Investigadores que observaram os deputados no seu ‘habitat’ natural registaram um “trabalho invisível” que é feito fora do plenário e em espaços informais onde se geram empatias e se procuram convergências.

Em declarações à Lusa, um dos autores do estudo “O Estado por Dentro – Uma etnografia do poder e da administração pública em Portugal”, o sociólogo João Mineiro, disse que o trabalho poderá revelar aspetos menos conhecidos a quem acompanha a atividade parlamentar apenas pelos debates quinzenais transmitidos pela televisão.

Uma das primeiras conclusões, que contraria algumas “representações estereotipadas e generalistas”, é a ideia de que é no plenário que acontece tudo. Mas não é assim, segundo observou o investigador, frisando que “há um trabalho invisível que é muito mais do que aparece” e que “influencia a forma como as leis são feitas e como o poder é fiscalizado”.

É o caso do trabalho nas comissões parlamentares, e mesmo em “grupos de trabalho mais informais” onde é feito o trabalho minucioso de produção legislativa, artigo a artigo, disse. Mas também, acrescentou, a influência das “articulações informais” e da “empatia” geradas nos corredores entre deputados que trabalham áreas e temas comuns ou que têm em comum o distrito pelo qual foram eleitos. “Perceber uma multiplicidade de espaços informais onde o trabalho parlamentar é feito foi surpreendente”, disse.

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Neste trabalho, os investigadores optaram por uma abordagem etnográfica para fazer a “descrição do trabalho quotidiano em quatro instituições representativas dos poderes do Estado”, a Assembleia da República, em dois tribunais de primeira instância e a Agência Portuguesa do Ambiente.

No caso do parlamento, João Mineiro acompanhou em 2015 de forma muito próxima e durante vários meses um grupo de deputados cujos nomes não são revelados, para além de ter realizado entrevistas a 40 parlamentares.

Outro aspeto talvez menos conhecido do trabalho parlamentar, acrescentou, é o facto de os grupos parlamentares contribuírem para a construção de leis, no chamado “trabalho em especialidade, na comissão”, mesmo que tenham votado contra os diplomas no plenário. “Mesmo que sejam contra o diploma, se ele for aprovado, preferem contribuir para que, do ponto de vista do grupo, seja menos mau”, exemplificou.

Durante o estudo, registou-se uma “obsessão quase permanente” com a divulgação do trabalho que é realizado. Segundo João Mineiro, “tão ou mais importante do que a reunião ou a visita, muitas vezes é as pessoas saberem que a reunião ou a visita foram feitas”.

O estudo conclui que aquilo a que os cidadãos se referem como “o Estado” não é “uma unidade homogeneizada”, havendo “uma multiplicidade de lugares de tensão, entre o envolvimento pessoal e o distanciamento, entre o trabalho diário e ainda uma pressão para mostrar o que se faz”.

O Estado é muito mais diverso do que o que o discurso público o apresenta”, sustentou.

“O Estado por Dentro – Uma etnografia do poder e da administração pública em Portugal”, é um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenado por Daniel Seabra Lopes, e será apresentado esta segunda-feira em Lisboa.