“O Meu Belo Sol Interior”

A identificação, ou pelo menos a empatia com a personagem principal de um filme é mais do que meio caminho andado para gostarmos dele. Coisa um bocado difícil em “O Meu Belo Sol Interior”, de Claire Denis, em que Juliette Binoche interpreta Isabelle, uma artista plástica parisiense, divorciada e com uma filha, que anda à procura de um amor verdadeiro e estável. Só que Isabelle é caprichosa, indecisa, volátil, circula de homem em homem como uma bola de “pinball”, insatisfeita com todos e mais algum. Não é que os homens que ela encontra sejam todos uns anjos, mas Isabelle encanita-se facilmente com eles, quer um romance sério mas não tem paciência nem vagar para o cultivar e chega a fazer cenas em público. Porta-se, em bom francês, como uma “emmerdeuse”, testando, por isso, a paciência do espectador mais decidido a acompanhá-la na sua frustrada, e frustrante, ronda sentimental, e a dar-lhe a sua simpatia. Disto isto, “O Meu Belo Sol Interior” é um do filmes mais acessíveis e menos rebuscados de Claire Denis, muito graças ao seu realismo coloquial, a Binoche e a actores como Xavier Beauvois, Bruno Podalydès ou Gérard Depardieu, este no vidente reconfortante que Isabelle consulta, e que na sequência anterior Denis filma a romper com a amante e fulo da vida.

“Corpo e Alma”

O cinema tem a sua quota parte de filmes sobre solitários excêntricos que, por portas e travessas, acabam por encontrar o amor, e é exactamente disso que trata “Corpo e Alma”, da húngara Ildikó Enyedi, vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim e candidato pela Hungria ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. A premissa da história pode ser familiar, mas praticamente tudo o resto no filme não o é. Endre (Géza Morcsányi) é um divorciado entradote, com uma deficiência num braço, que trabalha num matadouro e certo dia descobre que partilha o mesmo sonho com a nova inspectora da qualidade da carne, a angelical, críptica, obsessiva-compulsiva e coca-bichinhos Mária (Alexandra Borbély). Endre vai fazer-lhe a corte, desajeitadamente, entre avanços e recuos, hesitações e passos em falso, que não têm importância pois Mária é nula em termos de sociabilidade – e o não possuir um telemóvel é apenas um dos sinais disso. Pelo meio, há um roubo no matadouro de uma espécie de Viagra para bois de cobrição, muitos planos de sangue das reses abatidas e tentativas de sonhar em sincronia. Ildikó Enyedi filmou uma comédia romântica num cenário insólito, glacial e onírica, parcimoniosa e impassível, poética e extravagante, que apenas pedia um bocadinho mais de ritmo.

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“A Partir de uma História Verdadeira”

O novo filme de Roman Polanski baseia-se no livro homónimo da romancista francesa Delphine de Vigan, foi escrito pelo realizador e Olivier Assayas, e põe frente-a-frente uma autora de sucesso, Delphine (Emmanuelle Seigner), cansada de promover o seu mais recente “best-seller”, deprimida e em crise de inspiração; e uma grande admiradora sua, a linda e instável Elle (Eva Green), que ganha a vida como “ghostwriter” e se insinua na vida de Delphine. Ao ponto de ir morar com ela, afastá-la de contactos profissionais, do ex-marido e dos seus poucos amigos, e impôr-lhe que comece a trabalhar no livro que Elle quer que ela escreva, e não no vago projecto que Delphine ponderava. A fita remete, numa versão mais atenuada, para filmes de Polanski como “What?”, “Repulsa”, “A Semente do Diabo” ou “O Inquilino”, cujas histórias estão pesadas de ameaças gradualmente mais densas, têm personagens assombradas por perigos que podem ser reais ou imaginados por elas, e contemplam ambientes de tensão e medo que remetem ou para circunstâncias sobrenaturais, ou para estados de desequilíbrio mental. Mas nem tudo o que parece, é, mesmo no mundo literário. “A Partir de uma História Verdadeira” foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.