“Se tivéssemos de apostar num ano em que poderia ocorrer uma grande crise inesperada — um equivalente geopolítico do colapso financeiro de 2008 — pressentimos que seria 2018″. Este é o alerta do Eurasia Group, uma influente consultora de riscos políticos com sede em Nova Iorque mas com presença global. A consultora está preocupada com a mudança tectónica que, na sua opinião, está a ocorrer, com os EUA de Trump cada vez mais virados para dentro e a China a querer conquistar uma maior fatia do protagonismo internacional.

No relatório publicado esta terça-feira, que pode ser lido gratuitamente nesta ligação, o Eurasia Group pede-nos que “sejamos honestos: 2018 não se afigura bom”.

Sim, os mercados estão em alta e as economias não estão a portar-se mal, mas os cidadãos estão divididos. Os governos não estão a governar lá muito. E a ordem global está a ruir”.

O Eurasia, que considera “assombrosos” os desafios políticos à escala mundial, lamenta — sim, diz, mesmo, “lamentamos” — que nos 20 anos desde que a consultora foi fundada, um período com muitos altos e baixos no mundo, nenhum ano como 2018 parece tão propenso a uma grave crise internacional. E uma das principais razões está ligada à “muito maior fragmentação dos mercados globais, porque os governos estão cada vez mais intervencionistas“.

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Em entrevista à Bloomberg, o presidente da Eurasia, Ian Bremmer, comentou que uma das questões de base é que “os chineses vão cada vez mais ser vistos como o maior motor para o desenvolvimento de outras economias, que tenderão a alinhar-se mais com Beijing do que com Washington”.

Se para alguns países do Ocidente essa troca — EUA por China — não parece muito agradável, “para muitos países é uma alternativa plausível. E Xi Jinping está pronto e disponível para ser essa alternativa e alargar a influência da China, e esse é o grande risco para o mundo neste ano”, escreve o Eurasia no relatório. Em áreas como o comércio e o investimento, a tecnologia e os valores, a China está a conseguir, como nunca, definir os padrões internacionais.

Trump terminou o ano a dizer-se “dececionado” com a China

Donald Trump recebeu o presidente chinês no seu resort de Mar-a-Lago em 2017, mas o ano terminou, porém, com uma notícia preocupante, neste cenário. O presidente norte-americano criticou a China, alegando que teria sido “apanhada em flagrante” a entregar petróleo à Coreia do Norte — uma acusação de violação das sanções que a China recusou por completo.

Trump disse-se “muito dececionado” com a China na forma como gere a relação com a Coreia do Norte, um país pequeno e insignificante na economia global mas que está no centro de uma disputa geopolítica que, como em outros episódios na história mundial, arrisca precipitar uma cadeia de acontecimentos que desestabilize a paz mundial.

“Não estamos à beira de terceira guerra mundial”, escreve o Eurasia. Mas, com os EUA cada vez mais virados para dentro, “sem um garantidor da segurança global, e com a proliferação de atores infra-nacionais capazes de ter iniciativas desestabilizadores, o mundo tornou-se um local perigoso”, acrescenta a consultora, que não é a única a considerar a Coreia do Norte (e o que ela pode desencadear) o principal risco para as economias mundiais em 2018:

Os 10 temas que vão fazer mexer a economia em 2018

Mas não é só a Coreia do Norte que preocupa o Eurasia, neste contexto. Além das questões relacionadas com a Síria e o extremismo islâmico, a consultora destaca o Irão e as relações cada vez mais difíceis com os EUA, que podem levar a que seja rasgado o acordo nuclear assinado por Barack Obama.

Trump embirra especialmente com o Irão. Tenha ou não tenha razão, parece que Trump acredita que o Irão é a raiz de muito do mal que existe no mundo”

Outra das áreas em que a China está a tentar garantir uma hegemonia futura é na tecnologia e, em concreto, em áreas como a inteligência artificial. Uma área onde a China está a investir fortemente nos últimos anos.

À medida que os nossos carros, casas, fábricas e infraestruturas públicas começam a gerar enormes montanhas de dados; à medida que a conectividade evolui no sentido da realidade aumentada, uma nova geração de humanos vão dar por si ‘ligados’ 24 horas por dia, o que terá implicações importantes para a sociedade e para a geopolítica”, diz o Eurasia. Até lá, contudo, é no campo da tecnologia que está a decorrer a “maior batalha em todo o mundo, por poderio económico”.