O médico responsável pelo nascimento da primeira criança com três pais disse à agência Lusa que a técnica está a merecer o interesse em todo o mundo e que tem recebido pedidos de quase todos os países europeus. John Zhang é um especialista em medicina da reprodução que em 2016 foi notícia após a revista científica britânica New Scientist ter anunciado o nascimento do primeiro bebé do mundo concebido com o ácido desoxirribonucleico (ADN) de três pessoas: do pai, da mãe e de uma dadora.

Nasceu o primeiro bebé com o ADN de três pessoas diferentes

O anúncio foi feito a 27 de setembro de 2016, quando Abrahim Hassan já tinha cinco meses de idade. O objetivo desta técnica de substituição mitocondrial foi evitar a transmissão de uma doença genética, neste caso a síndrome de Leigh, cujos genes a mãe era portadora. Após vários abortos e de perder dois filhos, o casal oriundo da Jordânia procurou ajuda na clínica de John Zhang que se dedica à medicina da reprodução.

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O especialista explicou à Lusa a técnica que usou, recorrendo à imagem de um ovo, no qual a gema (núcleo) contém o ADN que codifica os traços expressados (cabelo, olhos, altura, etc.). “Também há ADN na clara de ovo (mitocondrial), que codifica a forma como o corpo funciona, como os músculos crescem, a respiração dos pulmões, o funcionamento do cérebro, etc”, referiu.

Para retirar a doença do ADN mitocondrial, a equipa transferiu a gema do ovo da mulher do casal para uma clara de ovo de uma doadora, ao qual tinha sido removida a gema. Tal foi possível graças a “um impulso elétrico especialmente cronometrado para causar a fusão celular, através do qual a gema do ovo da doente se ligou à clara da dadora”, explicou Zhang.

“São necessários equipamentos especializados e um tempo preciso para provocar uma fusão celular bem-sucedida. É igualmente importante conseguir remover o máximo de ADN saudável, o que pode ser complicado”, prosseguiu. Para John Zhang, a técnica exige “uma habilidade excecionalmente alta no laboratório”.

O especialista adiantou que, por esta ser uma nova técnica, não há escola que possa assegurar uma preparação adequada para este trabalho. “De facto, só existem algumas pessoas selecionadas no mundo que podem fazer este trabalho. Além disso, é mais caro para o laboratório fazer isso do que fertilização in vitro tradicional”, referiu.

Além da criança concebida através da técnica aplicada por John Zhang, nasceu uma outra elaborada pela equipa do médico Valerie Zukin, na Ucrânia, que usou a mesma técnica, mas com algumas alterações. Questionado sobre as doenças que este procedimento poderá evitar, o especialista apontou um conjunto de patologias mitocondriais, entre as quais a miopatia mitocondrial, a diabetes mellitus e a surdez, a neuropatia ótica hereditária de Leber, neuropatia, ataxia, retinite pigmentosa e ptose.

John Zhang ressalvou que, para já, ainda se desconhece se esta terapia de substituição mitocondrial funcionará para todas estas doenças.