António Costa tinha esta tarde no Parlamento uma estrela europeia na lapela para mostrar à direita e ao país depois de tantos erros seguidos. Na relação com a esquerda, só acentuou a bigamia entre um noivado cheio de promessas cá dentro e um casamento com todos os votos lá fora.

O trunfo “Mário Centeno – presidente do Eurogrupo” era o ás de ouros para calar a direita e convencer os parceiros de que o sul não voltaria a ser insultado por quaisquer Jeroen Dijsselbloem. Era a primeira coisa boa que o Governo tinha para mostrar desde o verão. Perante a sucessão de tragédias, casos, falhas e omissões, o Governo parecia ter entrado numa fase de ocaso. Foi o que António Costa tentou contrariar esta quarta-feira no Parlamento: inverter a tendência, assumir erros, assumir falhas, e parecer muito humilde num enorme esforço de voltar a pôr a comunicação do Governo no tom certo. Mas depois houve aspetos em que voltou a ser o mesmo Costa de sempre.

Debate Quinzenal. Centeno matou o diabo, mas vestiu-lhe a pele

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Com Centeno no Eurogrupo, o Governo está ainda mais seguro. António Costa conseguiu, com a eleição de Centeno, reforçar a estabilidade. Não deixa de ser extraordinária a confiança de olhos fechados dos europeus num Executivo minoritário com o apoio de radicais anti-euro. Este é mais um arnês que prende o Governo à legislatura. Agora, qualquer eventualidade em que se considere a queda do Governo, estará na linha também a iminente queda do presidente do Eurogrupo (mesmo que Centeno permaneça no cargo, como Dijsselbloem depois de o seu partido perder as eleições holandesas). Se houver instabilidade cá dentro, haverá instabilidade lá fora com danos de imagem para Portugal. Se Marcelo Rebelo de Sousa tivesse algo de muitíssimo grave que o levasse a dissolver a Assembleia, estaria também a dissolver o presidente do Eurogrupo. E a esquerda ia importar-se com isso?

A “geringonça” vive bem com a bigamia. Já se percebeu que o Bloco de Esquerda pode fazer os maiores ataques ao Governo, mesmo com a linguagem típica da oposição mais assanhada, que não vai deixar cair António Costa. Mesmo quando diz que uma “República das Bananas é a que faz contratos à medida dos grandes interesses económicos”. Enquanto a posição conjunta, o pilar dos pilares, for cumprida, os socialistas nada devem temer. Catarina Martins assumiu as “divergências insanáveis” em matéria europeia e voltou a lembrar que a reestruturação da dívida era para ter sido colocada pelo Governo em cima da mesa, na Europa, depois das eleições alemãs. Mas nem fez a pergunta de forma a confrontar Costa. Se vive bem com a traição do Governo na taxa das renováveis, o Bloco vive bem com tudo. Como dizia hoje o bloquista Jorge Costa à Sábado, o que conta “é o respeito pelos compromisso assinados”. Jerónimo de Sousa nem falou do assunto e deixou o ataque para Heloísa Apolónia, dos Verdes.

Erros meus, má comunicação. Depois de tanta asneira política e de comunicação ao longo dos últimos meses — em que até a ação de propaganda dos dois anos de Governo foi notícia por más razões e passou a imagem de um friso com ministros cansadíssimos –, mais valia assumir tudo e esvaziar o balão quanto ao Infarmed: “O Governo não esteve bem”, disse Costa, ou “o Governo não devia ter exteriorizado esta intenção sem ter consensualizado com a administração”, repetiu, ou ainda “o ministro [da Saúde] foi inábil”, reconheceu. Não foi, porém, uma forma de martirizar o ministro Adalberto Campos Fernandes, mas um modo hábil de desarmar as críticas da oposição que lhe chamava “habilidoso”. Admite-se o erro. Ponto final. Caso encerrado.

Assim o culpado de Tancos vai ser mesmo o mexilhão. Sem grandes armas para atacar o Governo — não pode ser pela economia, nem pelo emprego, nem pela desconfiança da Europa — a oposição acabava por estar encurralada na exploração dos casos que o Governo tem gerido tão mal. Assunção Cristas perguntou sobre as responsabilidades nos casos de Tancos, da legionela no Hospital São Francisco Xavier e sobre a parte confidencial do relatório de Pedrógão Grande. Aí, Costa voltou a ser o velho Costa: nada de humildades estudadas, como no caso do Infarmed. Preferiu acusar Cristas de “insultos” em “artigozinhos” em jornais. No Correio da Manhã.

Sobre Tancos: “Não compete ao ministro da Defesa nem ao primeiro-ministro guardar o paiol”. Poderá, em última análise competir ao cabo que faz as rondas. A pergunta que o CDS não fez devia visar a confiança do Governo no chefe do Estado-Maior do Exército. Sobre a legionela, nada de responsabilidades. E quanto ao relatório, o primeiro-ministro defendeu-se na confidencialidade exigida pela Comissão de Proteção de Dados.

O PSD não existe. Embora o líder parlamentar, Hugo Soares, se esforce, não é fácil a tarefa de carregar sozinho o piano do partido mais votado do hemiciclo. É a única voz no PSD que hoje confronta António Costa. Passos Coelho já está fora de combate, apesar de ter estado aos gritos com Costa, em apartes, a propósito da suposta confidencialidade de um documento que o Governo prometera entregar, mas que escondia mais um desconhecimento do ministro da Defesa. O PSD cede cada vez mais a liderança da oposição parlamentar ao CDS. Como nenhum dos candidatos a líder estará no Parlamento quando for escolhido, cabe-lhe em exclusivo o trabalho de desgastar o primeiro-ministro. Nisso, Luís Montenegro teve a proteção de um líder sentado ao seu lado e pôde fazer um caminho mais tranquilo.