A decisão do Tribunal Constitucional de declarar inconstitucional a taxa de proteção civil criou um problema ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML): Fernando Medina terá de encontrar forma de colmatar um buraco de cerca de 80 milhões de euros no orçamento do próximo ano, já aprovado. De onde virá essa verba, ainda não é totalmente claro – mas fonte oficial da autarquia garante ao Observador que “não vão ser aumentadas taxas e impostos”. Uma hipótese que tinha ficado em aberto com as primeiras declarações do presidente.

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) espera começar a devolver o valor cobrado nos últimos dois anos, com a taxa de Proteção Civil, já em fevereiro. Ao Observador, fonte da autarquia refere que, perante a declaração de inconstitucionalidade da taxa, por parte do Tribunal Constitucional, a intenção é “pagar em fevereiro e, em princípio, de uma única vez”. De que forma, por que meios e com que impacto sobre o orçamento, nada está ainda definido.

Câmara devolve ou suspende cobranças futuras?

Assim que se soube da decisão do TC, Medina garantiu que a autarquia ia criar um balcão de atendimento e lançar um site para apoiar na devolução da taxa. Um dia depois desse anúncio, a autarquia ainda não sabe nem como nem quando vai decorrer esse processo.

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Vamos abrir um balcão de atendimento já no mês de janeiro, com um site próprio para ser feito esse pedido de devolução e vamos comunicar diretamente, escrever diretamente a todos os proprietários que procederam ao pagamento dessa taxa, para que possam reaver as verbas que o tribunal declarou hoje que não deviam ter sido cobradas”, disse Fernando Medina.

Câmara de Lisboa vai devolver dinheiro cobrado através da Taxa de Proteção Civil declarada inconstitucional

O Observador tentou saber junto da autarquia como e quando vai decorrer este processo. Garantindo que “vai ser rápido”, fonte oficial disse ser ainda cedo para avançar explicações mais mais concretas.

O vereador do CDS João Gonçalves Pereira sublinhou a importância de se garantir que a autarquia não cria “subterfúgios burocráticos que façam recair sobre o contribuinte o ónus da devolução”. Medina garantiu que, logo em janeiro, a câmara vai lançar o balcão de atendimento e abrir um site.

Ao Observador, fonte oficial da CML aponta para que as devoluções sejam feitas no mês seguinte, Fevereiro, de uma assentada. Mas não é ainda claro se será exigido aos munícipes que apresentem documentos comprovativos do pagamento da taxa como condição para a devolução.

Uma hipótese, para evitar que o dinheiro tenha de fazer o percurso inverso (da câmara para os proprietários), passaria por descontar o valor cobrado pela taxa de proteção civil em outras taxas, a pagar no futuro pelos lisboetas. Gonçalves Pereira é perentório: “Houve um valor cobrado indevidamente e a câmara tem de devolver esse valor a essas pessoas”, sublinha o vereador.

Quanto vai receber cada proprietário?

Esta terça-feira, em reação à decisão dos juízes conselheiros, o presidente da CML disse que a autarquia vai contactar “diretamente” cada um dos munícipes do concelho que se viu obrigado a pagar o valor de 37,5 euros por cada 100 mil euros de valor patrimonial das respetivas casas.

Em média, cada morador da capital terá direito a reaver, pelas contas do Jornal de Negócios, cerca de 268 euros, valor que engloba não apenas a taxa paga mas também os 4% de juros (cerca de mais 10 euros) correspondentes aos juros indemnizatórios pelo facto de ter cobrado ilegalmente a taxa.

Taxa de Proteção Civil. Primeiras reações à decisão do TC

Ao Observador, a câmara diz que esse valor “extra”, não cobrado, não está contabilizado nos 58 milhões de euros a que Fernando Medina aludiu quando se referiu à devolução aos proprietários. Essa penalização está a ser “estudada juridicamente” – o que significa que continua em aberto a discussão sobre se a autarquia deve ou não pagar a indemnização a quem foi cobrado ilegalmente o valor da taxa de proteção civil.

Só no que diz respeito à taxa, a título de exemplo, o proprietário de uma casa avaliada em 250 mil euros corresponde à devolução de mais de 281 euros pelos três anos de taxa cobrada, fora juros.

O orçamento de Lisboa vai sofrer com a decisão do Constitucional?

A taxa de proteção civil tem um peso significativo no orçamento da autarquia. Mais especificamente, no ano passado foram cobrados 21,6 milhões de euros, correspondendo a 13% de todas receitas cobradas.

