nos 1,4% do PIB, um valor superior aos 1% da meta previsto pelo Governo no Orçamento. Esta ainda não é a avaliação do orçamento propriamente dito, isso acontecerá nas próximas semanas, mas já tem em conta a informação da proposta de Orçamento.

Esta nem seria a meta mais importante. Com a saída do Procedimento dos Défices Excessivos no verão passado, a Comissão passou a prestar mais atenção ao saldo estrutural e aí há regras mais definidas: um ajustamento mínimo de 0,6% do PIB potencial por ano.

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No entanto, tal como já tinha alertado anteriormente, essa redução só acontece em parte em 2017 – 0,2% do PIB, ou um terço do recomendado – e no próximo ano, depois de avaliados os planos do Governo, não deve haver qualquer esforço.

Ou seja, o Governo está a prever que o défice estrutural caia de 1,8% para 1,3%, mas a Comissão Europeia vem agora dizer que nas suas próprias contas, com base nos números do Governo, o défice estrutural deve manter-se nos 1,8% do PIB potencial no próximo isto.

Isto quer dizer que, excluindo os efeitos do ciclo económico, não há qualquer esforço para a redução do défice no próximo ano. Os números são ainda mais negativos se se excluir destas contas o efeito dos juros – que só parte dizem respeito a medidas de política -, com este défice a aumentar.

“Como o impacto das medidas discricionárias e da poupança com juros em 2018 deve manter-se neutro, prevê-se que o saldo estrutural se mantenha globalmente estável”, diz a Comissão Europeia.

A Comissão já tinha enviado uma carta para o Governo português a pedir explicações sobre as contas do Orçamento e a falta de redução do défice estrutural, tal como o fez em 2016, à qual o Governo já respondeu.

Caso o Governo não faça alterações ao Orçamento do Estado poderá arriscar-se a que em maio, quando a Comissão fizer a avaliação dos orçamentos e da sua execução, seja aberto um novo procedimento contra Portugal, que embora diferente do Procedimento dos Défices Excessivos, também pode vir a implicar mais controlo e até, em último caso, sanções.

O Conselho das Finanças Públicas deixou esse aviso esta semana, na análise que fez da proposta de Orçamento. Nesse documento, a instituição liderada por Teodora Cardoso acusou o Governo de fazer “apenas os mínimos indispensáveis” para cumprir as regras numéricas, mas tentando usar todas as falhas nas regras para conseguir dar essa imagem.

O CFP lembrou também à falta de redução do saldo estrutural ao nível com que Portugal se comprometeu com os seus parceiros da União Europeia, o Orçamento tem ainda outra componente que pode dar dores de cabeça ao Governo português. Segundo o CFP, o desvio do crescimento da despesa primária excede em média 1% em 2017 e 2018.

Caso um destes dos indicadores tenha um desvio superior a 0,5% ao valor recomendado em cada um dos anos, ou em dois anos consecutivos, “pode conduzir à abertura de um procedimento por desvio significativo”, algo que só aconteceria na avaliação que é feita na primavera. Ou seja, o Orçamento poderia ser aprovado nas próximas semanas por Bruxelas, mas chegada a altura de fazer a avaliação em maio, a Comissão pode abrir um Procedimento por Desvio Significativo, que em última análise pode conduzir a sanções ao país.

As previsões da Comissão representam ainda assim uma melhoria face às suas mais recentes previsões, de maio. Nessa altura, os técnicos da Comissão antecipavam que o défice atingisse os 1,8% do PIB este ano, acima dos 1,5% previstos pelo Governo. Agora alinham as suas contas para os 1,4% previstos pelo Governo no Orçamento.

No que diz respeito ao próximo ano, apesar de a diferença ser considerável face ao objetivo do Governo, também representa uma melhoria face ao que era previsto em maio. De acordo com os números dados a conhecer esta quinta-feira, o défice no próximo ano deverá manter-se nos 1,4% no próximo ano, melhor que os 1,9% previstos em maio, ainda que aquém dos 1% da meta para 2018 que o Governo tem desde abril, altura em que apresentou a atualização do Programa de Estabilidade.

Crescimento revisto em alta

O crescimento esperado para a economia portuguesa foi revisto em alta face às últimas previsões da Comissão Europeia, realizadas em maio. Na altura a comissão esperava que a economia crescesse 1,8%, tanto quanto o Governo esperava na mesma altura, e agora reviu as previsões para este ano para o mesmo valor que o Governo reviu as suas, passando também para 2,6%.

Para o próximo ano, a Comissão esperava em maio que a economia crescesse apenas 1,6%, menos duas décimas que a previsão do Governo nessa mesma altura – 1,8% – e agora também as reviu para acompanhar as expetativas do Governo português, mas ligeiramente abaixo. Na nova previsão da Comissão, a economia cresce 2,1% no próximo ano, uma décima abaixo dos 2,2% previstos pelo Executivo na proposta de Orçamento entregue ao Parlamento e a Bruxelas.

Menos desemprego, mais emprego

Também há onde a Comissão Europeia é mais otimista que o Governo. É o caso das expetativas para o mercado de trabalho. Segundo a Comissão Europeia, a taxa de desemprego deve cair para os 9,2% esperados pelo Governo este ano, mas em 2018 a descida da taxa de desemprego deve ser maior que a esperada pelo Executivo: 8,3%, em vez de 8,6%.

Esta previsão parece justificada pelo crescimento do emprego acima das expetativas que a Comissão Europeia, tanto este ano como no próximo. Segundo os técnicos, o emprego deve crescer 2,9% este ano – o Governo espera que este crescimento seja de 2,7% – e em 2018 um novo impulso, com Bruxelas a esperar que o emprego cresça 1,2%, contra os 0,9% esperados pelo Governo.