Há jornalistas da RTP a receber valores muito perto do salário mínimo nacional. O Conselho de Administração da empresa justifica estes vencimentos com novos escalões da Segurança Social e — em resposta a uma carta de nove jornalistas que protestaram por este agravamento da situação salarial — lembra aos trabalhadores que a lei do Orçamento do Estado impede a empresa de aumentar a carga salarial. A RTP alerta ainda esses trabalhadores que, se estivessem nos quadros, não teriam contribuições “necessariamente menores” para a Segurança Social.

Em resposta a várias perguntas do Observador, fonte oficial da empresa limitou-se a dizer que “a RTP está a colaborar com o programa PREVPAP [programa de integração de precários do Estado], uma iniciativa do Governo, com vista à integração de cerca de 250 colaboradores da empresa, inscritos neste programa”. Não esclarece, porém, se estes trabalhadores se enquadram ou concorreram a esse programa.

Nos últimos três anos foram recrutados 19 jornalistas para a estação pública, todos na condição de prestadores de serviços. Apesar de receberem a recibos verdes, trabalham diariamente nas instalações da empresa e são uma parte dos 300 profissionais da RTP que se encontram nestas condições.

Em novembro, estes trabalhadores foram surpreendidos com a subida do valor das contribuições para a Segurança Social (SS), uma situação que os afeta diretamente no vencimento que recebem no final do mês. Isto porque, no caso dos trabalhadores independentes (“recibos verdes”), as empresas não são obrigadas a pagar as contribuições para a Segurança Social, sendo essa uma responsabilidade dos trabalhadores. Perante este aumento recente, alguns destes trabalhadores viram, inclusivamente, o seu vencimento líquido reduzido em mais de 120 euros.

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Nove jornalistas assinam carta

A situação levou a que um trabalhador ficasse a ganhar menos do que o ordenado mínimo nacional, em termos líquidos, descontando o valor de subsídios — de Natal e férias — a que, por trabalharem a recibos verdes, não têm direito. Um dos trabalhadores nesta situação ouvido pelo Observador garante: “Há pelo menos uma pessoa que ganha, em termos líquidos, menos do que o ordenado mínimo e outros tantos jornalistas que recebem pouco mais”.

Um outro jornalista explica ao Observador que o colega que, em termos líquidos, recebe abaixo do salário mínimo aufere “900 euros brutos por mês, mas fica apenas com 550 euros mensais. Se se dividir pelos 14 meses que contam para quem está como trabalhador dependente, estamos a falar de um vencimento líquido de 475 euros, claramente abaixo do salário mínimo.”

Na RTP, estes jornalistas dizem trabalhar a tempo inteiro, grande parte por turnos definidos por chefia direta, utilizam equipamento da empresa para desempenhar funções, entram em escalas para rotação de turnos em fim de semana e feriados, e muitos deles assumem, em certos momentos, funções editoriais — ou seja, são editores de noticiários (generalistas e de desporto) e de programas de informação, o que os torna os responsáveis pela informação da estação pública.

Fontes da empresa garantem que o turno da madrugada em dias úteis e, na grande maioria dos fins de semana, é assumido exclusivamente por estes jornalistas. As mesmas fontes contam ainda que, alguns deles, por serem editores durante os turnos diários, assumem também a chefia de equipas, como consta na denúncia a que o Observador teve acesso.

Perante a redução dos vencimentos líquidos, nove destes jornalistas, que trabalham todos na informação diária da rádio pública (Antena 1, Antena 2 e Antena 3), enviaram uma carta ao Conselho de Administração da RTP a informar o órgão de que tais alterações nos escalões da Segurança Social levam a que haja uma quebra brutal no vencimento que efetivamente recebem. “Só auferimos de salário líquido cerca de metade da nossa remuneração bruta”, escrevem na carta enviada ao Conselho de Administração à qual o Observador teve acesso.

Perante esta situação, os trabalhadores apelaram à administração a que aumentasse os salários para colmatar essa diferença e não houvesse uma quebra efetiva do rendimento mensal. Os nove jornalistas demonstraram, através da carta, o seu “desconforto e insatisfação face à situação contratual” que têm na RTP e pediram que a mesma fosse “revista, para cada um dos subscritores (…) com a maior brevidade possível.”

A par dessa revisão da situação contratual, os jornalistas pediam com “carácter urgente” que a administração tomasse uma de duas opções para que não houvesse perda de rendimento: ou “aumentar as remunerações efetivas mensais de cada um ou passar a RTP a assumir o pagamento deste aumento de imposto mensal.”

Os trabalhadores denunciavam ainda que a situação contratual que têm neste momento com a RTP não respeita “princípios de igualdade e de justiça”, é “criticável” e que “coloca a nu uma série diferenças de tratamento” que consideram “pouco aceitáveis” numa empresa com a responsabilidade social da RTP.

As restrições do orçamento de Estado

O Conselho de Administração da RTP respondeu aos trabalhadores — também por carta, a que o Observador teve acesso –, explicando o funcionamento dos referidos escalões e indicando que, em 2017, a empresa pública está impedida pelo Orçamento do Estado de “ultrapassar os valores pagos por aquisição de serviços” registados nos contratos de 2016.

Apesar do argumento apresentado, ao longo de 2017 ter-se-ão repetido casos de pagamentos de serviços com valores superiores aos de 2016, ou seja, terá havido trabalhadores com contratos de prestação de serviços, de vários setores da empresa, a verem o seu salário aumentado, garantem trabalhadores da rádio pública ao Observador.

Além disso, a administração sugere que os trabalhadores ainda poderiam pagar mais de impostos caso estivessem nos quadros. “Importa ainda esclarecer que, mesmo que se encontrassem numa situação de trabalho dependente, as contribuições para a Segurança Social não seriam necessariamente menores”, advertiu o conselho de administração da RTP.

Ao terem conhecimento da situação, alguns jornalistas da rádio, funcionários efetivos da RTP, expressaram o seu apoio por escrito às reivindicações dos colegas que trabalham como falsos prestadores de serviços. Também o Sindicato de Jornalistas e a Comissão de Trabalhadores têm conhecimento da situação e expressaram, igualmente, o seu apoio.