Se é verdade que a História tem dividido o mundo, também é certo que muitas vezes o junta. Uma coleção que seria de esperar ver na Alemanha, na Polónia, ou até mesmo noutro qualquer país da Europa central, está precisamente do outro lado do Atlântico. É uma coleção de pinturas sobre a Segunda Guerra Mundial e quatro delas são aguarelas pintadas pelo próprio Adolf Hitler.

A galeria pode ser vista em Woodbridge, Virgínia, mas não por toda a gente. Na reportagem publicada pela Washingtonian, o repórter conta que não é fácil chegar à exposição, uma vez que o Centro de História Militar, que supervisiona a coleção do Exército “pouco faz para divulgar as peças nazis que tem na sua posse”, acrescentando que “foram emprestadas apenas duas vezes na última década”.

Entre as obras que se podem apreciar, há um busto enorme de Adolf Hitler – na posse do Exército há sete décadas, e trazido do Ninho da Águia, último refúgio de Hitler, pelos soldados aliados – e centenas de outras peças, incluindo quatro aguarelas “sinistras” pintadas por Hitler. A coleção, que retrata a propaganda alemã através da arte, está fechada dentro de um cofre.

Um dos motivos que leva o Centro de História Militar a manter quase sob segredo a enorme coleção de arte é o ressurgimento de grupos de extrema direita na América nos dias que correm – “Há uma linha muito estreita na qual temos de caminhar, pois não queremos que seja [a coleção de arte] um ponto de encontro para o nazismo”.

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Como a coleção de arte foi parar ao outro lado do mundo

Gordon Gilkey, filho de um fazendeiro de Oregon e formado em arte, conheceu Franklin Roosevelt após este ter ficado impressionado com as obras artísticas que Gilky mostrara na Feira Mundial de 1939. Ora, aquando do início da Segunda Guerra Mundial, Gilky pressionou Roosevelt para colocar especialistas de arte a salvar as obras-primas existentes na Europa.

Em 1943, Roosevelt estabeleceu a Comissão Americana para a Proteção e Salvamento de Monumentos Artísticos e Históricos em Áreas de Guerra como Presidente da Suprema Corte Owen J. Roberts. A esta comissão juntaram-se figuras notáveis do mundo da arte como Paul Sachs, do Fogg Museum em Harvard, e David Finley Jr., diretor da National Gallery of Art. Em conjunto, reuniram uma equipa, conhecida por “Monuments Men”, que andou Europa fora libertando as peças de arte que os nazis tinham roubado de famílias, igrejas e museus judaicos.

Gilkey acabou por ficar responsável pelo Escritório do Chefe de História Militar no comando europeu dos EUA e no final da guerra conseguiu ter o seu próprio projeto de arte. Deste modo, ficou encarregado de realizar uma promessa de Roosevelt: “remover todas as influências nazistas e militaristas do cargo público e da vida cultural e económica do povo alemão”.

Durante a sua tarefa, nada fácil, Gilky acabou por confiscar 8.722 peças de arte por toda a Europa, algumas das quais foram então enviadas para Washington, em março de 1947. Três anos depois, os EUA quiseram devolver 1.659 peças à Alemanha Ocidental, mas o país do pós-guerra não as aceitou. Só anos mais tarde, em 1981, o deputado G. William Whitehurst da Virgínia introduziu legislação para repatriar toda a arte alemã na posse dos EUA e o presidente Ronald Reagan assinou o projeto no ano seguinte.

Apesar da legislação, nem todas as obras voltaram ao seu local de origem. O exército decidiu que as peças que mostravam suásticas ou celebrações de líderes nazis mortos deveriam permanecer em território americano, ficando assim com 586 obras. Parte da coleção que voltou à Alemanha está hoje exposta no Deutsches Historisches Museum, em Berlim.

Através da arte, Hitler ordenou a documentação das ações das tropas alemãs, principalmente em forma de pinturas, que eram exibidas em museus e casinos administrados por militares. Outras pinturas retratavam o líder do Terceiro Reich como o Deus todo poderoso. A propaganda visual foi um aspeto fundamental na ascensão de Hitler ao poder. Através do apelo às emoções, Hitler conduziu a Alemanha, a Europa e o mundo para um período trágico da história da humanidade.