Falta de eficácia, fugas de informação e um balanço negativo do trabalho do Ministério Público no ano em que foi formalmente acusado um ex-primeiro ministro pelos crimes de corrupção e branqueamento de capitais. Rui Rio chumbou, na noite de quinta-feira, o trabalho do Ministério Público durante o debate na RTP que travou com o seu opositor na corrida à liderança do PSD. E só faltou dizer que a atual procuradora-geral, Joana Marques Vidal, não devia ser reconduzida. O que dizem os magistrados do Ministério Público (MP) das suas palavras?

“Os ataques não são novidade, o doutor Rui Rio sempre teve uma posição negativa relativamente ao MP, ontem até foi benigno para o costume”, considerou ao Observador o procurador António Cluny. Rui Rio disse que “os julgamentos são para ser feitos nos tribunais” e não nos jornais ou na praça pública. Cluny concorda com a ideia e até admite que “existam divulgações de factos que não deviam ocorrer”. No entanto, acrescentou, “saber se é da parte do MP é outra questão. E fazer juízos de valor na praça pública sobre a responsabilidade dos outros não me parece ser igualmente correto”, rematou.

Durante o debate, quando confrontado com o tema sobre o combate à corrupção, Santana Lopes elogiou a coragem do Ministério Público em algumas investigações, referindo-se a um “ex-primeiro-ministro” [José Sócrates] e “grandes figuras do sistema económico” [como Ricardo Salgado]. Queria mostrar como os investigadores foram destemidos e enfrentaram os “poderosos”. Rui Rio, por seu turno, disse que o balanço que fazia do ano não era “positivo”: “Não vejo no Ministério Público a eficácia que devia ver”, disse, criticando o facto de haver muitas informações dos processos criminais a serem divulgadas pela comunicação social.

Uma procuradora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, que pediu para não ser identificada por temer um processo disciplinar por parte da procuradora-geral, Joana Marques Vidal, lembra que o trabalho do MP português não se pode comparar ao de outros países — dando o exemplo do italiano, que é mais autónomo.

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Estamos muitos dependentes dos timings das polícias, do que fazem e dos seus diretores. Não decidimos grande coisa. O Ministério Público não é tão atuante, não tem tanto poder como, por exemplo, o italiano”, diz a magistrada.

A procuradora explica que o MP português devia ser reestruturado e dotado de uma maior autonomia. E em resposta às declarações de Rio, quando disse ter feito mais do que o MP, quando realizou uma série de auditorias na Câmara do Porto, sobretudo na área do urbanismo, a magistrada não se surpreende. Diz que faltam especialistas nas polícias. E que “um polícia que ganha 800 euros por mês não pode ser um génio, nem se lhe pode exigir mais do que o que já faz. Não esquecemos que grande parte dos processos do DIAP de Lisboa estão na PSP”, acrescenta.

Quanto às fugas de informação, a procuradora admite que existam. “Se há escutas que foram para a um jornal, quem as deu?”, só não afirma que essas fugas tenham origem no seio do Ministério Público. “Os meus colegas estão sempre com medo de falar. Mesmo quando são temas genéricos. E a comunicação social faz o seu trabalho”, admitiu.

“Autonomia” e “estatutos” são alguns dos temas que têm levado o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público a reunir várias vezes com o Governo. Mas ainda sem acordo. São também temas que estão agora a ser abordados esta quinta e sexta-feira na Cimeira da Justiça que decorre em Tróia e que conta também com a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, da Ordem dos Advogados, da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e do Sindicato dos Funcionários Judiciais. A ideia é, juntos, fazerem um novo Pacto da Justiça.

Contactado pelo Observador, António Ventinhas disse que as declarações de Rui Rio já tinham ecoado pelos corredores da Cimeira, mas que não iria comentá-las. “Prefiro não me pronunciar por estarmos muito próximos da eleição do partido e qualquer coisa que eu diga pode ser vista como uma tomada de partido”, disse.