Treze coordenadores da Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (DICAD) da região Norte, serviço que tutela o tratamento das dependências, demitiram-se em protesto contra o Governo, depois de denunciarem “uma situação de ingovernabilidade” que se arrasta há cinco anos. Responsáveis pela zona Centro também ameaçam com a demissão.

O anúncio foi feito numa carta enviada à Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte e mereceu o destaque do jornal Público, que teve acesso à missiva. Em causa está a entropia provocada pela extinção do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), há já cinco anos, fazendo migrar as suas estruturas para a ARS, com o objetivo, nunca concretizado, de integrar este tipo de tratamentos na rede de cuidados de saúde primários.

Até 2011, o IDT concentrava todas as competências na prevenção e tratamento da toxicodependência. Este instituto acabaria por ser extinto em 2012, pelo então Governo de Pedro Passos Coelho, como parte do esforço de contenção de custos a que o país estava obrigado. Foi criado o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), criadas cinco divisões regionais integradas nas administrações regionais e os técnicos do IDT foram transferidos para aquelas estruturas. Os centros de atendimento a toxicodependentes foram ainda substituídos pelos Centro de Respostas Integradas (CRI), onde os toxicodependentes deveriam ser tratados em regime de ambulatório na rede de cuidados de saúde primários.

No entanto, toda estas alterações, resumiram os dirigentes demissionários, introduziram indefinição e entropia ao sistema. Ao Público, uma fonte que preferiu o anonimato explicou a “confusão” que se instalou. “Passámos a ter uma coordenação bicéfala e muito fragmentada. Nas questões administrativas, respondemos às ARS, e, nas técnicas e operativas, ao SICAD. Na prática, é uma confusão”, notou. Exemplo prático: a prescrição da metadona só é possível mediante autorização de introdução no mercado de que o SICAD é titular; a aquisição, transformação e distribuição são também responsabilidade do SICAD; no entanto, o SICAD não tem qualquer intervenção sobre a prescrição e controlo de stocks.

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A integração dos toxicodependentes nos Centro de Respostas Integradas também falhou, argumentam os coordenadores demissionários. “A integração ficou-se pelos aspetos meramente administrativos”, lê-se na carta a que o jornal Público teve acesso.

Na missiva, enviada dia 20 de outubro e até agora sem qualquer resposta, os coordenadores demissionários dizem-se confrontados com uma situação de total de total ingovernabilidade.

“Cinco anos passados, constatamos que, apesar das insistentes chamadas de atenção à tutela para a precariedade da estrutura orgânica e a indefinição sobre a política nacional em matéria de organização dos cuidados de saúde, estes têm-se degradado, a capacidade e motivação dos profissionais decrescido e a capacidade de governação administrativa, clínica e técnica é insustentável neste modelo indefinido”, lê-se na carta.

Ao mesmo jornal, Emídio Abrantes, médico e porta-voz do “Grupo de Aveiro”, que tem reivindicado junto do Governo socialista o regresso ao modelo antigo, que juntava num único organismo todas as competências na área dos comportamentos aditivos, admite que possam existir “mais demissões” noutras zonas do país. “No Centro, vai haver uma reunião dentro de dias, e a hipótese de demissão está em cima da mesa”, explica.