Entrou na sala de audiências em passo acelerado até encontrar o banco dos arguidos, onde a polícia que a trouxe da cadeia de Tires a mandou sentar. O corpo franzino, a franja branca a bater nos óculos de massa castanha e o cabelo escorregadio que mal chega aos ombros escondem os seus 90 anos. A mulher que o Ministério Público acusa de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais chama-se Roza Vegele, é brasileira e é a reclusa mais velha presa em Portugal.

A mulher que esta segunda-feira começou a ser julgada no Campus de Justiça, em Lisboa, não parece a mesma que as autoridades viram a fazer compras em lojas como a Cartier, a gastar milhares de euros em joias e a fazer operações em instituições bancárias como uma verdadeira profissional. Roza chegou ao tribunal vestida de calças de ganga, casaco impermeável verde e ligeiramente nervosa. Antes de começar a sessão — o que aconteceu duas horas depois do previsto — o advogado Lopes Guerreiro foi ter com ela e aconselhou-a ter calma. Estava demasiado ansiosa.

Roza Vegele não está a ser julgada sozinha. Ao seu lado estão também acusados um filho, uma filha, uma sobrinha (que também é nora), um neto e dois outros homens, que se apresentam como comerciantes. Os sete são acusados de terem montado um esquema em que passaram por gerentes de uma empresa imobiliária que seria a proprietária de uma casa avaliada em 500 mil euros. O grupo terá conseguido vender a casa por 300 mil euros. No entanto, a casa nem sequer era deles.

A rede de alegados burlões, em que Roza estaria ao comando, também terá tentado vender uma casa por um milhão de euros – com um dos elementos a fazer-se passar por médico – e outra por 450.000 euros. Os crimes ocorreram em 2016, com a falsificação de vários documentos e com várias entrevistas na tentativa de angariarem clientes.

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Juíza Helena Pinto: Dona Roza, geralmente os arguidos ficam de pé, mas dada a sua idade, prefere ficar sentada?

Roza: Eu prefiro ficar sentada.

Roza começa por se identificar. Diz que nasceu e vive no Rio de Janeiro. É viúva, mas que começou a vir a Portugal para ver o filho e os netos que viviam na zona de Cascais. E foi em 2016, em duas das vezes que veio a Portugal, que terá aceitado “ajudar” o grupo “a tratar de papéis”. “Pensava que era legítimo”, justificou.

O discurso de Roza é difícil. Às primeiras perguntas de pouco se lembra. Não sabe com quem esteve, onde esteve ou o que assinou. Mas com alguma insistência da juíza presidente, do procurador do Ministério Público e dos advogados, acaba por avivar a memória. Diz que em 2016 veio duas vezes a Portugal. A primeira em abril — para o 25º aniversário da neta. A segunda em outubro. Da primeira vez, tentou obter uma pensão junto da Segurança Social.

Também nesta altura, o filho estava preso em Pinheiro da Cruz e numa das três visitas que lhe fez ele pediu-lhe “que tratasse de umas coisas”. “Pediu não, comentou”, corrigiu a arguida. “Mas pediu ou fez um comentário?”, perguntou o advogado que a representa a ela, aos filhos e ao neto, Lopes Guerreiro. “Fez um comentário”, garantiu.

O que se passou de seguida demorou quase toda a sessão a compreender-se. Primeiro Roza dizia que tinha ido a um cartório fazer uma hipoteca. Seria a hipoteca para as obras de uma casa, mas não sabe onde seria a casa, nem de quem.

Juíza: Dona Roza, há alguma declaração que queira fazer que tenha nexo?

Roza: Como?

Juíza: Então você vem do Brasil para fazer uma hipoteca e vai para o Brasil (…) Alguma vez fez uma hipoteca de uma coisa que não era sua?

Roza: Não sei, o meu marido é que trabalhou 40 anos no banco… Eu sei que estava no notário para pedir informações para a hipoteca

Juíza: Mas você pede uma hipoteca num notário ou num banco?

Depois de muita insistência, Roza acabou por explicar que tinha ido ao notário para tratar “dos papéis”, mas quando chegou lá não tinha nada preparado. “Então o Doutor Sérgio ofereceu-se para me ajudar”, contou. “Mas quem é o doutor Sérgio?”, perguntou a juíza. “Não sei, não lembro. Conheci-o lá e nunca mais o vi”, responde. Roza e o tal de Sérgio foram depois à “câmara” porque era necessário “mudar o nome da empresa”. “À câmara? Câmara como a Prefeitura?”, perguntou a juíza. “Não sei. Eu até perguntei se era a Câmara dos Deputados, mas não percebi”, respondeu Roza. “Dona Roza, em Portugal a Câmara dos Deputados é a Assembleia da República, não me parece que a senhora lá tenha ido”, disse-lhe a juíza.

Em suma, este processo terá servido para que Roza pusesse o seu nome como responsável pela empresa Green Earth, Investimentos Imobiliários e Turísticos Lda, uma empresa que já existia.

Roza contou ainda que na segunda vez que veio a Portugal nesse ano de 2016, corria o mês de outubro. Foi Adriana, também ela arguida, que é sobrinha e que namorava com o seu filho José Eduardo que a convenceu a viajar. Disse-lhe que o filho tinha saudades dela. Roza chegou a Portugal e tinha no aeroporto à sua espera Adriana e o arguido Fernando. “Ela disse-me que íamos para casa dele — onde se encontrava escondido o filho José Eduardo”, recordou.

Roza começou a andar sempre com Fernando para todo o lado onde era necessário tratar dos assuntos. Chegaram mesmo a ir ao Porto fazer o contrato-promessa de compra e venda de uma casa. “Eu pensava que era outra coisa, quando percebi que era uma compra de uma casa não queria assinar, mas estavam lá quatro homens que bateram na mesa e disseram que eu tinha que assinar”. “Mas quem era esses quatro homens?”, perguntou-lhe a magistrada. “Não me lembro bem”, respondeu. A idosa assumiu que recebeu um cheque de 300 mil euros deste negócio, mais cerca de 3 mil euros em dinheiro que entregou à sobrinha. O dinheiro foi depositado nas contas pessoais e da empresa. “Mas eu não recebi nada, só recebi 500 euros que serviram para pagar a minha viagem ao Brasil”.

Juíza: Mas a senhora não foi à Cartier fazer compras?

Roza: Cartier? Não percebo…

Durante o seu relato, Roza tentou sempre proteger o filho e apontou o dedo a Fernando, o arguido que a conduzia a todos os locais e que a esperava à porta enquanto ela tratava dos assuntos. A arguida não tem memória para alguns pormenores, mas lembra-se que à data o arguido conduzia um Citroen. Quando confrontada pelo advogado que representa Fernando, Aníbal Pinto, Roza acabou por admitir que a ordem de todas estas voltas podia ter partido do próprio filho. “Eu estava sempre no meu quarto, mas eles falavam lá em casa”, disse. “E o seu filho não estava metido num negócio de ouro?”, perguntou-lhe o advogado. “Ah não sei nada disso”, respondeu Roza, mais uma vez.

A sessão terminou já depois das 19h00 e prossegue a 11 de dezembro pelas 14h00. Roza deverá ainda prestar alguns esclarecimentos, assim como o filho José Eduardo e o neto João — que disseram querer prestar declarações. Os arguidos Fernando e Luís dizem que para já vão remeter-se ao silêncio. Nem Adriana nem Rosane compareceram em tribunal. Adriana pediu para não estar presente por questões profissionais. Já Rosane alega problemas de saúde. Os juízes acreditam que ainda compareçam no julgamento.