Foi um judeu de origem portuguesa, Samuel Jessurun de Mesquita, quem ensinou o jovem Escher a desenhar – no início da década de 20, na Escola de Arquitetura e Artes Gráficas de Haarlem. E foi também Mesquita, que viria a morrer no campo de concentração de Auschwitz em 1944, quem percebeu que o aluno tinha menos talento para arquitetura do que para o design.

Nas décadas seguintes, Escher haveria de se tornar um dos mais populares artistas gráficos do século XX, mesmo se a crítica e os pares nunca lhe deram crédito. As suas gravuras tornaram-se célebres e fazem hoje parte do imaginário coletivo.

Isso mesmo pode agora ser confirmado no Museu de Arte Popular, em Lisboa, na primeira grande exposição em Portugal do artista holandês. Intitula-se simplesmente “Escher” e abre ao público nesta sexta-feira.

“Ele conseguiu mostrar que o mundo não é só o que se vê, é muito complexo, tem várias perspetivas, é isso que torna a sua obra tão interessante”, disse Federico Giudiceandrea, um dos curadores da mostra, durante uma visita guiada para a imprensa, na quinta-feira de manhã.

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“Podemos até não saber que esta ou aquela obra lhe pertencem, mas reconhecêmo-las de imediato. As imagens de Escher foram usadas em publicidade, na ilustração de artigos de jornal, tiveram influência sobre criadores de moda, no cinema, na banda desenhada. Ele está presente na vida quotidiana. A crítica nunca o apoiou, foi o povo que difundiu a obra dele. Nesse sentido, é um artista pop”, defendeu o curador.

Patente até 27 de maio do próximo ano, a exposição inclui cerca de 200 trabalhos. Começou por ser exibida em Roma, em 2014, depois passou por Bolonha, Treviso e Milão. Viajou até Singapura, a seguir até Madrid. Lisboa é o novo destino.

A mostra é trazida pela empresa italiana Arthemisia, que desde 2002 organiza exposições e eventos de arte. Ana Cristina Baptista, representante da Arthemisia em Portugal, disse ao Observador que a expectativa em termos do número de visitantes “é muito alta” e que “são esperados muitos milhares”.

O espaço expositivo está organizado de maneira a apelar ao grande público. As obras surgem ao lado de jogos interativos e há pequenas salas que convidam o visitante a tirar fotografias a si mesmo, em cenários inspirados pelos desenhos de Escher, e a experimentar mecanismos que permitem compreender melhor o trabalho do artista. São sete as salas principais, organizadas por temas, numa ordem mais ou menos cronológica.

Escher em Roma, onde viveu de 1925 a 1935

Maurits Cornelis Escher (1898-1972) nasceu numa família abastada da região da Frísia, no norte dos Países Baixos, e numa primeira fase da vida adulta viajou muito por Itália e Espanha (sobretudo Granada, tendo ficado fascinado pelo palácio de Alhambra). Os desenhos realistas de insetos, flores e paisagens foram o primeiro dos seus interesses. Casou-se, teve dois filhos, viveu em Itália, na Suíça e na Bélgica, até se instalar novamente na Holanda.

“Nunca foi muito reconhecido, mas a partir de 1954 começou a ser admirado pelos matemáticos. Esteve no Congresso Internacional de Matemáticas, em Amesterdão, e deixou muita gente fascinada pela geometria contida nas suas gravuras. São os matemáticos que começam a encomendar-lhe obras e isso de certa forma vai fazer com que a opinião da crítica mude um pouco”, explicou Federico Giudiceandrea.

Outro facto que veio a tornar Escher muito conhecido foi a redescoberta que dele fez o movimento “hippie”, na Califórnia dos anos 1960. “Começam a usar a iconografia dele em T-shirts e capas de discos, sem pedirem autorização. Mick Jagger, dos Rolling Stones, foi o único que pediu e não foi autorizado”, ironizou o curador. “Escher não estava muito contente com a devoção ‘hippie’, mas foi assim que se tornou popular. Eu próprio o descobri através das capas dos discos dos Pink Floyd.”

As figuras geométricas, a perspetiva e a distorção, a ilusão de ótica e as variações dinâmicas dos elementos numa mesma imagem, todos estes aspetos são a pedra de toque das criações de Escher. “Não podemos colocá-lo numa categoria, mas podemos dizer que se aproximou do surrealismo”, afirmou o curador.

Tinha predileção pelos motivos naturalistas e as geometrias de inspiração árabe. Trabalhou vários meios e linguagens, com destaque para a xilogravura (gravação em madeira) e a tesselação, um tipo de decoração geométrica com triângulos, estrelas ou quadrados repetidos.

Criou imagens para postais, guardanapos de tecido, selos, ex-líbris para livros – tudo isso agora exposto. “Mas nunca vendeu muito, nem precisava, porque era rico, tal como a mulher. Fazia xilogravuras para os amigos, vendia-as pelo equivalente a 25 euros, quando hoje, cada obra, vale em leilão uns 25 mil euros”, disse o curador.

Em maio de 1951, a revista “Life” dedicou-lhe algumas páginas (o exemplar surge na exposição) e escreveu que até para o próprio criador era misteriosa a origem das suas visões bizarras da realidade. “Talvez seja um instinto primitivo”, afirmou Escher.

“Escher”, Museu de Arte Popular (Av. de Brasília, Lisboa). Todos os dias, 10h00/20h00. De 24 de novembro a 27 de maio de 2018. Bilhete normal: 11 euros.