Alemanha, França, Itália e Espanha. Os pesos pesados da Europa estão com Mário Centeno para a eleição do ministro português como presidente do Eurogrupo. A Europa está a mudar? É isso que significa a eleição de um socialista, ministro de um país do Sul que nunca tinha as contas em ordem e que há seis anos estava falido? A escolha de Centeno traduz um certo momentum da União, mais do que uma mudança.

O quadro que se coloca esta segunda-feira em Bruxelas é este: Governo socialista, com apoio parlamentar de um Partido Comunista e de um Bloco ainda mais à esquerda; Portugal, um país pequeno quando comparado com as potências que marcam o compasso europeu; um executivo estável e com dois anos de vida pela frente. No final da linha, a formação em Economia e a passagem por Harvard, que garante a Centeno estar entre os seus. Aquilo que à partida poderiam ser condições desfavoráveis para a eleição de Mário Centeno são os fatores que colocam o português na frente da corrida.

“Até há muito pouco tempo, ninguém [em Bruxelas] tinha olhado para o nome de Mário Centeno”, diz ao Observador Gregory Clayes, investigador de um dos mais conceituados (e procurados) think tanks de Bruxelas, o Bruegel. “Só recentemente olhámos para o nome e, agora, está na frente”. Segunda-feira, serão precisos dez votos para a eleição. Há duas semanas, a maioria dos analistas diria que avançar seria uma perda de tempo para Lisboa. “É um misto de sorte e correspondência dos parâmetros” exigidos pelo momento atual, diz o investigador.

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A combinação de que a Europa precisa

Jean-Claude Juncker, Comissão Europeia, Partido Popular Europeu. Antonio Tajani, Parlamento Europeu, Partido Popular Europeu. Donald Tusk, Conselho Europeu, Partido Popular Europeu. E o Banco Central Europeu? Mário Draghi… Sim, Partido Popular Europeu.

Não é por acaso que o nome de Draghi, governador do Banco Central Europeu, surge na lista. Alguns dos principais candidatos ao lugar que agora parece desenhado à medida de Mário Centeno saíram da corrida por estarem, precisamente, atentos às mudanças na vice-presidência do banco central. As “negociatas” vão muito além dos lugares para os lugares mais políticos, resume ao Observador fonte da Comissão Europeia.

O facto de os populares não apresentarem um nome próprio para o lugar do holandês Jeroen Dijsselbloem decorre de um acordo de cavalheiros entre as principais famílias europeias. A presidência do Eurogrupo é o único cadeirão do poder europeu que não é atualmente ocupado por um responsável do PPE e há que manter o “equilíbrio” entre as diferentes forças, ainda que os Socialistas e Democratas sejam a segunda força em Bruxelas. Um ponto para Centeno.

Havia, também, uma perceção transversal entre os países da zona euro de que a escolha para a liderança do Eurogrupo teria de recair sobre um dos países pequenos. Era “difícil para um país grande ter essa posição”, diz Gragory Clayes, especialista em economia e governança europeia. Segundo ponto para Centeno.

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Há, ainda, que olhar para o fator estabilidade. Uma das razões – a principal razão? – para que o ministro Pier Carlo Padona se tivesse posto à margem da corrida tem que ver com o calendário eleitoral italiano. Com um extenso currículo e dono de uma voz respeitada nos centros de decisão europeus, Padona não pode escapar ao facto de que, na primavera, os italianos vão às urnas eleger o próximo Governo. E ninguém queria assistir a uma reposição do filme “Dijsselbloem”, com um presidente do Eurogrupo afastado, durante o seu mandato, da cadeira das Finanças no seu país de origem. E vão três para Centeno.

Depois, é certo, há o perfil do candidato. “É um economista de formação, passou por Harvard, trabalhou no Banco de Portugal e é visto como uma pessoa inteligente, com capacidades”, refere Clayes.

Todas estas condicionantes ajudam a perceber que a escolha para a presidência do Eurogrupo é um fato que se faz à medida de um ou dois potenciais candidatos– ainda que o fato possa ter medidas completamente diferentes daqui a dois anos e meio, no fim do próximo mandato. Voltamos à questão do momentum. Foi esse peso do contexto que, em 2009, levou Durão Barroso a chamar a britânica Catherine Ashton para a condução da Diplomacia europeia. “Catherine Who [Catherine quem?]” chegou a escrever o também britânico The Guardian, sinal de que os timmings acabam, por vezes, por fazer saltar para o primeiro plano figuras inesperadas.

