“A grande maioria dos taxistas quer adaptar-se e aproximar-se do serviço que o consumidor moderno procura.” Quem o diz é Andrew Pennington, presidente da Mytaxi, app que liga 120 mil taxistas a utilizadores em mais de 70 cidades e 11 países europeus. Com mais de 10 milhões de downloads, o líder da aplicação para táxis que concorre com tecnológicas como a Uber ou a Cabify diz ao Observador que “a função do taxista vai mudar significativamente“. “Mas não acho que vá desaparecer, acho que vai mudar.”

Em conversa com o Observador à margem da Web Summit, Andrew Pennington explicou que o futuro do setor vai incluir uma “mudança gradual para os carros autónomos”, que vai começar já em 2020 mas que, mesmo com os carros autónomos na estrada, vão continuar a ser precisas pessoas para outras funções associadas ao transporte de passageiros. “Ainda vão existir muitos empregos para diferentes tipos de serviços, como ajudar a pôr malas no carro, as cadeiras dos bebés, para mostrar a cidade. Vão existir imensas oportunidades”, explica Andrew.

A Mytaxi foi fundada em 2009 na Alemanha. Com cerca de 500 funcionários, está presente em países como a Alemanha, Áustria, Polónia, Espanha, Itália, Portugal, Reino Unido, Irlanda, Suécia, Grécia e Roménia. Foi a primeira aplicação de táxis do mundo a estabelecer uma relação direta entre o passageiro e o taxista. Questionado sobre a resistência que os taxistas têm feito por toda a Europa a aplicações como a Uber, respondeu que a maioria quer adaptar-se.

“Os taxistas têm opiniões diferentes sobre isto e alguns expressam essas opiniões muito mais alto do que as outras pessoas. O que encontro nos sítios onde trabalho é que a grande maioria dos taxistas quer adaptar-se, quer aproximar-se do serviço que o consumidor moderno procura. Alguns fazem muito barulho e outros são arrastados, o que faz com que pareça que são todos assim. Mas, na verdade, o que encontramos é que há uma fatia significativa de taxistas que mudaram. Alguns não mudaram e nunca vão mudar, mas acho que com o tempo esse grupo vai ficar mais pequeno”, afirmou.

Há cerca de um ano, mais de 6.000 taxistas iniciaram uma marcha lenta contra a Uber nas ruas de Lisboa, que nunca chegou ao suposto destino, a Assembleia da República. Depois de alguns confrontos com a polícia, houve cerca de 500 a 600 táxis que ficaram na zona do aeroporto, impedindo a circulação na área. Os dirigentes das associações que representam o setor exigiram reunir com o Governo e, apesar de algumas cedências, não foi suficiente para os taxistas. Em cima da mesa estava a proposta de regulamentação do governo para o transporte em veículos descaracterizados (TVDE), onde se inclui a Uber e a Cabify.

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O que é que ainda separa os taxistas do Governo?

Sobre como deve um país como Portugal regulamentar as plataformas concorrentes aos táxis, Andrew Pennington diz que o seu papel não é dar uma opinião sobre como essa legislação deve ser feita. “A minha empresa está muito focada em trabalhar dentro da legislação existente. E as várias cidades europeias têm diferentes opiniões sobre a segurança e proteção dos cidadãos. Os taxistas têm de ter um certo nível de condições de segurança. Onde desenhas esta linha vai depender de cidade para cidade e a resposta de Lisboa pode ser diferente da de Madrid, por exemplo”, adiantou.

“O consumidor moderno quer tecnologia igual à que é utilizada noutras plataformas”

A Mytaxi é a aplicação para táxis líder na Europa e tem crescido por aquisição de outras empresas. Em setembro de 2014, a startup alemã foi comprada pela Daimler (os valores da operação não foram divulgados), que dois anos depois fundiu a Mytaxi com a principal aplicação de táxis do Reino Unido e da Irlanda, a Hailo. Andrew Pinnington era o presidente executivo da Hailo e transitou para a liderança da Mytaxi. Já em fevereiro de 2017, a Mytaxi comprou a aplicação líder de táxis na Grécia, a Taxibeat, e em junho comprou a Clever Taxi, também líder na Roménia.

Andrew Pennington está consciente dos desafios que o setor dos transportes tem vivido com a entrada de players como a Uber. Ao Observador, explica que “o consumidor moderno quer isto: ter acesso à tecnologia que é igual à que está a ser utilizada noutras plataformas. E há uma mudança de mentalidade em relação à qualidade do serviço. Uma das coisas que a nossa app tem é que permite que os utilizadores escrevam as qualidades dos carros e dos motoristas. É uma coisa que os preocupa e na qual estamos muito em cima”, diz.

Para o líder da Mytaxi, o papel do taxista está cada vez mais orientado para os serviços e não apenas para o transporte dos passageiros.

“As viagens estão a tornar-se cada vez uma melhor experiência. Ontem à noite, quando me foram buscar ao aeroporto, tive uma experiência fantástica. O motorista pôs-me a mala no carro, perguntou-me se a temperatura estava bem, etc. Estava muito preocupado com a minha experiência enquanto cliente e o caminho é esse: pôr o foco na experiência do cliente”, afirmou.

Sobre os desafios que têm nascido no setor do táxi — com a entrada dos concorrentes mais económicos –, Andrew Pennington explica que o caminho tem de passar pela personalização dos serviços prestados ao cliente. “Se os táxis têm preços mais regulados e as alternativas são mais baratas, temos de dar um extra às pessoas, para que optem pelo táxi. A experiência é uma das possibilidades, mas há outras, como a rapidez com que o carro chega ou a segurança”, diz Andrew.

Em Portugal, a Associação Nacional de Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) e a Federação Portuguesa do Táxi têm sido as principais vozes contra as propostas de regulamentação dos TVDE, porque entre outras reivindicações querem que o Governo estabeleça um limite à circulação de carros Uber ou Cabify, ou seja, que haja o “contingente” que já existe para o setor do táxi: um número máximo de carros que pode circular nas estradas definido pelo número de habitantes da cidade e pelas necessidades da população. O Governo diz, contudo, que essa medida é inconstitucional.