Cerca de dez mil professores manifestaram-se na manhã desta quarta-feira em frente à Assembleia da República, aprovando por unanimidade uma resolução a exigir o descongelamento das carreiras e a recuperação dos mais de nove anos de serviço em que não progrediram.

Enquanto, no interior do Parlamento, os deputados discutiam o orçamento para a Educação sem a presença do ministro Tiago Brandão Rodrigues (internado com síndrome vestibular agudo), os cerca de dez mil professores gritavam palavras de ordem como “não ao apagão!”, rejeitando que os mais de nove anos em que não progrediram nas carreiras sejam ‘apagados’ quando as carreiras forem descongeladas.

A manifestação aconteceu em dia de greve de professores em todo o país. Ao Observador, Mário Nogueira avançou que no início da manhã a adesão à greve era de 90%, com dezenas de escolas encerradas em todo o território nacional.

A histórias dos professores que ali estavam repetiam-se: muitos exercem a profissão há mais de dez anos, mas continuam a receber como se fosse o primeiro ano das suas carreiras.

“Fomos vítimas de bullying por parte dos sucessivos governos”

“Estou no quadro desde 2005, estou vinculado desde esse ano. Mas, de lá para cá, o meu salário não subiu nem um cêntimo. Até desceu, por causa dos cortes”, comenta com o Observador José Carlos Gouveia, 37 anos, professor do 1.º ciclo e de Educação Física em Penafiel.

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“Mantenho-me no primeiro escalão, como se estivesse no primeiro ano de carreira. Um colega que inicie agora as funções vai ganhar exatamente o mesmo que eu. Não tive nenhum tipo de benefício, mesmo estando no quadro há 12 anos e dando aulas há 16”, lamenta.

José Carlos distingue-se dos restantes manifestantes porque, em vez de uma bandeira sindical, traz uma grande cartolina onde relata a sua situação. “Professor há… um mês = 1º escalão; 16 anos = 1º escalão”, lê-se no cartaz.

José Carlos Gouveia, 37 anos, foi de Penafiel a Lisboa para se manifestar a favor da recuperação do tempo de serviço dos professores (JOÃO FRANCISCO GOMES/OBSERVADOR)

O professor de Educação Física lamenta que as pessoas se “esqueçam de que os professores não levam uma vida cor-de-rosa”, e sublinha: “Nós não somos professores universitários ou catedráticos que ganham seis mil euros por mês. Levamos para casa mil e poucos euros por mês e podemos acabar a trabalhar a centenas de quilómetros de casa.”

José Carlos Gouveia é professor em Penafiel, mas a sua zona pedagógica estende-se até Viana do Castelo. Isto significa que um professor de Penafiel pode acabar colocado em Viana do Castelo. “Estamos a falar de mais de 100 quilómetros, com autoestradas, para ir trabalhar todos os dias. Ou então teria de arranjar lá uma casa. E os mil euros ficavam pelo caminho, só em combustível e portagens ou então numa casa”, destaca.

O professor acusa os sucessivos governos, “desde Maria de Lurdes Rodrigues até ao atual ministro”, de fazer “bullying” sobre os professores, e diz ter esperança de que o atual Governo “possa entender a realidade desta profissão”. José Carlos defende, por isso, “uma reorganização da forma de progressão nas carreiras”, mas diz que anúncios “vagos”, como classifica a informação avançada esta manhã pela secretária de Estado adjunta e da Educação de recuperar o tempo de serviço dos professores, são “para tapar os olhos” e exige medidas concretas.

Também Nancy Rafael, 41 anos, professora de Informática em Abrantes, veio de propósito a Lisboa para se juntar ao protesto. Conta que é professora há 16 anos, mas que ainda está no primeiro escalão. “Em condições normais, estaria no terceiro ou no quarto”, comenta.

Nancy Rafael, 41 anos, deslocou-se de Abrantes a Lisboa para participar no protesto (JOÃO FRANCISCO GOMES/OBSERVADOR)

Com uns óculos escuros onde se lê “hoje a aula é na rua”, Nancy Rafael diz ter vindo a Lisboa porque tem “esperança” numa decisão positiva por parte do Governo. “Ficar em casa é que não”, sublinha.

