O Manchester City é provavelmente a equipa sensação da Europa nos primeiros cinco meses de competição. Até pode não ser a mais forte de todas, porque há sempre um Real Madrid, um Barcelona, um Bayern ou um PSG, mas olhando para os resultados percebe-se que Pep Guardiola conseguiu colocar o seu toque de Midas no modelo de jogo dos citizens. Resultados práticos? Primeiro lugar da Premier League com uma série de 16 vitórias consecutivas e 52 pontos em 18 jogos; qualificação em primeiro para os oitavos da Champions; apuramento para as meias-finais da Taça da Liga. Entre várias justificações, há uma que nos é bem próxima: a equipa joga com 11 jogadores e não com dez elementos de campo porque Ederson, antigo guarda-redes do Rio Ave e do Benfica, é uma espécie de líbero em posse, variando entre o passe curto na primeira fase de construção e a profundidade.

Não estamos com isto a dizer que o Rio Ave é um Manchester City. Longe, muito longe disso, até pela qualidade individual, coletiva, técnico-tática (e de milhões, já agora) que os separa. Mas o conjunto de Miguel Cardoso tem o enorme mérito de pensar o futebol como um “grande”. Como? A não ter medo de sair em construção a partir da defesa, jogando com o guarda-redes como se de um elemento de campo se tratasse, a privilegiar a qualidade de circulação de bola até entrar no espaço das triangulações ofensivas e a fazer zonas de pressão perto da área contrária. Nem contra o FC Porto os vilacondenses quiseram mudar. E foi por isso que os dragões ganharam com relativa facilidade, num encontro que podia (e devia) ter terminado com números mais elevados do que o 3-0.

Ficha de jogo

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FC Porto-Rio Ave, 3-0

1.ª jornada do grupo D da Taça da Liga

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Nuno Almeida (AF Algarve)

FC Porto: Casillas; Ricardo Pereira, Felipe, Marcano, Alex Telles; Danilo, Herrera; Corona (Layún, 79′), Brahimi (André André, 70′), Marega e Soares (Aboubakar, 63′)

Suplentes não utilizados: José Sá, Diego Reyes, Óliver Torres e Hernâni

Treinador: Sérgio Conceição

Rio Ave: Cássio (Rui Vieira, 35′); Nadjack, Marcão, Nélson Monte, Yuri Ribeiro; Pelé, Tarantini (Barreto, 87′), João Novais (Nuno Santos, 75′); Francisco Geraldes, Rúben Ribeiro e Guedes

Suplentes não utilizados: Bruno Teles, Silvério, Leandrinho e Yazalde

Treinador: Miguel Cardoso

Golos: Soares (11′) e Marega (21′) e Aboubakar (90′, g.p.)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Soares (41′), Pelé (50′), Danilo (66′) e Yuri Ribeiro (84′); cartão vermelho por acumulação a Danilo (80′) e direto a Pelé (89′)

Da parte do conjunto de Sérgio Conceição, que fez poucas alterações em relação ao último jogo (Casillas esteve na baliza em vez de José Sá; Felipe recuperou a titularidade e relegou Diego Reyes para o banco; Ricardo Pereira recuou para lateral e abriu espaço para Corona; Soares foi opção inicial em vez de Aboubakar), aquilo que se pode dizer é que, mantendo as analogias, consegue ganhar como o City. E porquê? Porque sendo fiel aos princípios ofensivos bem enraizados desde o início da temporada, que permitem que não tenham ainda perdido no plano nacional, consegue potenciar os seus pontos fortes em cima das lacunas do adversário. Mais uma vez, repetiu a dose.

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Essa ideia demorou dois minutos a vir à tona: solicitação em profundidade de Marega pela direita, cavalgada do maliano pelo corredor, assistência para o centro da área e falhanço incrível de Soares, a não acertar na bola. No seguimento desse lance, Pelé recuperou uma bola à entrada da área e em vez de despachar, saiu a jogar, com classe, procurando lançar a primeira fase de construção com qualidade. Poucas equipas têm coragem de fazer isso no Dragão. Mas o Rio Ave precisava de ser perfeito para fazer vingar essa ideia. E não foi, longe disso.