Irei pedir ainda hoje [esta terça-feira] à presidente da Assembleia Municipal a devolução dos diplomas, dos regulamentos relativos às taxas municipais, bem como os orçamentos da Câmara de Lisboa que já tinham sido aprovados, para que possamos retirar a taxa de proteção civil e possamos adaptar o orçamento a esta decisão que hoje conhecemos”, disse Medina.

No entanto, ainda não está definido que rubricas vão ser afetadas por esta devolução e, ao mesmo tempo, pelas receitas que deixam de entrar nos cofres da autarquia. Fonte oficial garante que não serão aumentadas taxas nem impostos, mas admite que a câmara terá de “ajustar despesas” e, eventualmente, repensar o ritmo a que é feito o “abate da dívida”. Na primeira reação, Medina disse que havia “uma verba prevista para contingências” no orçamento da câmara, que “vai ser utilizada precisamente para fazer face a esta devolução”.

O assunto será alvo de discussão na reunião de câmara desta quarta-feira, com a oposição a prometer destacar o assunto e pedir explicações ao presidente Fernando Medina.

A medida inconstitucional de Costa que Medina herdou

Costa acusou Passos de governar contra a Constituição

A taxa de proteção civil nasceu em 2015. Surgiu como resposta ao fim da taxa de conservação de esgotos, que desapareceu no ano anterior mas, ao fim de três anos e de muita contestação, foi declarada inconstitucional. Um legado de António Costa, que sempre criticou Pedro Passos Coelho por governar ao arrepio da Constituição e que agora vê acontecer-lhe algo semelhante.

Provedor de Justiça envia taxa de proteção civil de Lisboa para Tribunal Constitucional

A contestação à taxa chegou ao Tribunal Constitucional, em março, pela mão do Provedor de Justiça. Em causa estava o facto de o valor poder configurar um imposto, e não apenas uma taxa como defendia a autarquia. A resposta foi dada esta terça-feira, com a declaração de inconstitucionalidade pelo TC.

A decisão dos juízes conselheiros confronta António Costa com o seu percurso no poder local e com as críticas que foi lançando a PSD/CDS antes de chegar ao Governo. Como fez em Guimarães, quando acusou Passos de governar contra a lei, “como se uma Constituição que permitiu a tantos e tantos governos de esquerda e direita governar só não permitisse a este cumprir o seu programa”. Ainda assim, há diferenças. Costa teve uma medida chumbada pelo Constitucional em seis anos e meio de governação, PSD/CDS tiveram (partes) de todos os seus orçamentos chumbados – entre outras medidas – nos quatro anos de Governo.

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O sinal de Gaia

O chumbo do Tribunal Constitucional à taxa de Lisboa não foi uma surpresa absoluta. Antes, os juízes do Palácio Ratton já tinham considerado que a taxa (com o mesmo nome mas com diferenças de aplicação), aprovada em Gaia em 2011, não cumpria a lei fundamental do País.

Câmara de Lisboa demarca-se de decisão sobre Gaia e reafirma importância da Taxa de Proteção Civil

A norte, a taxa esteve dois anos em vigor. Ao Observador, a câmara liderada por Eduardo Vítor Rodrigues – autarca socialista crítico da medida – explica que desde 2013 não era cobrado o valor destinado a suportar gastos no âmbito da Proteção Civil. “”Em Vila Nova de Gaia, a grande maioria das entidades reguladoras das infraestruturas que atravessam o concelho partiram para uma guerra judicial. São cerca de trinta os pedidos de impugnação destas empresas à ordem de pagamento da autarquia, alegando pela ilegalidade e inconstitucionalidade da taxa. Não há, até ao momento, qualquer decisão judicial a estes processos em Gaia”, recorda o autarca.

O valor cobrado nos dois primeiros anos é “residual” e, quando o TC decretou a inconstitucionalidade da medida, a câmara pôs fim a todos os processos pendentes, mas também não devolveu os valores já pagos. “Desde 2011, as empresas pagavam episodicamente e outras, aliás, nunca pagavam, tendo recorrido a tribunal para impugnar o pagamento”, diz o presidente de Gaia. Apenas a Portgás pagou sempre esse valor.

Se fosse aplicada de forma universal, corresponderia a um encaixe de 800 mil euros anuais para a autarquia. A taxa só era cobrada às empresas e tinha um custo de cinco mil euros mensais.