A Comissão Europeia considera que o Orçamento do Estado para 2018 está em risco de incumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento e convidou as autoridades portuguesas a tomar as medidas necessárias para corrigir o rumo, ainda durante a discussão do Orçamento no Parlamento, que começou esta quarta-feira.

“Hoje damos a nossa opinião sobre as Propostas de Orçamento e instamos os Estados-Membros em risco de incumprimento para com o Pacto de Estabilidade e Crescimento para tomar as medidas necessárias para ajustar a sua trajetória orçamental”, diz o vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo Semestre Europeu, Valdis Dombrovskis.

As conclusões, apresentadas esta quarta-feira em Bruxelas, voltam a juntar Portugal no grupo dos países que estão em risco de violar as normas – Bélgica, Itália, Áustria e Eslovénia. Na opinião da Comissão, o Orçamento português, tal como foi entregue em Bruxelas, não chega para cumprir as metas de redução do défice estrutural, a que está obrigado pelas regras europeias (transpostas para a lei nacional), violando assim também o compromisso do Governo português assumido para com os restantes membros da União Europeia, na reunião do Conselho da União Europeia.

O risco existe porque a Comissão tem previsões mais conservadoras que o Governo para algumas poupanças previstas e para a dimensão de algumas das receitas que o Governo está a prever conseguir durante o próximo.

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Além disso, o Governo apresentou – tal como já o havia feito em 2016 – medidas que deviam ser consideradas permanentes como medidas extraordinárias. Esta forma de contabilização beneficiava as contas do Governo, dando a ideia que o défice estrutural estaria a cair mais. Mas a Comissão não o vê da mesma forma, porque esta forma de contabilidade não cumpre com as regras do Código de Conduta.

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e o Conselho das Finanças Públicas já tinham alertado para isto, avisando o Governo que o Orçamento poderia vir a ser considerado como em risco de incumprimento e até, como disse o Conselho das Finanças Públicas, Portugal vir a ser alvo de um Procedimento pela repetida violação das regras. Esse procedimento, em última análise, poderia resultar em sanções, mas seria diferente do Procedimento dos Défices Excessivos.

Um Orçamento em risco de incumprimento significa que este não deverá assegurar o cumprimento dos requisitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o conjunto de regras europeias criadas pelo Tratado de Maastricht. Isto acontece quando as projeções da Comissão apontam para um desvio significativo face ao Objetivo de Médio Prazo (o valor de défice estrutural que deve ser alcançado num determinado período de tempo. Este número varia consoante o país).

Nestes casos, tal como aconteceu novamente com Portugal, a Comissão convida os países a tomarem medidas de imediato para corrigirem a trajetória.

No entanto, esta avaliação é complexa e tem mais que um momento. Nesta primeira fase, o Orçamento português vai ser aprovado com reservas, o que significa que a Comissão não vai exigir um orçamento revisto, porque quando Bruxelas avalia o esforço orçamental ainda o faz de acordo com as previsões económicas do Governo. É a chamada avaliação ex-ante.

Na primavera, a Comissão fará uma avaliação ex-post, o que significa que Bruxelas já vai avaliar se o Orçamento português cumpre as regras usando as suas próprias previsões económicas para avaliar a dimensão do esforço orçamental. Estas decisões são conhecidas no início de maio e é aqui que a Comissão Europeia pode abrir um novo Procedimento contra Portugal, tal como alertam UTAO e Conselho das Finanças Públicas.

Para já, a avaliação da Comissão não é animadora. Nas previsões que publicou no início de novembro, a Comissão Europeia estimava que o Orçamento não chegava para reduzir o défice nem em uma décima, tanto o défice nominal (que o Governo esperava na altura que caísse de 1,4% para 1%), nem o saldo estrutural (que o Governo estimava uma redução à volta de 0,4% do PIB).

Explicações do Governo não chegaram

Como mandam as regras, a Comissão Europeia enviou uma carta ao Governo português a pedir esclarecimentos ao Governo português a 27 de outubro, depois de ter chegado à conclusão que os compromissos no Orçamento não chegavam para cumprir as regras.

Mário Centeno respondeu no dia 31, com uma longa exposição sobre aquilo que a sua equipa acha estar correto e tentando convencer a Comissão Europeia com os resultados que tem vindo a alcançar na vertente orçamental e em termos económicos.

As justificações não chegaram para a Comissão, que agora pede mais medidas.

Nem cláusula de flexibilidade, nem flexibilidade por causa dos incêndios

Um dado curioso da informação publicada esta quarta-feira pela Comissão Europeia diz respeito aos pedidos de flexibilidade nas contas do défice. Segundo a Comissão, para já não se prevê que qualquer país seja tido em especial conta devido a acontecimentos excecionais.

Bruxelas tem margem nas regras para não contabilizar pelo menos parte da despesa dos países para responder a casos excecionais, fora do controlo dos Governos, tal como terramotos e incêndios. O comissário dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, já tinha dito que as despesas de Portugal na resposta aos incêndios poderiam fazer parte desta categoria, mas para já nada.

“Nesta altura, não se prevê que a cláusula para eventos excecionais (como desastres naturais, custos com segurança e custos relacionados com refugiados) seja aplicada a qualquer Estado-membro em 2018”, lê-se nas explicações da Comissão Europeia.
Isto não quer dizer obrigatoriamente que Portugal não beneficiará desta flexibilidade relativamente aos custos no défice da resposta aos incêndios deste ano, que levaram à morte de mais de 100 pessoas. O processo pode ainda ser revisitado. Para já, a Comissão prevê apenas que Bélgica, Itália, Hungria, Áustria, Eslovénia e Finlândia sejam abrangidos por esta cláusula, mas relativamente a 2017.

Já a cláusula de investimento e reformas estruturais é diferente. Portugal pode pedir este ano, pela primeira vez, acesso à cláusula de investimento nas regras europeias, que permite que investimentos produtivos ou reformas estruturais que promovam o crescimento potencial da economia não sejam contabilizados no défice estrutural, pelo menos em parte.

Para ter acesso a esta cláusula o Governo português teria de ter pedido o acesso, algo que aparentemente não o fez, apesar das promessas do Governo de um aumento significativo do investimento público no Orçamento.