As almas pudicas que abundam na política portuguesa têm passado os últimos dias horrorizadas com os debates entre Rui Rio e Santana Lopes. Parece que os frente a frente que juntaram os candidatos a líder do PSD foram, imagine-se, “combates de boxe”. E, vejam lá, parece que não se “discutiram ideias”.

Acontece, porém, que, como todos já deveriam saber, estes debates não servem para “discutir ideias”. Quem quer exercer a atividade meritória de “discutir ideias” deve ler os programas partidários, assistir a sessões de esclarecimento, ver entrevistas longas ou ouvir alguns discursos. Para isso, esqueçam debates como estes: os frente a frente na televisão e na rádio forçam a falar sobre vários temas em pouco tempo, são de resposta curta e obrigam a réplicas e tréplicas sucessivas.

Ou seja: são combates de boxe. E ainda bem, porque isso é muito esclarecedor. Estes debates ajudam a perceber se um candidato tem mesmo vontade e força para suportar os custos da luta política, se tem capacidade de resistência e se tem inteligência para superar os próprios erros. Tudo coisas que não se aprendem quando os políticos estão muito bem arranjadinhos, num ambiente controlado, a discutir ideias que, tanto quanto sabemos, podem ter sido preparadas por outros. Mais: tudo coisas que são fundamentais quando estamos a escolher um futuro primeiro-ministro. Tão importante como ter ideias maravilhosas é conseguir fazer alguma coisa com elas. Exercer o poder é participar numa luta corpo a corpo contra vários interesses instalados, com teimosia, com habilidade e, por vezes, com uma certa dose de violência política.

Nos “combates de boxe” que houve na RTP e na TVI, aprendemos muitas coisas úteis sobre os candidatos. No primeiro debate, percebemos que, ao contrário do que gosta de afirmar, Rui Rio não é o homem mais bem preparado do país: quando Santana Lopes começou a tirar recortes de jornais do bolso, Rio parecia um pequeno Bambi no meio da estrada, ofuscado pelos faróis de um carro segundos antes do atropelamento. Incrivelmente, não estava nada à espera daquilo. Pior: quando tentou executar o truque que levava preparado, e acusou Santana de ter ameaçado sair do PSD para fundar um novo partido, trocou datas e nem sequer utilizou uma citação decente. Mas, no segundo debate, descobrimos outra coisa: Rui Rio sabe aprender com os desastres. Quando chegou à TVI, já levava várias notícias que expunham as contradições e mudanças de opinião de Santana Lopes — e mostrou-as em direto.

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O “combate de boxe” também foi esclarecedor para quem quer perceber melhor Santana Lopes. Nestes dias, vimos que está disposto a torturar o raciocínio lógico para conseguir ganhar: no primeiro debate, atacou Rui Rio por ter sido pouco leal aos líderes do partido; no segundo debate, acusou-o precisamente do inverso, argumentando que ele não devia ter dito bem do seu governo publicamente se na realidade tinha críticas a fazer. E aprendemos que, ao contrário de Rio, mantém a capacidade, essencial para um político, de ver o óbvio para além do calendário. Por exemplo: é evidente que o PSD vai apoiar a recandidatura de Marcelo à Presidência; e é evidente que, ao ser claro nesse ponto quando Rio hesita, Santana mostra saber que a política não é um manual de instruções que vamos seguindo como alunos bem comportados.

Já sei, já sei: vão dizer que “lá fora” não é assim. Mas claro que lá fora é assim. Em 1984, no frente a frente com Walter Mondale, o moderador perguntou a Ronald Reagan: “Você já é o Presidente mais velho de sempre. E algumas das pessoas da sua equipa dizem que estava cansado depois do primeiro encontro com o senhor Mondale. Recordo que o Presidente Kennedy teve de aguentar vários dias com muito pouco descanso durante a crise dos mísseis cubanos. Tem alguma dúvida de que não seria capaz de funcionar em circunstâncias como aquelas?”. Reagan não respondeu com um tratado médico ou com um dossier cheio de ideias para debater — respondeu com graça, mostrando que era capaz de suportar críticas certeiras sem perder a cabeça e que mantinha a agilidade mental: “Quero que saiba que eu não vou tornar a idade numa questão desta campanha. Eu não vou explorar para fins políticos a juventude e falta de experiência do meu adversário”.

Uma campanha tem de ser sobre ideias, mas isso está longe (muito longe) de ser suficiente. Só com os “combates de boxe” nas televisões e rádios — com todas as acusações, lama e recortes de jornal — é que conseguimos perceber se um político vai conseguir concretizar as suas fantásticas promessas. Ou seja: se merece o nosso voto.