Os deputados da comissão de Trabalho e Segurança Social aprovaram, na última quarta-feira, um requerimento do CDS para ouvir o atual provedor da Santa Casa da Misericórdia, e o ministro da Segurança Social, Vieira da Silva. A ideia era a de os dois responsáveis prestarem “todos os esclarecimentos sobre os contornos que envolvem a hipótese de a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa entrar no capital do Montepio Geral”. O caráter do requerimento era urgente: o provedor e o ministro deviam ser ouvidos o mais cedo possível, consoante as agendas o permitissem. Acontece que o cedo virou tarde: o ministro ficou “desconfortável” por tocar num tema que pode ser sensível para Santana Lopes nas vésperas das eleições internas do PSD e não se quis meter, empurrando a audição para a semana seguinte.

Problema 1? A esquerda sugeriu que o ministro apenas fosse ouvido sobre esse tema no dia 17 de janeiro, sob o pretexto de já estar marcada para esse dia uma audição ordinária com aquele mesmo ministro. Ou seja, podia-se juntar o útil ao agradável e arrumar os dois temas numa mesma deslocação ao Parlamento. Problema 2? O presidente da comissão de Trabalho, Feliciano Barreiras Duarte, é um dos mais próximos apoiantes de Rui Rio na corrida contra Santana Lopes à liderança do PSD, e quis levar a sério o termo “caráter urgente” do requerimento: sugeriu a ida do ministro ao Parlamento já para a semana, dia 11. Problema 3? As eleições internas do PSD, que opõem Rui Rio a Pedro Santana Lopes, estão marcadas para o próximo dia 13. Então, deve o ministro ir ao Parlamento falar sobre um tema que pode ser delicado para o ex-provedor e atual candidato à liderança do PSD antes, ou depois, das eleições do PSD?

A decisão de Vieira da Silva recaiu para depois. No rescaldo de uma reunião da comissão de Trabalho onde os ânimos se exaltaram, Feliciano Barreiras Duarte acabou por ficar com o ónus de propor uma data ao gabinete do ministro Vieira da Silva — e propôs o dia 11 de janeiro. Isto porque o requerimento do CDS era claro quanto à necessidade de ouvir primeiro o atual provedor da Santa Casa, Edmundo Martinho, e só depois o ministro. Edmundo Martinho estaria fora do país e o mais cedo que podia era dia 10 de janeiro.

De acordo com Feliciano Barreiras Duarte, as diligências foram tomadas na quarta-feira à tarde e “ontem”, quinta-feira, Edmundo Martinho mostrou disponibilidade para comparecer perante os deputados no dia 10. O ministro, contudo, foi mais demorado a responder, e esperou até à tarde desta sexta-feira para dizer que não tinha disponibilidade para comparecer durante a semana que vem. Só para a semana seguinte, dia 16 ou 17. O mesmo foi confirmado ao Observador pela secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares: o ministro limitou-se a mostrar indisponibilidade para comparecer na próxima semana, tendo deixado o resto ao critério dos deputados.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ministro “desconfortável” por causa das eleições no PSD

Ao que o Observador apurou, contudo, as razões da indisponibilidade do ministro pouco terão tido a ver com questões de agenda. O ministro terá ficado “desconfortável” por ir mexer num assunto que envolve Santana Lopes na semana mais delicada da corrida à liderança do PSD, e “não se quis meter”. “O ministro apercebeu-se do desconforto de algumas pessoas do PSD por vir a ser ouvido sobre este tema em vésperas de eleições do PSD“, ouviu o Observador de uma fonte governamental.

Em causa está o facto de haver uma contradição sobre quem quis em primeiro lugar fazer aquele negócio, se a Santa Casa, se o Governo. António Costa disse no último debate quinzenal que foi a Santa Casa (na altura dirigida por Santana Lopes) que mostrou interesse em participar no sistema financeiro, tendo depois o Governo e o Banco de Portugal achado que “não havia obstáculos a essa participação”, que até era do interesse de ambas as partes. Costa disse mais: o Governo participou no tema mas “sem dar instruções”. Dias depois, o jornal Expresso fazia manchete com a notícia de que Vieira da Silva é que tinha sido o “pivô” da negociação, e que o primeiro passo para a entrada da instituição social no capital da caixa económica tinha vindo do Governo. Daí o CDS ter apresentado um requerimento urgente para ouvir o ministro.

Só que a urgência esmoreceu durante a reunião da comissão onde a audição foi aprovada, e o presidente da comissão, que apoia Rui Rio, não gostou. “Mas que grande Bloco Central que hoje estamos aqui a ter”, começou por exclamar Feliciano Barreiras Duarte depois de a deputada do PCP, Rita Rato, e o deputado do BE, José Soeiro, terem introduzido a ideia de passar a audição para o dia 17, altura em que o ministro já teria de ir de qualquer forma ao Parlamento para uma audição regimental. Para Feliciano Barreiras Duarte, a esquerda e a direita (pelo menos a direita que apoia Santana Lopes) estavam a unir-se para adiar a audição do ministro. Tudo para não reavivar o tema em vésperas de eleições internas. Ou seja, tudo para poupar Santana Lopes.

Vieira da Silva está a tentar “empurrar” a audição, acusa o PSD

Não é isso que diz a deputada do PSD Joana Barata Lopes, que tem assento na comissão de Trabalho e que apoia Pedro Santana Lopes. “Não há nenhum engodo com isso, se o caráter do requerimento é urgente então o ministro deve ir o mais cedo possível”, diz ao Observador, acrescentando que o ministro está apenas a “tentar empurrar a audição sobre o Montepio para cima da audição regimental, para passar despercebida”.

Também o deputado do CDS presente naquela comissão, e autor do requerimento, desvaloriza. “No nosso entender a audição devia realizar-se o quanto antes, mas tudo depende da disponibilidade do ministro, por isso tem que haver razoabilidade”, diz ao Observador Filipe Anacoreta Correia.

A verdade é que nenhum dos deputados presentes no dia da aprovação da audição se bateu para que esta se realizasse o quanto antes — e antes das eleições do dia 13. Filipe Anacoreta começou por ficar em silêncio depois de Feliciano Barreiras Duarte ter levantado a voz, e só depois de a deputada do PSD Mercês Borges ter dito que cabia ao CDS, enquanto proponente, decidir o grau de urgência da audição, é que Filipe Anacoreta Correia abriu a porta a deslizes de agenda: “o ministro tem uma grelha própria, a urgência aponta para a vinda dos visados o mais cedo possível, mas também entendemos que por motivos de agenda isso nem sempre seja possível”.