Aos 11′, em mais uma bola a ser trocada em terrenos recuados, o passe de Cássio para Tarantini não entrou, Brahimi recuperou à entrada da área, assistiu de forma rápida Herrera, o mexicano deixou de calcanhar para Soares e o brasileiro, de pé esquerdo, atirou sem que o guarda-redes contrário esboçasse sequer uma defesa. 1-0. Aqui esteve uma das lacunas do Rio Ave: os erros cometidos em zonas proibidas; aqui continua a estar uma das virtudes do FC Porto: a capacidade de pressionar alto e forçar o adversário a perder a posse onde não pode.

O golo galvanizou os dragões, que se iam mostrando cada vez mais confortáveis dentro das características que o jogo ia desenhando. E Marega beneficiou de três oportunidades muito parecidas para dilatar a vantagem: sempre lançado em profundidade, atirou primeiro ao lado (19′); permitiu depois a defesa a Cássio (20′); e conseguiu finalmente marcar o 2-0 no seguimento de uma fantástica desmarcação de Brahimi pelo corredor central a explorar a profundidade (21′). A meio da primeira parte, os azuis e brancos aproveitavam a falta de intensidade do meio-campo vilacondense e a descoordenação dos dois centrais (Marcelo não jogou) para estenderem a passadeira e criarem sucessivas oportunidades de golo.

João Novais, um especialista em bolas paradas, ainda tentou reduzir através de um livre direto que passou pouco ao lado (24′), mas a noite não estava mesmo para o Rio Ave, que teve de substituir um guarda-redes quatro anos depois (o último tinha sido Kritciuk, que deu lugar a… Ederson) depois de Cássio passar alguns minutos a queixar-se da coxa no seguimento de um choque com Marega. Quer o maliano, quer Soares podiam ter aumentado a vantagem antes do intervalo, sempre lançados em profundidade, mas Rui Vieira esteve à altura. Danilo, de cabeça após um canto, teve demasiada pontaria e acertou no poste (41′).

O segundo tempo começou exatamente dentro dos mesmos pressupostos da primeira parte, com Soares (47′) e Marega (48′) a desperdiçarem bolas de golo isolados na área após passes de Brahimi e… Casillas, respetivamente. Parecia mesmo que os avançados azuis e brancos estavam a facilitar na hora de “fecharem” o jogo com o 3-0 e essa atitude acabou por alastrar-se a toda a equipa quando Yuri Ribeiro, assistido por Rúben Ribeiro, fez todo o flanco esquerdo em velocidade, entrou na área e rematou para defesa do guarda-redes espanhol (52′).

Com o passar dos minutos, o encontro foi perdendo intensidade e, com isso, qualidade. Pelé, Yuri Ribeiro e Nuno Santos, com remates de fora da área, ainda assustaram Casillas, mas o FC Porto foi controlando o jogo sem ter a mesma clarividência de saída em transições ou a explorar a profundidade, o que levou mesmo Sérgio Conceição a lançar André André a 20 minutos do final com a intenção de recuperar o domínio do corredor central e procurar, pelo menos, gerir a vantagem de uma forma mais segura e com mais posse e circulação. Uma ideia que ganhou outro peso após a expulsão por duplo amarelo de Danilo aos 80′, depois de Nuno Almeida entender que o toque do médio na bandeirola de canto após uma falta sobre Yuri Ribeiro foi um protesto demasiado ostensivo.

Mesmo no final do encontro, depois de mais um passe em profundidade, Aboubakar foi derrubado quando seguia isolado para a baliza (Pelé foi expulso por isso, com vermelho direto) e fez o 3-0 de penálti. O FC Porto ganhou, ganhou bem, podia ter ganho ainda melhor, mas porque consegue ser a melhor equipa em Portugal a alternar nos movimentos ofensivos a profundidade e o ataque apoiado (daí que seja o melhor ataque da Primeira Liga, por exemplo), tendo também ficado numa boa posição no grupo D da Taça da Liga no dia em que quebrou uma série de oito encontros consecutivos sem vencer nesta competição. Mas era bom que existissem mais equipas como o Rio Ave no nosso Campeonato. O futebol ficava a ganhar e muito com isso.