No plano político nacional, a instabilidade na Alemanha e a convulsão em Espanha também entram nesta equação. Angela Merkel venceu as eleições mas a esperança que a chanceler alimentava de formar uma “coligação jamaicana”, com o apoio dos Democratas Livres e dos Verdes morreu com a incapacidade de os diferentes partidos chegarem a consenso. O presidente alemão entrou em cena e, agora, o SPD (o PS alemão) parece estar disposto a sentar-se à mesa das negociações. Mas “vai vender-se caro”, prevê fonte europeia. Neste contexto, dar o aval a um nome socialista para o Eurogrupo, não fazendo milagres, podia ajudar a amenizar a posição de Martin Schulz em Berlim.

Em Espanha, Mariano Rajoy também não tem mãos a medir. O referendo independentista realizado na Catalunha fragilizou a unidade nacional espanhola. Ter de se desdobrar noutro combate político, ainda que fora de portas, era a última coisa de que o primeiro-ministro espanhol precisava. Além disso, há quem admita que o ministro das Finanças de Rajoy, Luís de Guindos, tem outros voos em vista. Era um dos nomes pesados – e temidos – para a corrida ao Eurogrupo (ainda que pertecença ao PPE). A decisão de não avançar, depois de ter chegado a medir apoios, é vista como um mal necessário para chegar à vice-presidência do Banco Central Europeu. De Guindos, tal como Bruno Le Maire (o ministro francês), deixaram claro que estavam fora das contas uma semana antes do prazo final para a apresentação de candidaturas ao Eurogrupo. Tudo aponta para que venham a disputar o mesmo lugar dentro de pouco tempo.

Presidente de país resgatado? Ok. Nada muda na Europa

Uma escolha de Centeno significa tudo menos uma nova faceta financeira a despontar entre as principais potências da zona euro, com a Alemanha à cabeça.

“Não há qualquer mudança de paradigma”, diz fonte da Comissão Europeia ao Observador, antevendo que o ministro das Finanças português terá de “engolir muitos sapos” quando der a cara pelas posições conjuntas dos ministros do Eurogrupo. “Centeno vai deparar-se com situações em que diz uma coisa em Bruxelas e outra em Lisboa”.

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A gestão será, por isso, mais ardilosa quando se sentar com os parceiros do Governo. “Como vimos com Dijsselbloem, é difícil representar o Eurogrupo e, ao mesmo tempo, defender os interesses nacionais”, sintetiza Clayes. Aquilo que os ministros da zona euro consensualizam vai, previsivelmente, chocar de frente com as pretensões de Bloco de Esquerda e de PCP.

Diferente será olhar para as mudanças com que o próprio Mário Centeno terá de lidar durante o seu mandato, em particular naquilo que diz respeito ao próprio presidente do Eurogrupo. O investigador do think tank Bruegel considera que a instituição “não é transparente”. Os ministros das Finanças da zona euro não prestam contas ao Parlamento Europeu nem à Comissão Europeia – daí serem geralmente designados como um “grupo informal”. Mas essa informalidade contrasta com a relevância das decisões que tomam e que afetam os países da moeda única. “Não há papéis”, sublinha Gregory Clayes, ninguém sabe quem defende o quê nas reuniões à porta fechada porque nada fica registado. Não há atas.

Transparência é, por isso, um ponto central da discussão sobre o futuro Eurogrupo. As próprias funções do presidente do grupo poderão vir a ser clarificadas. “Não sabemos se ele é um árbitro, se tem uma voz de peso”, continua Clayes. “Seria importante saber o que o presidente do grupo faz.”

O investigador espera que Centeno possa ter um contributo nesta matéria. Mas a “verdadeira batalha” do português é outra: cumprir um mandato de “transição” para um modelo de presidência a tempo inteiro – é isso que consta do roadmap da Comissão Europeia para o aprofundamento da União Económica e Monetária. Clayes junta outra ideia: a de que o porta-voz do Eurogrupo seja um “independente” e não um ministro escolhido pelos seus pares de entre os 19 responsáveis pelas pastas das Finanças da zona euro.

Centeno parece otimista. Era isso que transparecia da carta que preparou para formalizar a candidatura à presidência do Eurogrupo, entregue na última quinta-feira: “Os próximos meses abrem uma janela de oportunidade única”, escreveu o ministro.