20h53. Paulo Portas acabava de aterrar em Lisboa. Tinha estado duas horas retido no aeroporto de Maputo e outras 11 horas fechado num avião a milhares de metros de altitude entre Moçambique e Portugal. Já devia estar em Peniche, onde era esperado para participar num debate organizado pela Escola de Quadros do CDS sobre Nacionalismos e Populismos na Europa e no mundo. Chegaria exausto. E já tinha um voo marcado para o México às 7 horas da manhã seguinte. Queria ir para casa, tomar um banho e preparar-se para a longa jornada que tinha pela frente. Não estava nos seus planos enfrentar mais uma hora e meia de viagem. Todos compreenderiam que era fisicamente impossível, pensou. Pegou no telemóvel e avisou os responsáveis de que não ia. Não conseguia ir.

Em Peniche, a desilusão era evidente entre os mais próximos do antigo líder do partido. A comida começava a ser servida quando os ponteiros do relógio já se aproximavam das 22h00. A organização ainda tentou adiar ao máximo o início do jantar, mas já não era possível esperar mais. Poucos ali sabiam, mas Portas acabara de dizer que não ia. Começava então uma sui generis dança das cadeiras: no pequeno palco criado para o efeito, as três cadeiras lá colocadas para os intervenientes davam lugar a duas; e no cartaz digital que servia de cenário, o nome de Paulo Portas seria apagado, reduzindo o painel ao convidado José Ramón García-Hernández, porta-voz para os Assuntos Exteriores do PP espanhol, e a Diogo Belford, do CDS, ali na qualidade de moderador. A informação de que Paulo Portas não ia começava a ser transmitida aos jornalistas com um misto de compreensão e desilusão. “Estamos a tentar convencê-lo…”, diziam, sabendo de antemão que seria uma missão difícil.

Todos conhecem Paulo Portas. Os atrasos históricos do antigo líder do partido deram origem à rábula da “Hora CDS”: uma hora de atraso era o normal. Com Paulo Portas, raramente um evento começava às horas previstas. Fosse em campanha eleitoral, sobretudo em campanha eleitoral, fosse no exercício das suas funções governativas, Portas teve quase sempre uma relação complicada com os ponteiros do relógio, o que em alguns casos lhe provocou algumas dores de cabeça. Desta vez, no entanto, ninguém desmobilizou.

“Ele vem! Ele vem!”, celebrava baixinho um dos responsáveis pela organização, sorriso aberto. Era o rosto da descompressão. Paulo Portas estava a caminho de Peniche e recomeçava a dança das cadeiras: as duas passavam a três e depois a quatro, para que Diogo Feio, diretor da Escola de Quadros, pudesse explicar o que aconteceu e ser parceiro de debate; entretanto, no cartaz projetado voltava a constar o nome do antigo vice-primeiro-ministro. O debate começaria sem ele, com a promessa de que Portas se juntaria mais tarde para fazer uma pequena intervenção. E assim foi.

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Às 23h31, Paulo Portas entra de rompante na sala de refeições do hotel, no exato momento em que José Ramón García-Hernández acabava de dizer que a principal missão da política não é servir as pessoas, mas sim garantira a justiça. Jotinhas e restantes convidados levantam-se imediatamente para aplaudir. Fizeram-no durante quase um minuto, prova de que Paulo Portas ainda conserva o gravitas que construiu no interior do partido.

“Não se admirem que esteja em Mode MPM — Moçambique, Peniche, México, três continentes em 24 horas. Mas tinha o compromisso com a JP, que tenciono manter, de procurar dar uma pequenina gota no oceano na formação de futuros quadros sólidos”, começaria por dizer, para o primeiro aplauso da noite.

Portas alerta para partidos enquanto “brigadas de reação rápida” às redes sociais

Paulo Portas aproveitaria a sua intervenção para combater a ideia dos partidos políticos se tornarem “brigadas de reação rápida” às redes sociais, consumidos pela voragem daquelas plataformas. Perante a jovem audiência, o antigo líder democrata-cristão deixou um aviso: depois de terem “colonizado os jornais clássicos”, as redes sociais “preparam-se para colonizar também os partidos políticos, impondo-lhes um carácter emocional que é contrário ao carácter racional que deve definir a natureza dos partidos e das instituições, enquanto representantes das maiorias e das minorias “definidas em silêncio de voto”. Também por isso, Portas aproveitou para desafiar os moderados a irem a jogo.

Os moderados têm de ser mais eles próprios no debate político e ser ofensivos e não ficar à espera que os populistas ocupem o espaço da mentira. Os populistas avançaram porque os moderados desertaram do combate em questões fundamentais”, como comércio e a imigração — águas onde se movem com muita agressividade os populistas.

Foram precisamente esses dois temas — protecionismo económico e fronteiriço — que dominaram a intervenção de mais de uma hora de Paulo Portas. Enumerando os Estados Unidos, o Reino Unido pós ‘Brexit’ e a Catalunha, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros notou pelo menos um aspeto positivo: atualmente já se pode avaliar como governam os populistas e “a conclusão não é boa”.

Segundo Portas, apesar de diferentes, os dirigentes daqueles dois países e região espanhola têm em comum “uma absoluta impreparação para governar, uma radical incompreensão do que é a globalização e o processo de integração económica e uma enorme dificuldade de chegar a compromissos”.

Os populistas venderam uma ideia errada da globalização e venderam uma ideia hostil da imigração. Se queremos reequilibrar o debate, além da manifesta incompetência, temos de ir à jugular e dizer-lhes: ‘Vocês estão errados'”, declarou.

Fazendo uma defesa da política de acolhimento da chanceler alemã Angela Merkel, do comércio livre e do acolhimento de migrantes, Portas argumentou que “os países progridem quando são abertos, acolhedores e competitivos”.

“Quanto mais comércio, mais paz. Quanto mais comércio, menos pobreza extrema, quanto mais comércio, mais capacidade de gerar crescimento”, defendeu, advertindo que “se a União Europeia não quiser fazer acordos de comércio, vai ficar mais isolada, perder oportunidades e ver o mundo da economia moderna fugir-lhe debaixo dos pés”.

Portas rematou dizendo que a Europa corre o risco de se tornar “um continente extraordinário para se visitar, mas como se visita museu”, porque “tudo o que é novo, ágil, dinâmico, conquistador e tem risco” está a passar-se noutros continentes. Voltou a ser aplaudido. E partiu para seguir para o México.