Mário Centeno como presidente do Eurogrupo? Para a esquerda, nada de novo. Bloco e PCP consideram que a ida do ministro das Finanças para o cargo não terá qualquer resultado prático: o “Ronaldo do Ecofin” não será capaz de marcar qualquer golo pelo país. No limite, com Centeno como ponta de lança das Finanças da Zona Euro, o mais provável é introduzir a bola umas quantas vezes na própria baliza.

Centeno vai ter de engolir muitos, muitos sapos”, avisa uma fonte da Comissão Europeia. “Casos haverá em que vai ter de dizer uma coisa em Bruxelas e outra em Lisboa. Vai ter de alinhar com a posição mais ortodoxa do Eurogrupo, controlado pela Alemanha e isso pode trazer-lhe problemas em Portugal“, nota a mesma fonte ao Observador.

Para já, Bloco de Esquerda e PCP preferem não antecipar tensões com o Governo de António Costa. Para os parceiros da solução governativa, o que interessa é cumprir as posições conjuntas.O que não significa que desvalorizem a internacionalização do ministro das Finanças, o rosto mais visível da estratégia socialista de cumprimento das metas orçamentais, impostas, segundo a esquerda, por Bruxelas. Mas isso não muda nem a posição do PS em relação à Europa, nem a opinião da esquerda em relação à União. Para já, tudo na mesma, apesar das críticas.

PCP. Centeno não vai pôr em causa o poder da Alemanha

Os comunistas foram os primeiros a reagir. E de forma rápida, o que é pouco comum num partido que prefere concertar posições primeiro e falar depois, mesmo que isso signifique reagir mais tarde ou nem sequer o fazer. Desta vez, no entanto, foi diferente: na manhã desta quinta-feira, no programa Opinião Pública, da SIC Notícias, Ângelo Alves, do Comité Central do PCP, foi claro: “A indicação de Mário Centeno não vai alterar as opções que têm prevalecido na política orçamental da União Europeia”, afirmou o comunista.

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À tarde, os comunistas voltariam à carga, desta vez de forma oficial e numa conferência de imprensa a partir da Soeiro Pereira Gomes, sinal de que o tema está a ser levado a sério. O protagonista era o mesmo e a mensagem também: “Não é a eleição de um português no edifício de poder da União Europeia que automaticamente garante mais e melhor defesa do interesse nacional. Há determinados equilíbrios de poder. A Alemanha tem sete vezes mais poder que Portugal. A eleição de um ministro português não põe em causa esse equilíbrio de poder“, disse o comunista Ângelo Alves, membro da comissão política.

Não é a escolha de Centeno que tornará a Europa mais aceitável para os comunistas. Segundo o mesmo dirigente do PCP, “esta candidatura surge num quadro específico em que a própria União Europeia desenvolve esforços institucionais para reforçar o seu rumo neoliberal, aliás, Mário Centeno fala disso na sua candidatura”. Por isso, rematou o comunista, “mais do que criticar o órgão, o PCP critica as políticas — e a necessidade é romper com as políticas da União Europeia”.

Cativações de Centeno descativaram a esquerda

Bloco. Tudo como dantes no quartel-general da “geringonça”

Os bloquistas, por sua vez, não se desviaram um centímetro em relação ao que vêm dizendo desde que os sinais sobre a candidatura de Mário Centeno se têm intensificado. “Ter ou não ter um responsável português à frente de uma instituição europeia não significa nada em concreto para Portugal. Não é condição de melhoria para o país, até porque o problema não é quem preside ao Eurogrupo, mas sim o Eurogrupo”, afirmou Catarina Martins, à margem de uma visita a uma escola, em Lisboa.

“O Eurogrupo é um grupo informal da União Europeia, sem nenhuma legitimação que se compreenda e cujo papel tem sido impor políticas de austeridade um pouco por todos os países”, disse a bloquista.

A coordenadora do Bloco de Esquerda não deixou de criticar a candidatura de Mário Centeno, o maquinista que tem puxado constantemente o travão da “geringonça”, impedindo, aos olhos da esquerda, que o país dê passos mais decididos na reposição de direitos e rendimentos: “Não é de estranhar que Mário Centeno tenha proximidade com o Eurogrupo, até porque tem considerado sempre muito importante respeitar — até ir além — das metas orçamentais, criando problemas, por exemplo, de investimento público”, sugeriu Catarina Martins.

Os dois partidos insistem, ainda assim, num ponto: não é a ida de Mário Centeno para presidente do Eurogrupo que vai colocar em causa a estabilidade do Governo: o PCP disse-o claramente, com Ângelo Alves a afirmar que esta eleição não coloca em causa “os pressupostos da posição conjunta“; e para o Bloco de Esquerda, apurou o Observador, nada se altera — a legislatura é para levar até ao fim e não será isto a derrubar a atual solução política.

Na pior das hipóteses, ouviu o Observador de fonte bloquista, a europeização de Centeno conjugada com o recente “veto” às contribuições para as renováveis são dois exemplos que acentuam as contradições existem no interior do PS: ora se move para a esquerda, ora se move para o centro.

Mesmo dentro do PS, a internacionalização de Mário Centeno nem sempre cativou uma ala mais à esquerda. Ainda em maio deste ano, por exemplo, em entrevista ao Observador, João Galamba disse de forma clara que preferia ver Mário Centeno “dedicado ao país” do que vê-lo a presidir ao Eurogrupo. Esta quinta-feira, o porta-voz socialista veio elogiar a candidatura do ministro das Finanças, que servirá, acredita, para “exportar” a receita seguida em Portugal para Bruxelas.

Seja como for, ainda é cedo para fazer essa avaliação. Como reagirá a esquerda e o próprio PS quando ou se Mário Centeno for obrigado a dar a cara por decisões do Eurogrupo que imponham restrições orçamentais a Portugal e a outros Estados-membros? Esse será o teste de algodão.

Centeno no Eurogrupo? “Prefiro que esteja dedicado ao país”