A maioria da comunidade LGBTI em Timor-Leste sofreu violência e abuso psicológico e físico, incluindo casamentos forçados e violações para ‘corrigir’ a identidade sexual, segundo o primeiro estudo sobre esta comunidade timorense.

O relatório, divulgado esta semana, documenta vários testemunhos de abuso psicológico e físico, incluindo violência doméstica, casamentos forçados e tentativas, por membros da família, de mudar a orientação sexual e identidade de género das pessoas.

Examina ainda outros fatores sociais e económicos, como a dependência financeira das famílias, e como isso afeta as suas vidas na sociedade timorense, recomendando ao Governo e à sociedade civil mais apoio às mulheres lésbicas e bissexuais e aos homens transexuais, criando “oportunidades para aumentar as suas próprias capacidades de forma a ajudá-los a ser os principais defensores dos seus próprios direitos”.

O primeiro estudo sobre as vidas de mulheres lésbicas e bissexuais e sobre homens transexuais em Timor-Leste foi realizado em conjunto pela organização timorense Rede Feto (Rede Mulher) e pela organização ASEAN SOGIE Caucus, que luta por direitos LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexo) no sudeste asiático.

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Mulheres e homens ouvidos para o estudo relataram ter sido alvo de atos de violência homofóbica extrema, muitas vezes às mãos de membros da sua própria família que além dos abusos físicos os humilhou junto de vizinhos e comunidade em geral.

Ataram-me às traseira de um carro e arrastaram-me pela estrada para que todos vissem”, contou uma das pessoas entrevistadas.

O meu irmão atou-me, arrastou-me, tentou enforcar-me com uma mangueira e manteve-me num tanque cheio de água durante horas. Várias vezes tentei matar-me”, confessa outra.

Muitos dos entrevistados tiveram de ser hospitalizados várias vezes e outros a têm, ainda hoje, cicatrizes da violência que sofreram.

Comum a muitos dos relatos, especialmente de mulheres, é o facto de descreverem tentativas das suas famílias as ‘converterem’ à heterossexualidade com medidas “cruéis”, incluindo serem obrigadas a beber sangue de galinha para “as limpar”. Muitas mulheres relatam ter sido violadas por familiares com o objetivo de as ‘corrigir’.

Fui violada pelo meu próprio tio que dizia que assim podia mudar a minha orientação sexual, forçando-me a relacionamento heterossexual. Eu fiquei grávida, mas consegui medicina tradicional e tive um aborto. Depois disso tive que fugir de casa e viver com amigos”, conta outra das mulheres ouvidas.

O estudo mostra que muitos dos membros da comunidade LGBT timorense ganham menos ou têm dificuldades em encontrar emprego, com as mulheres – já alvo de violência em Timor-Leste – a sentirem ainda mais na pela as dificuldades.

Ryan Silveiro, coordenador regional da ASEAN SOGIE Caucus, diz que este relatório sem precedentes quer ajudar a reforçar o movimento LGBTI em Timor-Leste, país que este ano realizou a sua primeira marcha do Orgulho.

Embora existam esforços de advocacia em curso para promover os direitos das pessoas LGBTI, percebemos que as mulheres lésbicas, bissexuais e os homens transexuais são marginalizados. Este relatório coloca uma luz sobre seus problemas e procura ampliar os espaços políticos futuros para eles se envolverem”, explicou.

Iram Saeed, um dos autores do relatório, considerou a investigação um “esforço pioneiro na história de Timor Leste” que serve para dar a conhecer a realidade de uma comunidade que continua a sofrer violações aos seus direitos humanos. “Está previsto utilizar os resultados em várias plataformas nacionais e regionais para aumentar a consciencialização sobre questões de direitos LGBTI”, explicou.