É conhecido como “o senhor automóvel”, entre outros motivos, porque já fez de tudo na indústria dos veículos de transporte. Bob Lutz nasceu suíço, mas passou rapidamente a americano, o que não o impediu de ocupar diversos lugares em cargos de direcção e desenvolvimento na BMW e na GM Europa, antes de rumar à Ford, Chrysler e GM nos EUA, onde terminou a sua carreira como vice-chairman.

Hoje com 85 anos, sempre que pode ou alguém lhe coloca um microfone à frente, critica tudo o que o fabricante americano de carros eléctricos faz. Mesmo se todos os outros construtores, especialmente os europeus e alguns japoneses, fazem o mesmo, ou seja, apostam nos veículos eléctricos e em fábricas de baterias, mas ainda em maior escala. Veja aqui as últimas declarações de Lutz na CNBC.

Não é a primeira vez que Bob Lutz se coloca ao dispor da GM para atacar quem ousa aborrecer ou criticar o gigante americano. Basta recordar o seu blog Fastlane, que esteve alojado nos blogs do site da GM, e que Bob utilizava para desacreditar os jornalistas que criticavam os veículos do seu patrão, ou punham em causa o seu desempenho comercial.

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Mas se Lutz é um técnico experiente e um gestor respeitado, é também dos poucos indivíduos com formação e responsabilidades na área que é capaz de, sem se rir, afirmar que o aquecimento global e os danos provocados ao ambiente pelo excesso de emissões de CO2 nada tem a ver com as actividades do ser humano, ou especificamente, com os meios de transporte alimentados por derivados de petróleo. Se não acredita, pode ver aqui:

O mesmo Bob Lutz, que na GM foi um dos impulsionadores do Chevrolet Volt (que conhecemos na Europa como Opel Ampera, o veículo eléctrico alimentado por baterias, que por sua vez poderiam ser recarregadas por um motor/gerador a gasolina), manifestou o seu respeito pela Tesla quando esta estava a iniciar a actividade. Sendo de recordar que o Volt apenas foi construído porque o governo americano pagou a conta, fruto de incentivos aos três grandes construtores, para que produzissem veículos eléctricos com extensores de autonomia.

Bob Lutz admitiu então, na entrevista que pode ver acima, que Elon Musk “é o seu género de indivíduo” (13.05). Mas agora mudou de ideias: se, por um lado, admite que o produto é bom, defende, por outro, que o modelo de negócio é péssimo e vai levar à falência o construtor americano de automóveis eléctricos.

É claro que não faltou quem pensasse – com ou sem razão, dirá o leitor – que mais este ataque de Lutz tinha qualquer coisa a ver com o anúncio de Mary Barra, pois a actual CEO da GM revelou que o gigante americano finalmente se tinha rendido aos eléctricos e que pensava ter em circulação 1 milhão de veículos movidos a electricidade até 2026. Nada mau para um grupo de marcas que processou o Estado da Califórnia quando este impôs uma quota de carros eléctricos aos construtores que pretendiam comercializar os seus produtos naquela região, no que foi um dos movimentos decisivos para incentivar os fabricantes a desenvolver carros mais “verdes”.

O próprio Lutz tem outras ligações bem mais recentes à indústria. Juntamente com o seu amigo Gilbert Villarreal, antigo executivo da Boeing, aliou-se a Henrik Fisker, o designer que concebeu o BMW Z8 e o Aston Martin DB9, antes de criar a Fisker (que produziu cerca de 2.500 unidades do híbrido Karma durante 2012), que depois viria a falir. Desta união dos três homens da indústria resultou a empresa VLF Automotive, que já fabricou dois veículos de baixa produção (que pode ver na fotogaleria abaixo), daqueles para quem as emissões de CO2 não são um problema, pois são animados por poderosos motores a gasolina.

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Curioso é o facto de Fisker, o sócio do antigo vice-chairman da GM, estar a cerca de um ano de lançar um veículo eléctrico, prometido para o CES de 2018. O objectivo do Fisker EMotion, assim se vai chamar, é bater-se com o Tesla Model S, para o qual vai montar packs de baterias, produzidas pela LG Chem, que fornece igualmente a GM.

Mas além de criticar Elon Musk, por vender os carros muito baratos e logo perdendo dinheiro, Bob afirma que a GM tem baterias melhores e mais baratas que a Tesla. Vamos concentrar-nos só por um momento neste ponto, utilizando uma comparação entre o novo Chevrolet Bolt da GM, 100% eléctrico (similar ao Opel Ampera-e europeu), e o Tesla Model 3. O Bolt tem o comprimento de um Opel Corsa e o Model 3 de um BMW Série 3, com a mesma diferença a manter-se no espaço interior. O Bolt está equipado com uma bateria de 60 kWh, que lhe permite alcançar 150 km/h e percorrer 383 km (segundo o método americano EPA), enquanto o Tesla oferece duas versões, com 50 e 70 kWh, que alcançam 210 km/h e autonomias de 354 e 500 km, respectivamente.

Se o objectivo for comparar a eficácia das baterias, as tais que Bob diz serem melhores na GM (produzidas pela LG Chem, contra as Panasonic da Tesla), os acumuladores do Bolt permitem percorrer 6,38 km/kWh de capacidade, contra 7,08 e 7,14 km/kWh na Tesla. Isto apesar de estarmos a falar de um Model 3 substancialmente maior do que o Bolt, mas apenas ligeiramente mais pesado (1.610 kg do Chevrolet contra 1.618 e 1.760 kg do Tesla, consoante a capacidade do acumulador).

Se a isto somarmos o facto de as baterias do Model 3 poderem carregar a 120 kW, contra apenas 50 kW do Bolt, ficamos com a discussão arrumada em relação ao nível de sofisticação das baterias de ambos os veículo, tendo sempre presente que se o Bolt é comercializado por 37.450$, o Model 3 não vai além de 35.000$ na versão com menor capacidade e prestações similares às do Chevrolet, e mais 9.000$ se equipado com a bateria maior.

E se a Tesla não vai conseguir em atingir as 5.000 unidades por semana do Model 3 até final de 2017 e talvez falhe mesmo as 10.000/semana até ao fim de 2018 (a que equivalem anualmente 500.000 veículos), não deixará de superar largamente a produção que a GM espera para o seu Bolt, que com 90.000 veículos por ano, fica-se apenas pelos 1.730 Bolt por semana – pouco para um gigante com a GM, sobretudo face à pequena Tesla.

Mesmo com as jornalistas a confrontarem Lutz com a adesão dos consumidores e dos accionistas aos veículos da Tesla, o ex-homem da GM continua a não querer ver o que parece óbvio para a maioria. Um pouco à semelhança do que fez quando o tema foi o CO2 e o aquecimento global. É claro que a Tesla atravessa um mau momento, que se manterá enquanto não conseguir produzir o Model 3 ao ritmo desejado, de 400 mil ou 500 mil carros por ano. Mas não são raros os casos de empresas tecnológicas que perdem muito dinheiro nos primeiros anos, até atingirem uma velocidade de cruzeiro. Será este o caso da Tesla? Só o tempo o dirá. Por enquanto, os investidores da marca não lhe retiraram ainda a confiança. Nem o dinheiro.