O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) deu provimento ao recurso apresentado pelo general angolano Bento ‘Kangamba’, pedindo o arquivamento do inquérito ainda pendente num alegado caso de branqueamento de capitais, reconhecendo “violação” das competências dos tribunais portugueses.

Segundo o acórdão do TRL, de 2 de novembro de 2017, ao qual a Lusa teve esta sexta-feira acesso, os juízes da 9.ª secção criminal decidiram “conceder provimento” ao recurso, que visa as decisões do juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Investigação Criminal (TCIC), declarando “verificada a nulidade insanável por violação das regras de competência dos tribunais portugueses”.

O general angolano Bento dos Santos ‘Kangamba’, sobrinho do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, confirmou em março deste ano, à Lusa, a interposição de um recurso pedindo o arquivamento do inquérito ainda pendente, instaurado pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal).

A defesa do general e empresário angolano viu agora o TRL dar provimento ao recurso, pedindo diretamente para declarar o TCIC como “internacionalmente incompetente” neste processo e igualmente “nulos todos os atos praticados pelo TCIC”.

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Em causa está uma investigação iniciada em Portugal por suspeitas de corrupção passiva na forma agravada, corrupção ativa na forma agravada, branqueamento e falsidade informática, segundo informou em 2014 a Procuradoria-Geral da República (PGR), o que levou à “apreensão preventiva” das contas bancárias e propriedades em Portugal daquele general. Entre outros aspetos, o acórdão do TRL aponta que o Ministério Público não tem competência para abrir inquérito “por factos praticados por um cidadão nacional de outro país, nesse mesmo país”.

Em março, o também dirigente do MPLA, partido no poder em Angola, recordou que o inquérito dura desde 2013, mas que foi “declarada a incompetência internacional das autoridades portuguesas”, tendo em conta que os factos estariam relacionados com a sua atividade em Angola, segundo a decisão do TRL de 26 de março de 2015 “já transitada em julgado”.

Na altura, Bento dos Santos ‘Kangamba’ referia, numa declaração conjunta com os advogados, que o arquivamento “é obrigatório para as autoridades encarregues do inquérito”, mas que, contudo, o DCIAP e o TCIC “têm ignorado propositadamente essa decisão e as suas legais consequências”.

“Faço notar que a competência para ordenar o arquivamento do inquérito criminal é também do juiz de instrução, na sua qualidade de fiscalizador da legalidade e constitucionalidade do inquérito. A minha defesa já demonstrou isso até à exaustão no processo, com base na lei e na jurisprudência portuguesas, tendo sempre merecido o consciente alheamento do senhor juiz Carlos Alexandre, que se limita a negar, sem justificação, aquilo que, por A+B, lhe é explicado pela minha defesa”, lê-se ainda.

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Bento dos Santos ‘Kangamba’ afirma que a atitude das autoridades portuguesas “constitui efetivamente uma denegação de Justiça”, mas que, apesar das suas queixas, públicas e no processo, “isso tem suscitado apenas indiferença”.

Na prática, a decisão agora conhecida do TRL como o próprio acórdão aponta, surge na sequência de um acórdão anterior, de 26 de março de 2015, em que o mesmo tribunal declarava “a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para procederem criminalmente” contra o general angolano.

Neste recurso, o Ministério Público chegou a invocar que está em investigação uma “eventual, prática do crime de branqueamento” por “factos ocorridos em território nacional”, com suspeitas “que as vantagens de ilícitos criminais foram convertidas, transferidas, dissimuladas em território nacional, quer através da utilização do sistema bancário português, com a concretização de diversos depósitos e transferências em numerário, quer através da aquisição de bens móveis e imóveis”.

Em entrevista anterior à Lusa, o general angolano admitiu a intenção de processar o Estado português pelos prejuízos decorrentes do não arquivamento desta investigação, apesar das decisões que lhe foram favoráveis. “Em Portugal não existe mais processo contra o general. Foi ganho, nós esperamos só que feche o processo, o Ministério Público tem de fechar o processo. Faltaram ao respeito a mim e à minha família quando mandaram pessoas assaltar [buscas] a minha casa para irem ver o que tenho lá quando eu não sou criminoso”, afirmou.

No final de 2015, uma decisão do TRL ao recurso interposto pela defesa decretou a nulidade do arresto dos seus bens em Portugal. O mesmo tribunal referia que o general angolano, mais de um ano depois (à data), “não foi constituído arguido” e que, até 14 de outubro de 2015, “não fora sequer deduzida acusação nem mesmo ainda proferido despacho de encerramento de inquérito”.

Uma outra decisão do TRL sobre este caso, de 26 de março de 2015, referia a apreensão em Portugal – em propriedades do general angolano – de pelo menos 450 mil euros, mas também recordava que no processo penal “o ónus da prova cabe ao detentor da ação penal, não o inverso”, pelo que “é o detentor da ação penal que tem de provar essa origem ilícita, com factos, não com suposições”.