Manuel Alegre e a mulher estavam instalados em casa, abrigados da chuva torrencial que não tinha dado tréguas durante todo o dia, quando o telefone tocou. Era sexta-feira, dia 19 de novembro de 1977, e a umas centenas de quilómetros de distância, na ilha da Madeira, o caos estava instalado: o voo 425 da TAP tinha acabado de se despenhar, vitimando mortalmente 130 dos 164 passageiros que seguiam no Boeing 727 baptizado como “Sacadura Cabral”.

“Atendi o telefone e do outro lado houve espanto”, conta ao Observador o histórico socialista. “Parecia que estavam a falar com uma assombração”, acrescenta. Foi nesta altura que Alegre soube do desastre que tinha acabado de acontecer e que, por muito pouco, não o envolveu.

O fatídico voo tinha como ponto de partida a cidade de Bruxelas e destino final o Aeroporto de Santa Catarina (que entretanto ficou famoso por ter ganho o nome de Cristiano Ronaldo). A viagem não era direta, havia uma escala em Lisboa e Manuel Alegre ia aproveitar essa paragem para seguir rumo à Região Autónoma, para marcar presença em “qualquer coisa política” de que já não se recorda.

Antes do embarque começar, Alegre virou-se para a mulher quando já estavam ambos no Aeroporto da Portela, e disse: “Olha, não me apetece ir.” E assim foi. Regressaram a casa sem saber o que viria a acontecer — pelo menos até lhe ligarem.

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“Não tive presságio nenhum, simplesmente não me apeteceu ir. Estava um dia tão chuvoso, tão feio… Comecei a pensar ‘mas o que é que eu vou lá fazer?” explica. Apesar de admitir que até é “uma pessoa de pressentimentos”, Alegre diz que nenhum lhe surgiu enquanto esperava no Aeroporto da Portela. “Foi um acaso, simplesmente”, conclui.

Acaso ou não, a verdade é que político-poeta levou a situação a sério. “Senti que tinha sido avisado de qualquer coisa”, explica, antes de acrescentar que por causa disso, passou muito tempo sem visitar a Madeira. Foi por medo? Alegre é peremptório ao ripostar com um redondo “não”. “Estive na Guerra, assisti a muitas situações complicadas que envolviam helicópteros e aviões, por isso não tenho receio disso”, conta. “Foi por respeito, entende? Fui avisado e senti que devia respeitar isso”.

Foram precisos 27 anos para lá voltar. Só voou para a Madeira quando concorreu para secretário-geral do PS contra José Sócrates e João Soares. “Foi em 2004, com o João Cravinho”, que regressou. Sobre essa viagem, Alegre diz que “correu bem, muito tranquila”. Desde então já lá voltou várias vezes, uma delas em 2011, a propósito das Eleições Presidenciais.

Corrigido o número do voo para TP425, às 20h24.