O uso continuado de calmantes “tem mais risco do que benefício para a saúde” e “a eficácia a longo prazo” do consumo de benzodiazepinas e “não está demonstrada”, sendo que criam dependência com facilidade. Ainda assim, e apesar de há muitos anos os especialistas apontarem para os riscos do consumo destes medicamentos, em 2016, 1,9 milhões de utentes portugueses adquiriram pelo menos uma embalagem de medicamentos destinados sobretudo ao tratamento das perturbações de ansiedade e insónia e 800 mil tomaram-nos diariamente.

No âmbito da campanha nacional de sensibilização para a sobreutilização das benzodiazepinas em Portugal que é lançada esta segunda-feira, a Coordenação Nacional da Estratégia do Medicamento e dos Produtos de Saúde elaborou um documento para os profissionais de saúde, a que o Observador teve acesso, para que estes reconheçam que a utilização deste medicamentos tem riscos associados, para perceberem também que têm de monitorizar a suspensão da utilização destes medicamento e conhecer as alternativas.

O consumo de benzodiazepinas — usadas nas perturbações da ansiedade e em casos de insónia — verifica-se sobretudo no género feminino (70%) e nas faixas etárias entre os 55 e os 79 anos. Mas, de acordo com o dito documento, também se verifica uma “utilização significativa” de benzodiazepinas em crianças: nos rapazes até aos nove anos e nas raparigas a partir dessa idade.

Neste boletim destinado aos profissionais, os especialistas insistem que as benzodiazepinas “só devem ser utilizadas se a insónia for grave, incapacitante ou provocar um desconforto extremo” e deve ser administrada a dose mais baixa, por um período máximo de quatro semanas, intermitentemente. Sendo que a suspensão do consumo também deve ser lenta e acompanhada, com alternativas ao nível das intervenções não farmacológicas. No caso da ansiedade, as benzodiazepinas só devem ser usadas “para o alívio a curto prazo (8-12 semanas) da ansiedade grave, incapacitante ou que provoca uma angústia inaceitável”. E mesmo assim os calmantes nunca devem ser a primeira opção. Alternativas? “A intervenção cognitivo-comportamental é o tratamento com maior demonstração empírica de eficácia” e o “exercício físico é outra estratégia com bons resultados que importa considerar”.

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Entre os efeitos adversos da toma destes medicamentos destacam-se as fraturas por queda e os acidentes de viação porque as benzodiazepinas aumentam o tempo de reação, perturbam o equilíbrio, provocam sonolência e a alteram a visão. E, quando consumidas durante muito tempo, podem provocar alterações na memória e na aprendizagem, com um défice cognitivo a curto prazo que recupera com a suspensão da toma destes medicamentos, mas não na totalidade. E criam dependência com facilidade. “Em cerca de metade dos doentes que utilizam benzodiazepinas por mais de um mês ocorre dependência”, lê-se no boletim que será distribuído junto dos médicos.

A utilização das benzodiazepinas tem-se mantido em Portugal superior à de outros países, com um consumo diário por 1.000 de 114 em 2015. Em 2016 baixou para 80 DHD, mas continuou a estar no topo, pelo menos dos países com dados disponíveis.

E olhando para o País, apesar do número absoluto de consumos ser superior no Norte, é nos Açores que se regista o maior consumo por habitantes, seguida pelas Administrações Regionais de Saúde (ARS) do Centro e do Norte. A ARS do Algarve regista a menor utilização.

Em valor absoluto é na região norte que se consomem mais benzodiazepinas, mas tendo em conta os habitantes, os Açores dominam

Esta segunda-feira o tema estará em discussão na Fundação Calouste Gulbenkian, a partir das 9 horas, no simpósio “Dormir e relaxar sem depender de benzodiazepinas (calmantes)”, promovido pela Coordenação Nacional da Estratégia do Medicamento e dos Produtos de Saúde, em colaboração com outros 14 departamentos do Ministério da Saúde e as Ordens dos Médicos, dos Farmacêuticos e dos Psicólogos.