Cem jogos seguidos, zero substituições e zero lesões. Feitas as contas, foram mais de 150 horas em campo, o equivalente a mais de seis dias a jogar. São estes os números que constroem o recorde batido, este domingo, pelo defesa central italiano Francesco Acerbi, numa partida em que o Sassuolo venceu o Sampdoria por uma bola a zero.

“Um dia fantástico para festejar um recorde incrível!!! Desde 18 de outubro de 2015 Francesco Acerbi jogou todos os 100 jogos oficiais sem perder um único minuto!!”, escreveu o clube italiano no Twitter.

Em entrevista à SkySport, Acerbi confessou estar “orgulhoso”. “Não pensei nisto até à semana passada, mas é uma grande satisfação, mesmo que eu pense primeiro na equipa e só depois em mim.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Fazer tantos jogos consecutivos não é fácil. Para conseguir ser um jogador de certo nível é preciso levar uma vida saudável e dar o máximo, é preciso capacidade física e também um pouco de sorte, mas o que faz mesmo a diferença é a cabeça e a vontade de lutar pelo que se acredita e pelo que se quer obter na vida”, acrescentou o jogador.

O jogador rematou dizendo que presta “muita atenção” ao que faz: “Penso nas faltas que posso fazer, tento ler primeiro as situações de jogo e evito punições perigosas”.

Entre 18 de outubro de 2015 e 17 de dezembro deste ano, o defesa canhoto de 29 anos não falhou um único jogo oficial do clube que ocupa a 15.ª posição na tabela da I divisão italiana. E nem mesmo com a mudança de treinadores deixou de ser o favorito ao lugar: foi sempre a escolha de Eusebio di Francesco, que saiu do clube para o AS Roma no final da época passada, também de Cristian Bucchi, demitido em novembro, e agora de Giuseppe Iachini.

Di Francesco chegou a dizer-lhe que devia parar, na época passada. Acerbi não lhe deu ouvidos: “Não queria parar de jogar, esta é a minha paixão”, disse aos jornalistas.

Cancro bisou e fez Francesco pensar sobre o significado da vida

Mas não é a primeira vez que Francesco Acerbi é notícia. O defesa — que este verão chegou a ser apontado como um dos nomes cobiçados pelo clube de Alvalade — iniciou a sua carreira em 2005 e chegou ao Sassuolo na época de 2013/2014, depois de alinhar por equipas menores como o Achievo e o Pavia e de uma curta e menos bem sucedida passagem pelo AC Milan.

Foi, precisamente, quando chegou ao Sassuolo que recebeu a notícia que viria a mudar o seu modo de estar e de encarar a vida. Os resultados dos normais exames da pré-época, em julho de 2013, deixaram o médico Paolo Minafra desconfiado e as piores suspeitas acabariam por confirmar-se: Acerbi tinha cancro no testículo esquerdo e foi submetido a uma cirurgia de imediato para retirar o tumor maligno.

Voltou a jogar no arranque da época, mas por pouco tempo. Em dezembro, o jogador viria a ser suspenso provisoriamente pelo Comité Olímpico Italiano depois de acusar positivo na hormona gonadotrofina coriónica (hCG), num controlo anti-doping realizado após o jogo contra o Cagliari (2-2), a 1 de dezembro daquele ano. A suspensão não foi a pior notícia. Cinco meses depois, o cancro voltara. A 8 de dezembro disputou o último jogo da época.

“Tive que fazer quimioterapia. Quatro sessões”, contou, em agosto de 2014, à Sportweek, numa entrevista recuperada pelo The Guardian . O jogador recordou as “náuseas, o cansaço, as insónias e a perda de apetite”.

Foram dois meses no hospital e chegou ao ponto de não se reconhecer ao espelho. Os tempos que se seguiram, depois da alta, foram tudo menos fáceis. A falta de energia consumia-lhe o corpo e passou os dias a ver o Masterchef, à espera que lhe despertasse o apetite. Mas a falta de força para sair à rua deu-lhe, nas suas palavras, tempo para pensar em tudo o que estava a acontecer. Passou a concentrar-se “nas coisas importantes”, afirmou.

“Enquanto estava sozinho na minha cama pensei muito sobre o significado da vida”, afirmou o defesa que entretanto lançou o livro Tutto Bene. E foi nesses meses de ausência, em que chegou a “perder a esperança”, dos relvados que foi crescendo nele “um desejo furioso de voltar a jogar outra vez”.

Voltou nove meses depois, em setembro de 2014, numa partida contra o Sampdoria que terminou a zeros. E um ano depois iniciaria a série de jogos que o conduziria a este recorde.

Este domingo, Francesco Acerbi confessou que antes da doença se “sentia invencível”. “Era um pouco superficial. Quando cheguei ao Milan, achei que já tinha chegado ao topo.”

“Depois da minha doença, percebi que não tenho tempo para arrependimentos”. E, por isso, cuida “de todos os detalhes”, dando especial atenção, durante a semana, à alimentação e ao descanso. “Nunca estou satisfeito. Cuido-me toda a semana para jogar melhor.” “É preciso levar uma vida saudável e ter metas”, concluiu Acerbi.