O investigador Domingos Xavier Viegas, coordenador do relatório independente sobre os incêndios de Pedrógão Grande, acusa a Comissão Nacional de Proteção de Dados de censurar o documento ao não permitir a publicação do sexto capítulo do relatório.

Num artigo de opinião publicado esta terça-feira no Público, Xavier Viegas escreve que “é penoso ver que o trabalho de uma equipa de investigação, com provas e contribuições dadas no âmbito do estudo do comportamento do fogo, da segurança e da proteção de pessoas e bens, seja ‘censurado’, a bem da proteção de dados que são reconhecidamente do domínio público”.

Para Xavier Viegas, a não publicação do relatório na íntegra pode fazer com que, “de um dia para o outro”, surja “uma publicação qualquer” a “reportar exatamente os mesmos dados que nós, com tanto esforço e empenho, reunimos”.

“Pela nossa parte, tudo faremos para que tal não aconteça e iremos usar a nossa liberdade de investigação e o nosso direito e obrigação de divulgar os resultados da nossa investigação, para a dar a conhecer a todos os que tenham interesse nela”, garante Xavier Viegas.

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O investigador explica que o sexto capítulo do relatório, referente aos acidentes envolvendo pessoas, é o que “contém os elementos mais delicados desta ocorrência, por se referirem ao seu efeito nas pessoas e que justificam, em boa parte, o enorme impacto que teve, tanto a nível nacional como internacional”.

O capítulo, de 96 páginas, resultou de “um trabalho exaustivo junto de familiares das vítimas, de sobreviventes e de testemunhas, que nos permitiu reconstituir de uma forma que, estamos seguros, não havia sido feita por alguém até agora, os múltiplos atos de uma tragédia nunca antes vivida em Portugal”.

“Na preparação e apresentação dos acidentes não nos moveu qualquer intenção de voyeurismo, de expor publicamente as pessoas ou os seus familiares, mas sim a de apresentar, com o rigor que nos foi possível ter, os factos apurados, para ficarem documentados historicamente, para servirem de ensinamento para outros — incluindo o público em geral — e para que deles se retirassem as ilações de caráter operacional ou jurídico que forem pertinentes, por quem de direito”, escreve Xavier Viegas.

O especialista em fogos florestais rebate ainda as críticas que são apontadas ao relatório por parte da Comissão Nacional de Proteção de Dados e diz que seria “incompreensível que no estudo deste incêndio nos limitássemos a analisar o comportamento do fogo, deixando de fora todos os restantes aspetos, principalmente os associados aos danos pessoais e às vítimas mortais”.

Xavier Viegas acusa mesmo a CNPD de ir além daquilo que são as suas atribuições, “entrando em domínios de apreciação da finalidade do estudo e da relevância da apresentação de dados, aparentemente circunstanciais, mas que importam para uma apreciação global da situação”.

“Estou certo de que esta limitação será em breve ultrapassada e o capítulo 6 — em versão integral, anónima ou com nomes — será tornado público. Temos recebido da parte dos familiares ou de representantes legais de muitas das vítimas, sobreviventes e testemunhas, a disponibilidade para autorizar a publicação dos relatos a que se reportam”, explica ainda.

O investigador lamenta ainda que “o ruído que se tem feito em torno deste capítulo” esteja a desviar “atenção das pessoas” do conteúdo do documento, que diz resultar “do trabalho dedicado de uma equipa de 13 pessoas”, que “estiveram no terreno durante mais de três meses, falando com centenas de pessoas, consultando documentos, recolhendo e tratando dados e realizando inúmeras diligências”.