“Pelo menos para o segundo escalão tenho de ir já, mas o justo é subir para o escalão a que teria direito em condições normais, contando todo o meu tempo de serviço”, exige, acusando o Governo de querer “mandar areia para os olhos das pessoas” com promessas pouco concretas.

“É uma forma de nos calar, mas têm de vir com propostas concretas, é isso que exigimos”, afirma Nancy Rafael.

Sónia Rodrigues, 41 anos, Maria João Salgueiro, 40, e Armanda Gonçalves, 36, contam a mesma história. Junto à zona onde o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, vai dando entrevistas, pedem para tirar uma fotografia com o dirigente sindical. “Somos as três contratadas, mas também temos direito ao descongelamento”, atira Sónia Rodrigues.

A colega Armanda Gonçalves destaca que as três, todas professoras na região da Grande Lisboa, dão aulas há pelo menos 16 anos. “Mas é como se estivéssemos no início da carreira”, comenta.

“Apesar de termos horas e horas de formação, de trabalharmos muitas horas a mais do que o que é suposto, continuamos no mesmo escalão, a ganhar o mesmo ordenado”, lamenta Maria João Salgueiro.

Resolução exige descongelamento da carreira e recuperação dos anos de serviço

Do palco vinham gritos de ordem da parte dos dirigentes das várias estruturas sindicais. “Somos nós que educamos este país”, ouve-se nas colunas. “O direito que temos é o de ter todo o tempo de serviço contabilizado, nem menos um dia”, grita-se. A cada frase ouvem-se fortes aplausos por parte dos professores ali presentes.

Antes de discursarem João Dias da Silva (da FNE) e Mário Nogueira (da Fenprof), que encerraram o protesto, foi lida a resolução com as exigências dos professores. O descongelamento das carreiras para todos os professores já a partir de janeiro de 2018 é a primeira e a principal exigência, mas há mais.

Os professores exigem também o estabelecimento de um regime de aposentação próprio, mais clareza na definição dos horários de trabalho — nomeadamente na distinção entre atividades letivas e não-letivas — e ainda um regime “justo e transparente” para os concursos de acesso.

Rejeitando a “discriminação em relação a outras carreiras da administração pública”, os professores exigem sobretudo a reposição dos anos de serviço que não foram contabilizados (altura em que as carreiras estiveram congeladas), mas admitem a “recuperação faseada no tempo”.

Exigir já tudo em janeiro de 2018, defendeu Mário Nogueira, seria “dar trunfos” ao Governo na negociação para dizer “isso não pode ser”.

Mário Nogueira: “O tempo de serviço não está à venda”

O secretário-geral da Fenprof foi o último a discursar esta manhã, garantindo que os sindicatos partem para as negociações de quinta-feira reforçados. “Amanhã vamos estar muito mais fortes na negociação com a força que nos dão os colegas do Norte, do Centro, da Grande Lisboa, do Sul, e lá no Funchal, em Ponta Delgada, em Angra e na Horta”, afirmou o sindicalista.

Nogueira deixou também um aviso ao Governo, reforçando a disponibilidade para negociar o faseamento da recuperação do tempo não contabilizado, mas não o tempo de serviço.

“Sr. primeiro-ministro, em congelamentos ao longo destes anos os professores perderam mais de oito mil milhões de euros. Mas não vimos aqui cobrar os 600 milhões, fique descansado. Porque sempre dissemos que não há um dia de serviço de que nós possamos abrir mão, mas estamos disponíveis para negociar um faseamento“, garantiu Nogueira.

“O tempo de serviço não está à venda, o tempo de serviço não se negoceia, o tempo de serviço é para contar”, atirou Mário Nogueira, abrindo espaço para um forte aplauso.

O dirigente da Fenprof reafirmou a exigência de “respeito” pelos professores. “A malta não está a pedir um aumento de salário ou uma carreira melhor. Estamos a pedir respeito pelo que já foi exercido ao longo destes anos”, afirmou o sindicalista, rematando com uma acusação ao executivo de António Costa. “Chegámos aqui por falta de disponibilidade para dialogar e negociar do Governo.”